Acórdão nº 608/14.7TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução30 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1.

AA instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra “BB - Companhia de Seguros Vida, S.A.. (STS)”, pedindo que a ré fosse condenada a pagar ao “Banco CC, S.A..” a quantia de EUR 47.021,57, correspondente ao capital em dívida até 28/12/2012, acrescida de juros de mora e das «penalizações» previstas nos contratos de mútuo celebrados com aquele Banco, bem como de todas as prestações, entretanto, pagas pela autora e de todas as despesas em que viesse a incorrer “para se defender em tribunal contra o Banco”, também acrescidas de juros de mora.

Para tanto, alegou, em síntese, que: Em 20/2/2006, a autora e o seu falecido marido, como mutuários, celebraram com o “Banco CC, S.A.” dois contratos de mútuo com hipoteca.

Nos termos previstos nos contratos de mútuo, e para cobertura dos “riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva ou outros riscos por acidente e/ou doença, e até ao limite do capital mutuado”, a autora e o marido subscreveram dois seguros de grupo, do ramo vida, figurando, em qualquer deles, como beneficiário, o “Banco CC, S.A.” e como pessoa segura, a autora e o marido.

Na mesma altura, a autora e o marido assinaram uma “Declaração de Saúde”, sem que a tenham, contudo, preenchido.

De acordo com o clausulado no contrato de seguro, a ré seguradora comprometeu-se a garantir o pagamento do capital seguro, correspondente à cobertura dos riscos contratados.

Sucede que, em 28/12/2012, o marido da autora faleceu, em consequência de “síndrome coronário agudo devida ou consecutiva a pneumonia adquirida na comunidade”. Não obstante, a ré, alegando que a causa da morte tem origem em «doença preexistente», recusou pagar ao Banco CC o capital em dívida a esta esta instituição bancária.

  1. A autora requereu a intervenção do “Banco CC, S.A..”, a qual foi indeferida, por decisão transitada em julgado (cf. despacho de fls. 122-123).

  2. Na contestação, a ré alegou, em síntese, que: O contrato de seguro celebrado com o marido da autora é nulo, por este não ter declarado, aquando da sua subscrição, que, desde 2004, sofria de doença coronária e de outras patologias.

    Se a ré tivesse tido conhecimento da sua verdadeira situação clínica, teria recusado a cobertura do risco contratado.

    Acresce que, nos termos do contrato (clª 4.4., das condições gerais), a ré encontra-se desonerada de efetuar o pagamento das quantias reclamadas pela autora, pois o falecimento do segurado ficou a dever-se a doença anterior à data da entrada em vigor do contrato.

    Também nos termos da clª 4.2., das condições gerais, a omissão de factos ou as declarações inexatas ou incompletas fazem cessar as garantias do contrato, relativamente à pessoa segura em causa.

    Concluiu, pedindo a improcedência da ação.

  3. Na réplica, a autora alegou, em síntese, que: O falecimento do seu marido não se ficou a dever a doença preexistente.

    Além disso, aquando da assinatura do contrato de seguro de vida, nem à autora nem ao marido, foram dadas explicações sobre o conteúdo das respectivas cláusulas, nem sobre as consequências de eventual omissão ou inexatidão de elementos ali referenciados.

    Por outro lado, a autora e o marido, só receberam as Condições Gerais e Particulares do contrato de seguro depois da celebração do contrato de compra e venda, sendo que uma cópia do boletim de adesão ao seguro de vida apenas foi entregue pouco antes da propositura da presente ação.

    As cláusulas 4.2. e 4.4., das aludidas Condições Gerais devem considerar-se excluídas do contrato, por força do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.

  4. Na 1ª instância, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a ré a pagar: - “Ao “Banco CC, S.A..” a quantia de € 47.021,57, a título de capital; - Ao “Banco CC, S.A..” a quantia correspondente aos juros de mora, calculados sobre € 47.021,57, à taxa supletiva legal em vigor, de 4% ao ano, contados desde 24 de abril de 2014 até integral pagamento; - À autora, a título de indemnização, as quantias correspondentes aos pagamentos efetuados por ela, desde 28 de dezembro de 2012, no âmbito dos contratos de mútuo celebrados entre ela e DD, por um lado, e o Banco CC, S.A., por outro, até ao trânsito em julgado da sentença, bem como as quantias correspondentes às penalizações que lhe foram exigidas pela mesma Instituição Bancária, e as quantias correspondentes a todas as despesas em que tenha incorrido e venha a incorrer para se defender em Tribunal contra ações ou procedimentos movidos pelo “Banco CC, S.A.” contra si, pelo incumprimento dos contratos de mútuo referidos, acrescidas de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal em vigor, de 4% ao ano, contados desde 24 de abril de 2014 até integral pagamento, indemnização a liquidar em execução e sentença.” 6.

    Inconformada com a sentença, dela apelou a ré, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão a revogar a sentença e a absolver a ré do pedido.

