Acórdão nº 4485/13.7TBVLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA OLINDA GARCIA |
Data da Resolução | 20 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça Processo n.4485/13.7TBVLC.PI I- RELATÓRIO 1. AA e BB, em 31.12.2013, propuseram ação contra CC – Sucursal em Portugal, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 200.000,00, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, a título de danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em consequência da morte de DD, marido da Autora e pai do Autor, em acidente de viação causado por veículo automóvel, conduzido por EE, cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a Ré[1]. 2. A Ré contestou a ação, pugnando pela sua improcedência, nomeadamente por entender que o acidente se deveu a culpa exclusiva da vítima[2].
3- A primeira instância proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido, por entender que o acidente se deveu a culpa exclusiva do lesado.
4- Os AA apelaram dessa decisão para o Tribunal da Relação do Porto. E a Ré apresentou contra-alegações defendendo a manutenção da decisão da primeira instância.
5- O Tribunal da Relação do Porto, no acórdão agora em análise, considerou a apelação parcialmente procedente, e condenou a Ré: “A pagar aos AA aquantia global de €70.000,00 (setenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação, relativamente ao montante de €30.000,00, e quanto ao restante a contar da data da prolação deste acórdão”.
A Ré foi absolvida do pedido, de €10.000, quanto ao pagamento de danos morais sofridos pela vítima entre o momento do acidente e o dia da sua morte, por se ter entendido que tais danos não ficaram provados.
6- Contra esse acórdão foram interpostos recursos (independentes) de Revista, tanto pelos Autores como pela Ré.
6.1. Os Recorrentes-Autores (e também Recorridos), tendo dúvidas quanto a saber se lhes assistia o direito de interporem recurso de Revista (normal), requereram, à cautela, que (caso se entendesse existir dupla conforme) lhes fosse admitido o recurso de revista excecional [nos termos do art.672º, n.1, alínea c)], juntando como acórdão-fundamento o Acórdão do STJ, de 07.10.2014 (Proc. n.1599/11.1TBVLP.P1.SI).
Alegaram o seguinte quanto à questão da admissibilidade do recurso: “I- Questão prévia – dupla conforme: Somos da opinião que no presente caso não se verifica a aludida dupla conformidade.
Dizemos isso porque não há sobreposição de decisões e, a acrescer, a fundamentação entre ambas é completamente diferente (como não poderia deixar de o ser no caso).
Contudo, como parte da jurisprudência tem entendido que o apelante que é beneficiado com o acórdão da Relação relativamente à decisão da 1.ª instância - isto é que o réu que é condenado em “menos” do que na decisão da 1.ª instância ou o autor que obtém “mais” do que conseguiu na lª instância - nunca poderá interpor recurso de revista para o Supremo - porque ele também o não poderia fazer de um acórdão da Relação que tivesse mantido a - para ele menos favorável decisão da 1.ª instância, vemo-nos forçados a, à cautela, interpor recurso de revista excecional.
Caso os Venerandos Conselheiros entendam não que se verifica a aludida dupla conforme requer-se que o presente recurso seja tramitado como revista normal.
II- Da admissibilidade do recurso de revista excecional. Da oposição de julgados: O presente acórdão encontra-se em oposição com Ac. do STJ, de 07/10/2014. Proc. n. 1599/11.1TBVLG.P1.SI (cfr. Acórdão-fundamento já transitado em julgado do qual se junta cópia).
Resumidamente, tanto no Ac. em crise, como no Acórdão-fundamento, estamos perante acidente de viação em que em ambos os casos houve um atr...amento na autoestrada. Em ambos os casos é atribuída responsabilidade ao peão pelo facto de não ter sinalizado o veículo e não ter vestido o colete reflector e, por sua vez, em ambos os casos é atribuída responsabilidade ao condutor por velocidade excessiva (no nosso caso à acrescer à velocidade excessiva há condução sob o efeito de álcool enquanto que no Ac. fundamento há apenas velocidade excessiva).
No Acórdão em crise atribui-se 60% de responsabilidade à vítima e apenas 40% de responsabilizado ao condutor.
No acórdão-fundamento, e apesar da condutora não circular com álcool, entendeu-se que se deveria imputar apenas 30% da responsabilidade à vítima e 70% à condutora.
Ou seja, em situações em tudo análogas (sendo que a conduta do condutor na situação dos autos é, na nossa opinião, muito mais censurável por força do álcool) teve uma repartição de responsabilidades completamente diversa ao abrigo do art.º 570° do CC.
Por assim ser, entendemos que há clara oposição entre o Ac. em crise e o Acórdão fundamento junto. Está, por isso, preenchida a condição prevista na al. c) do n° 1 do art.º 672° do CPC.
Termos em que, se requer a Vossas Exas. a admissão do presente recurso de revista excecional, considerando, nos termos do art.º 672, n° 1, alíneas c) do C.P.C., suficientes e dignas de apreciação as razões acima invocadas.
