Acórdão nº 579/11.1TBVCD-E.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução30 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I – Em 13.11.2013, AA deduziu, por apenso ao processo em que foi decretado o divórcio e a consequente dissolução do seu casamento com BB, pedido de atribuição de casa de morada de família, ao abrigo do disposto no artigo 990.º do Código de Processo Civil, pretendendo obter de arrendamento o imóvel que identificou, bem próprio do Requerido, mediante o pagamento de uma retribuição mensal, a título de renda, não superior a € 10,00/mês (dez euros/mês), até ao dia 8 do mês a que disser respeito.

Como fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese, que não dispõe de quaisquer rendimentos para além do montante (€178,15), que recebe mensalmente, através do rendimento social de inserção, enquanto o Requerido recebe uma pensão mensal da Segurança Social no montante de €109,59, aufere ainda, no exercício da sua atividade de ..., quantia não inferior a €1.000,00/mês, o que lhe permite procurar e arrendar outra habitação.

Frustrada a tentada conciliação, apresentou o Requerido contestação, sustentando, em resumo, que a requerente trabalha como … e … numa divisão da casa, auferindo elevados rendimentos, possui imóveis que pode utilizar, quer para residir, quer para aí desempenhar a sua atividade, enquanto o requerido é doente oncológico, não tem outro local para habitar e trabalhar, necessitando bem mais do seu imóvel que a Requerente, desse modo concluindo pela improcedência da pretensão desta e atribuição da casa ao próprio.

O processo seguiu seus trâmites, tendo sido proferida decisão «a atribuir definitivamente ao Requerido o direito a usar, utilizar e fruir, em exclusivo, a casa de morada de família, determinando-se que a requerida a desocupe no prazo de 15 dias, após o trânsito».

Inconformada, a Requerente apelou, sem êxito, tendo a Relação do …, não obstante a alteração factual operada, confirmado, por unanimidade, essa decisão (cfr. fls. 642 a 674).

Persistindo inconformada, a Requerente interpôs recurso de revista, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.º A sentença de 1ª Instância atribuiu a casa de morada de família ao recorrido. Porém, 2.° Atribuiu-a com fundamento essencialmente diferente do fundamento vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do ….

  1. A 1ª Instância atribui-a ao recorrido por a Recorrente ter uma situação patrimonial superior aquele.

  2. E não por ser dono da casa, como se fundamentou o Tribunal da Relação do …, a que acrescentou outros dois factores: o recorrido sofre de doença do foro oncológico e de um " quadro ansiodepressivo reactivo à doença oncológica e seu contexto".

  3. Nos termos do n.° 1 do art. 1793.° o factor primordial a atender para a atribuição da casa de morada de família é a necessidade de cada um dos cônjuges.

  4. O facto de ser dono do prédio onde está instalada a casa de morada de família e o facto de sofrer de doença oncológica e de um quadro ansiodepressivo, não constitui nos termos do n.° 1 do art. 1793.° factor primordial a atender para a atribuição da casa de morada de família.

  5. Está provado nos Autos que a Recorrente não tem qualquer outro imóvel, para além da casa de morada de família.

  6. Pelo que estando provada a carência económica da Recorrente, conforme determina o art. 1793º do Código Civil, deve o Tribunal dar de arrendamento à mesma a referida casa de morada de família, por ser bem próprio do Recorrido, de acordo com as regras de arrendamento para habitação, pelo prazo de um ano, sucessiva e automaticamente renovável, por iguais períodos de um ano, mediante o pagamento de uma retribuição mensal, a titulo de renda, não superior a €10,00, até ao dia 8 de cada mês a que disser respeito.

  7. O presente recurso de revista funda-se no art. 674.°, n.° 1, alínea a) do C.P.C., dado que existe violação da lei substantiva (art. 1793.° do Código Civil) que o Acórdão recorrido interpretou e aplicou erroneamente.

O Requerido contra-alegou a pugnar pela inadmissibilidade do recurso, por ocorrer dupla conforme, dado inexistir fundamentação essencialmente diferente entre as decisões das instâncias.

O recurso foi admitido na Relação (cfr. fls. 706), mas já no Supremo Tribunal de Justiça, perspectivando-se a eventualidade de não se tomar conhecimento do seu objecto, também por se tratar de processo de jurisdição voluntária, foi proferido o despacho de folhas 714 a convidar as partes a pronunciarem-se sobre tal problemática, faculdade exercida, quer pelo Requerido, quer pela Requerente, o primeiro a pugnar pela inadmissibilidade do recurso e a última, por seu turno, a pugnar pela admissibilidade e conhecimento do recurso de revista que interpôs, suscitando adicionalmente a inconstitucionalidade do art.º 988º, n.º, do Cód. Proc. Civil, por violação dos art.ºs 20 e 65º da CRP.

Na sequência, o relator proferiu a decisão que constitui folhas 738 a 744, cujo teor aqui se tem por reproduzido, na qual se entendeu não ser de conhecer do recurso, por ser o mesmo inadmissível, dado ocorrer dupla conforme e ainda a tal obstar o disposto no art.º 988º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil.

É desta decisão que vem interposta a presente reclamação para a conferência, insistindo a Recorrente que, não obstante a coincidência decisória das instâncias, o recurso de revista é admissível, devendo conhecer-se do seu objecto, sob pena de inconstitucionalidade, por violação dos art.ºs 20º e 65º da CRP.

II – Fundamentação de facto Refira-se, antes de mais, a factualidade dada como provada nas instâncias e a modificação operada pela Relação: 1 - Por decisão proferida em 14 de Outubro de 2011 foi atribuída a utilização provisória da casa de morada de família sita na Rua …, n.º 837, …, Vila do Conde, durante a pendência da acção de divórcio, a AA.

2 - Está a ser concedido à Requerente pela Segurança Social a prestação de rendimento social de inserção desde 01.02.2013, no valor mensal de €178,15.

3 - A Requerente tem actualmente 51 anos de idade.

4 - Encontra-se inscrita no centro de emprego, desde 15.11.2011, e não consegue obter emprego, dada a sua idade e a crise que o país atravessa.

5 - A partir de 30 de Junho de 1998, após ter regressado do …, onde se encontrava emigrada, a Requerente passou a residir permanentemente na casa sita na Rua …, n.º 837, …, Vila do Conde, que passou a constituir (e é actualmente) a casa de morada de família da Requerente, que a utiliza em exclusivo.

6 - Casa esta de habitação, sita no prédio urbano, composto de cave, rés-do-chão e sótão, com anexos e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 4…9, …, e inscrito no art.º 447.º da matriz urbana de …, sita na Rua …., n.º 837, …, Vila do Conde.

7 - Por escritura da partilha celebrada em 17 de Junho de 2011, os dois únicos prédios urbanos, a casa de habitação sita na Rua do …, n.º 609, …, Vila do Conde, inscrito no art.º 373.º e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o número 1…8/…, e a casa de habitação, sita no lugar do …, freguesia...

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