Acórdão nº 2772/10.5TBGMR-Q.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Março de 2017

Data07 Março 2017
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA, LDA e BB, S.A. vieram, por apenso ao processo de insolvência em que é insolvente CC, Lda, intentar acção declarativa de simples apreciação, sob a forma de processo comum, contra CC, LDA; MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE CC, LDA, e CREDORES DA SOCIEDADE CC, LDA.

Pediram que se declare: a) que a resolução do contrato (celebrado entre elas e a 1ª Ré, em 24/07/2009), efectuada em 28/05/2010, produziu os seus efeitos no dia 01/06/2010; b) que, por força desta resolução, os Réus não têm direito a receber de si quaisquer bens ou valores, podendo conservar na sua posse todos os bens objecto do contrato supra referido, e também os montantes recebidos por força do mesmo; Subsidiariamente, c) que, por força da resolução referida, os Réus apenas têm direito a receber de si o montante de € 25 000,00 (vinte e cinco mil Euros); Ainda subsidiariamente, d) que a resolução feita pela Sr. Administrador de Insolvência, por carta datada de 03 de Março de 2011, apenas confere aos Réus o direito a receberem de si o montante de € 25 000,00 (vinte e cinco mil Euros), correspondente ao valor que a 1ª Ré entregou no período de execução do contrato aqui em causa, com as legais consequências.

Contestou apenas a 2ª ré, invocando a excepção do caso julgado formado pela sentença proferida no Apenso F, que determinou a caducidade da providência cautelar que havia sido decretada.

Alegou ainda que o invocado negócio de compra e venda não corresponde à verdade, numa situação de simulação, visando proteger as Autoras dos demais credores da insolvente.

As autoras apresentaram réplica, pugnando pela improcedência das referidas excepções.

Foi proferido saneador-sentença em que se julgou verificada a excepção dilatória inominada de autoridade de caso julgado, tendo os réus sido absolvidos da instância.

Discordando desta decisão, as autoras interpuseram recurso de apelação, que a Relação, por maioria, julgou improcedente, confirmando essa decisão.

Ainda inconformadas, as autoras vêm pedir revista, apresentando as seguintes conclusões: I. Todos os documentos juntos pelas recorrentes não foram impugnados por parte da recorrida massa insolvente, quer quanto à autoria da letra ou assinaturas dos mesmos, quer quanto à exactidão das reproduções mecânicas. quer, ainda, quanto a eventuais falsidades, conforme previsto nos artºs.444º e 446º do Cód. Proc. Civil.

  1. Daí que, os factos constantes dos artºs.19º e 23º da p.i, e 51º, 52º, 71º, da réplica deveriam ter sido dados como provados por força do teor dos documentos juntos com as respectivas peças processuais e indicados nos ditos artigos.

  2. Pese embora se trate de matéria relacionada com a propriedade das máquinas, a mesma consubstancia em elemento novo na situação em apreço, na medida em que da mesma resulta que o facto de as recorrentes não terem visto a sua propriedade ser reconhecida pela via judicial não significa, por si só, que a insolvente fosse proprietária das mesmas, pois a não prova de um facto não implica a prova do seu contrário.

  3. A questão supra referida foi suscitada na Alegações de recurso apresentadas junto do Venerando Tribunal a quo o qual não se pronunciou sobre ela, violando o disposto nos arts. 374º, 376º do Código Civil, e 444º e 446º do Cód. Proc. Civil.

  4. Tratando-se de realidades jurídicas distintas, com pressupostos diferentes, para que o exercício do direito do contraditório possa ser de facto exercido, tem de ser dada oportunidade às partes de se pronunciarem, em concreto sobre as mesmas, não se podendo considerar que a pronúncia sobre uma excepção de caso julgado - mais restritiva em termos de requisitos de verificação - possa ser considerada também como uma pronúncia sobre a excepção inominada de caso julgado - mais ampla a nível de requisitos de verificação.

  5. Só se verifica a excepção dilatória de caso julgado quando existe o preenchimento da tríplice identidade a que o art. 580º do Código de Processo Civil faz referência, ou seja, identidade de sujeitos, identidade de pedido e identidade de causa de pedir.

  6. A autoridade de caso julgado é uma excepção dilatória inominada que se consubstancia como a vertente negativa do caso julgado, a qual, segundo Rodrigues Bastos, "tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa ao segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual". Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, páginas 60 e 61.