  5. Irresignada com esta decisão, veio, agora, a autora, interpor recurso de revista.

    Nas suas alegações, em conclusão, disse: 1. O Acórdão recorrido não fez uma apreciação sobre a aplicação da lei no tempo e não considerou nem valorou todos os factos dados como provados, afastando inexplicavelmente a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais.

  6. O Acórdão recorrido decidiu pela aplicação exclusiva aos contratos de seguro dos presentes autos do art° 429°, do Código Comercial, com exclusão da aplicação do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), publicado pelo D.L. 78/2008.

  7. E considerou que as declarações inexatas do segurado DD, no Inquérito Médico, por si, são reveladoras e suficientes para considerar a anulabilidade do contrato de seguro.

  8. E considerou que, assim sendo, "irreleva se agiu dolosamente ou por negligência grosseira".

  9. Acontece que aos contratos de seguro em apreciação no presente processo tem aplicação o art° 188°, n° 1, do RJCS, por força das normas transitórias contidas no n° 1 do art° 2° e n° 1 do art° 3°, do DL 72/2008.

  10. Os dois contratos de seguro tiveram o seu início de vigência no dia 20/02/2006, sendo renovados anualmente por períodos de um ano e de forma automática, ou seja, renovavam-se no dia 21/02 de cada ano, seguinte a 2006.

  11. O RJCS entrou em vigor, no dia 1-1-2009, e as normas transitórias de aplicação da lei no tempo mandavam que se aplicasse aos contratos que subsistam à data da sua entrada em vigor e no que diz respeito aos contratos renováveis, aplicam-se a partir da primeira renovação após a entrada em vigor do novo regime.

  12. Assim, o RJCS começou a ser aplicado aos contratos de seguro do presente processo no dia 21/02/2009.

  13. O art° 429° do Código Comercial foi revogado pelo art° 6° do D.L. n° 7/2008.

  14. Por força da cláusula da incontestabilidade o segurador não se pode prevalecer das omissões ou inexatidões negligentes dos segurados decorridos dois anos sobre a celebração do contrato.

  15. Como esta cláusula da incontestabilidade só começou a aplicar-se aos contratos dos presentes autos em 21/02/2009, os dois anos nela previstos terminaram no dia 21/02/2011, por força do previsto nas normas transitórias e no n° 1, do art° 297°, do Código Civil.

  16. Desde 21/02/2011, que a ré seguradora não se pode prevalecer das declarações ou omissões negligentes do DD ou da autora.

  17. E tem de se concluir que os segurados, DD e autora, não cometeram dolo ou negligência grosseira aquando do preenchimento do Inquérito Médico.

  18. Porque o ónus da prova do dolo dos segurados era da ré seguradora, por força do previsto no n° 1, do art.° 342°, do CC, e essa prova não foi sequer feita nem apreciada pelo Acórdão recorrido.

  19. Além do mais, e com base nos factos provados, tem de se considerar que não houve dolo nem negligência grosseira por parte dos segurados na omissão ou inexatidão de doença.

  20. Porque não foi dado como provado que "DD tenha omitido deliberadamente da Ré a doença coronária, o ter tido até maio de 2004 pesados hábitos tabágicos, e a doença pulmonar obstrutiva crónica e apneia de sono" (art° 5° dos Factos Não Provados).

  21. E em abono da verdade, está dado como provado que os segurados "são de condição social baixa", que "todo o processo de concessão dos créditos e dos seguros associados foram conduzidos pelos Funcionários "do banco CC, que o preenchimento do Inquérito Médico foi feito por um Funcionário do Banco, que desde 2004 o DD diminuiu o consumo de tabaco e que passou a ter cuidado com a alimentação, que "acreditava estar completamente reestabelecido do episódio cardíaco que determinara a realização de um cateterismo", e que entre "2004 e Dezembro de 2005, DD não voltou a ter qualquer tipo de problema de saúde".

  22. Com estes factos provados não se pode concluir que houve dolo ou negligência grosseira dos segurados.

  23. Em consequência, é totalmente ilegal não aplicar o n° 1, do art° 188°, do RJCS, e considerar que irreleva o dolo ou a negligência grosseira.

  24. Os dois requisitos previstos na cláusula da incontestabilidade estão verificados, razão pela qual não pode a ré seguradora prevalecer-se de omissões ou inexatidões contidas no Inquérito Médico.

  25. O prazo de dois anos da cláusula de incontestabilidade é um prazo de caducidade, pelo que precludiu o direito da seguradora de pedir a anulabilidade dos contratos de seguro invocando factos contidos na declaração inicial de avaliação do risco.

  26. Acresce que, mas sem conceder, no Acórdão recorrido não foram valorados todos os factos dados como provados e, outrossim, não foram consideradas as normas constantes do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aplicáveis aos contratos de adesão.

  27. Mais se considera que se acolhem os fundamentos e a decisão proferida pela Sentença, em primeira instância, por ser uma decisão abrangente e em conformidade com o Direito.

  28. No Acórdão recorrido não foram, como deviam ter sido considerados todos os factos, em particular os factos contidos nos números 4, 9, 14, 15, 16, 17, 18, 22, 25, 26 e 32 dos...

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