Caso entendam que não se verifica a dupla conformidade (entendimento com o qual concordamos) requer-se que admitam o presente recurso como de revista.
No caso de se entender que há dupla conforme e que o acórdão-fundamento não preenche os requisitos prescritos na al. c) do n° 1 do art.º 672°, o que só por mera hipótese académica se admite, sempre deverá ser o presente recurso admitido como recurso subordinado ao recurso interposto pela Ré”.
Sobre o objeto do recurso os Recorrentes-Autores apresentaram as conclusões que se transcrevem: “1ª - Concordamos com os valores indemnizatórios arbitrados nos seguintes segmentos decisórios - dano patrimonial futuro, direito à vida e danos morais dos AA.
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- Discordamos com a não atribuição de indemnização a título de dano moral da própria vítima, pelo sofrimento sofrido entre o momento da lesão e a morte e, como é óbvio, com a repartição de responsabilidades (60% para a vítima e 40% para o condutor).
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- Contra factos não há argumentos - há responsabilidade da vítima no caso dos autos.
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- O marido e pai dos AA., incumpriu normas do código da estrada ao não ter sinalizado a sua viatura e não ter vestido o colete reflector e, consequentemente, colocou-se em perigo.
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- Dever-se-á, por isso, imputar uma parcela de responsabilidade à vítima e, consequentemente, existir uma redução do montante indemnizatório a atribuir aos AA.
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- Discordamos, em absoluto, com a repartição de 60% para a vítima e 40% para o condutor, efetuada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto.
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- Concordamos com a maior parte daquilo que é dito no douto Acórdão, contudo, ficamos com a sensação que a parte respeitante à repartição de culpas não "encaixa" na fundamentação aduzida.
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- A infeliz vítima não sinalizou a viatura - não accionou qualquer tipo de iluminação e não colocou o triângulo de pré-sinalização de perigo e não colocou os coletes reflectores.
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- O veículo OP encontrava-se na faixa central com os quatro piscas ligados o que alertava, por isso, os condutores para a situação de perigo em apreço.
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- O condutor atr...ante - EE - ao aproximar-se da praça das portagens, deparou-se com três veículos à sua frente sendo que só o OP se encontrava com os quatro piscas, contudo, não se tendo apercebido prosseguiu a marcha tendo acabado por atr...ar o marido e pai dos AA. e embatido no veículo BZ.
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- O condutor atr...ante conduzia, na altura, com uma taxa de alcoolemia de 0,75g/l.
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- No local onde ocorreu o embate o limite máximo de velocidade é de 60km/h.
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- Os condutores devem regular a velocidade de modo a que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes [viatura com quatro piscas], possam, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente - art. 24º, nº 1, do C. Estrada.
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- O condutor do veículo NH conduzia com uma taxa de alcoolemia de 0,75 g/l, o que, atenta as regras da experiência comum, lhe terá afectado a capacidade de percepção daquilo que se passava à sua volta, bem como a capacidade de reacção. Ou seja, de se aperceber dos peões e dos veículos parados na faixa em que seguia - sendo que, na faixa central, se encontrava um veículo com luzes avisadoras de perigo ligadas - e de reagir àquela presença.
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- A velocidade excessiva e condução sob influência do álcool fez com que o condutor do NH não se desviasse atempadamente, como fizeram outros veículos, evitando o embate. Ou, pelo menos, conseguisse reduzir as consequências do embate, do qual acabou por resultar uma morte.
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- Violou, assim, o disposto nos art.s 24º, nº 1, e 81º, nº 1 e 2, ambos do C. Estrada, o que foi a principal causa adequada do acidente.
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- Facilmente se constata que a conduta do EE (condutor do NH) é, sem margem para dúvidas, muito mais gravosa do que a que é imputada à infeliz vítima.
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- Foi a velocidade excessiva e a condução sob influência do álcool a que deu causa a que o condutor do veículo NH não se desviasse atempadamente, como fizeram dezenas de outros condutores.
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- Houve dezenas de veículos, dezenas repita-se, que avistando o veículo que se encontrava com os quatro piscas ligados, se aperceberam do que ali se passava e se desviaram.
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- Como é óbvio, o condutor do NH não logrou fazer o mesmo porque se encontrava embriagado e, tal facto, retirou-lhe a capacidade de reagir.
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- Muito provavelmente, mesmo que a infeliz vítima tivesse sinalizado a sua viatura e estivesse a usar o colete reflector, o resultado bem poderia ter sido o mesmo.
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- Apesar de entendermos ser razoável reduzir a indemnização por força da atuação menos diligente da vítima - concluindo que a sua conduta foi uma concausa do sinistro, jamais poderemos admitir que se conclua que aquela foi a principal causa do sinistro (60% de responsabilidade) - PORQUE NÃO FOI.
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- A este propósito veja-se...
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