  7. A ofensa à autoridade de caso julgado, que não se confunde com a excepção dilatória de caso julgado.

  8. Ao contrário do que concluiu o Venerando Tribunal a quo as recorrentes nunca se puderam pronunciar sobre a alegada violação da autoridade do caso julgado, na medida em que tal viciação nunca foi alegada pela recorrida, nem nunca o Meritíssimo Tribunal de lª instância se pronunciou sobre a mesma antes da prolação do douto saneador-sentença.

  9. A excepção da autoridade de caso julgado não foi suscitada por qualquer das partes, ou pelo tribunal, em qualquer articulado ou acto processual, tendo a recorrida defendido apenas e só a verificação de caso julgado, invocando mesmo o facto de, no seu entender, existir uma identidade de sujeitos, causa de pedir e pedidos - cfr. arts. 4º a 6º da douta contestação.

  10. A única coisa que a Meritíssima Juiz de 1ª instância mencionou na dita Audiência relativamente à excepção do caso julgado foi de que esta não se verificava, não tendo sido feita pelo Meritíssimo Tribunal a quo qualquer menção à excepção da autoridade do caso julgado.

  11. Face ao supra exposto, parece evidente que a douta sentença de 1ª instância consubstanciou, de facto, uma verdadeira decisão surpresa pelo que, nesta parte, o Venerando Tribunal a quo violou o disposto no art. 3º nº 3 do Cód. Proc. Civil.

  12. Há quem defenda que o caso julgado material abrange apenas e só a parte dispositiva da sentença, com exclusão dos factos que a sustentam e também há quem defenda que o caso julgado material abrange todas as questões decididas expressamente na fundamentação da sentença que constituem antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.

    XIV.

    In casu, seja qual for o entendimento que se perfilhe nunca se verifica a excepção da autoridade do caso julgado.

  13. A anterior acção de reivindicação foi julgada improcedente apenas e tão só porque as aí autoras, e aqui recorrentes, não alegaram ali os factos essenciais dos quais dependeria a procedência do seu pedido, não tendo insolvente e a massa insolvente aqui recorrido nunca, em momento algum, vindo a juízo alegar, e provar, que eram proprietárias dos 34 teares aqui em causa.

  14. A falta de alegação de factos significa apenas que os mesmos não foram objecto de análise e decisão judicial, a não prova de outros não tem como consequência directa a prova do seu contrário.

  15. O facto de os teares estarem nas instalações da insolvente não faz com que se considere que a propriedade dos mesmos é pertença daquela, pois, em matéria de propriedade a mesma apenas goza de presunção, e essa é toda ela derivada da posse, que tanto pode ser exercida em nome próprio, como por intermédio de outrem - cfr. arts. 1251º e 1252º do CC.

  16. Apesar de ter sido demandada em duas acções - a de reivindicação e a actual - a aqui recorrida nunca, em momento algum, requereu o reconhecimento judicial da propriedade dos teares pelo que, actualmente, é apenas lícito à mesma dizer que era possuidora e que, por essa razão, goza da presunção da titularidade do direito de propriedade - cfr. artº.1268º do Cód. Civil.

  17. O facto de as recorrentes não terem sido consideradas proprietárias dos 34 teares não significa, por si só, que a recorrida o seja, sendo certo que teve duas oportunidades para tentar obter uma decisão judicial nesse sentido e nunca o fez.

    XIX.

    In casu, a recorrida, na pessoa do Sr. Administrador de insolvência resolveu o contrato de compra e venda com reserva de propriedade - facto dado como provado pelas duas instâncias -, o que, por si só, significa que aquele considerou que o aludido contrato era válido e eficaz, sendo, por isso, a sua resolução determinada pela verificação de um evento posterior, que foi a declaração de insolvência de uma das partes contratantes.

  18. Ambas as partes outorgantes do contrato de compra e venda com reserva de propriedade em causa nos presentes autos consideraram o mesmo válido tendo ambas, por circunstâncias supervenientes e cada uma com as suas razões, resolvido o mesmo.

  19. Por força do disposto nos artºs. 433º e 289º do Código Civil, a resolução do contrato implicaria que as máquinas seriam entregues às recorrentes e que estas teriam que devolver à recorrida o valor que a insolvente pagou na sequência da celebração do contrato, o qual, reitera-se, foi considerado válido por ambas as partes que o resolveram em momentos distintos, mas nunca o colocaram em causa, em nenhuma das duas acções judiciais, a validade do mesmo (a recorrida insinua uma alegada simulação, mas não fez nenhum pedido expresso nesse sentido).

  20. Até à presente data, não há qualquer decisão judicial que se tenha debruçado sobre os efeitos concretos da resolução do contrato de compra e venda com...

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