Acórdão nº 78/15.2JALRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução30 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

RECURSO PENAL (1) Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. Por acórdão proferido no processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, nº 78/15.2JALRA, da Comarca de ..., Instância ...- Secção Criminal, em 07.12.2015, foi o arguido, AA, condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado p. p. pelos artºs 131 e 132 nº 2 al e) ambos do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.

Foi ainda condenado a pagar indemnização civil à menor BB, no montante global de €90.000.00,00, e a CC, a indemnização civil, no montante €20 243,00, acrescidas de juros de mora.

  1. Inconformado com esta decisão do tribunal de 1.ª instância, no que respeita à medida concreta da pena, dela interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.

  2. Admitido o recurso e remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, o Sr. Desembargador-relator, excecionou a incompetência daquela segunda instância para conhecer do recurso, considerando competente, para tanto, o Supremo Tribunal de Justiça.

  3. São as seguintes as conclusões do recurso interposto pelo arguido: « A - A determinação da medida da pena, foi fixada fora dos limites definidos na lei.

    B - Assim, deste modo, o Tribunal “a quo”, violou a regra base penal – “ O Critério da Escolha da Pena”, art. 70.º do C.P..

    C - Definida a moldura penal abstrata, haverá que encontrar o “quantum” concreto da pena a aplicar ao arguido, aqui na segunda e última operação supra referida, pois que o tipo de ilícito apenas a pena de prisão prevê.

    D - Na determinação desse “quantum” concreto haverá que fazer apelo às necessidades de prevenção e à culpa do arguido, na sequência do comando contido no artigo 71º, nº 2 do Código Penal.

    E - É afirmação habitual da doutrina, com seguimento jurisprudencial, - V. g., dos mais recentes, os Acs. do STJ de 24-01-2007 (06P4345), de 25-10-2006 (06P2938) e de 21-03-2007 (07P790), que a prevenção geral positiva ou de integração, com o intuito de tutela dos bens jurídicos é a finalidade primeira da aplicação de uma pena, não fazendo esquecer a prevenção especial ou de socialização, a reintegração do agente na sociedade - art. 40.º, n.º 1, do CP.

    F - Funcionando em “ambivalência” com as necessidades de prevenção, a culpa, a vertente pessoal do crime, o cunho da personalidade do agente tal como vertida no facto, funciona como um limite às exigências de prevenção geral.

    G - Assim, o limite máximo da pena fixar-se-á, em função da dignidade humana do condenado, pela medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham, enquanto o seu limite mínimo é delimitado pelo “quantum” da pena que em concreto ainda realize eficazmente aquela proteção dos bens jurídicos.

    H - Apuremos, então, quais os elementos de facto determinantes para a determinação da pena concreta, nos termos do artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

    I - Desde logo se deve levar em conta a elevada ilicitude dos factos e a necessidade de tutela efetiva dos bens jurídicos protegidos que, aqui, se limitam aos patrimónios.

    J - Haverá que relembrar que o Recorrente agiu com dolo direto e que a sua culpa é intensa.

    L - O mesmo não ocorre com a necessidade de prevenção de futuros crimes, já que as circunstâncias da prática dos mesmos exigem maior rigor e severidade, dada a atuação em grupo. É prática que, por imposição de defesa da sociedade, se impõe reprovar seriamente.

    M - São, pois, circunstâncias atinentes ao facto, sua forma de execução e à personalidade do agente, que determinarão que a pena proposta cumpra a “função contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada”, na terminologia de Jakobs.

    N - Entende-se, pois, que se enquadra na culpa do Recorrente a pena de 12 (doze) anos de prisão, porque os factos o justificam face ao critério legal permissivo da suspensão, designadamente a “prognose social favorável” pelas razões já apontadas. ».

    Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, por provado e, em consequência, o arguido condenado na pena de 12 (doze) anos de prisão.

  4. O Exmº Senhor Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal, emitiu parecer, concluindo nos seguintes termos: «O recorrente foi condenado em 1.ª instância, como vimos, pela prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal por o tribunal ter entendido que o ato homicida tinha sido determinado por um motivo fútil.

    Não obstante o arguido não ter impugnado expressamente a qualificação jurídica da conduta, não pode este Supremo Tribunal, como é, de resto, jurisprudência pacífica, deixar de conhecer previamente da questão da subsunção jurídico-penal da conduta. Uma outra conceção implicaria que este tribunal tivesse de incorporar na sua decisão, em prejuízo do recorrente, um elemento desconforme com o ordenamento jurídico-penal [cfr., na doutrina, ROXIN, Claus, in “Derecho Procesal Penal”, tradução da 25.ª edição alemã, Editores del Puerto, Buenos Aires, 2000, pág. 451].

    Ora, sobre tal questão, estamos em crer que não existe fundamento bastante para qualificar o crime de homicídio pelo qual o arguido foi condenado. Não se pode ignorar, de forma alguma, que, antes da prática dos factos, o arguido foi vítima de um crime de roubo perpetrado pela própria vítima com recurso a uma arma. O homicídio subsequente, não deixando de ser, como qualquer outro, altamente censurável, não reveste uma censurabilidade que extravase o que é comum a este tipo de crime, não existindo também especial perversidade. A circunstância de o arguido ter desferido um sem número de facadas apenas é um reflexo, a nosso ver, da perturbação causada ao recorrente pelo comportamento da falecida. A faca, sendo um instrumento perigoso, não é particularmente perigoso quando em causa está a prática de um homicídio.

    O crime cometido pelo arguido deverá portanto, em nosso juízo, ser punível com a pena prevista no artigo 131.º, ou seja, com pena de prisão entre os 8 e os 16 anos.

    Como fatores de graduação da pena concreta há, a nosso ver, que considerar a utilização da faca, a natureza erma do local, a perturbação do arguido e a ausência de antecedentes criminais.

    Tudo isto, pois, fatores que aconselham a fixação da pena que, mesmo situada já na metade superior da moldura penal aplicável, esteja próxima do seu limiar médio.

    TERMOS EM QUE, sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos e, assim, com base em fundamento distinto do apontado pelo recorrente, se emite parecer no sentido de que, na parcial procedência do recurso, será de equacionar a alteração da qualificação jurídica dos factos provados, condenando o arguido, como autor de um crime de homicídio simples, da previsão do art. 131.º do Código Penal, em pena que propomos próxima dos 13 anos de prisão; confirmando quanto ao mais, até porque não impugnado, o veredicto condenatório proferido, da 1.ª Instância.».

    6. Notificado o arguido nos termos e para os efeitos do disposto no art. 417º, nº2 do CPP, o mesmo nada veio dizer. 7. Colhidos os vistos em simultâneo e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.

  5. Considerando-se , em sede de conferência, que “a materialidade provada integra os elementos constitutivos do crime de homicídio qualificado p. p. no art. 132º, nº1 do CP, na medida em que a forma como o tipo legal de crime imputado foi infligido revela especial censurabilidade”, determinou-se a notificação do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no art. 424º, nº3 do CPP.

  6. Na sua resposta, o arguido veio defender que a materialidade provada integra apenas e tão só os elementos constitutivos do crime de homicídio simples, p. e p. pelo art. 132º do C.P., não revelando especial censurabilidade.

    *** II. FUNDAMENTAÇÃO A. Fundamentação de facto.

    A 1ª instância deu como provada e não provada a seguinte matéria de facto: 1. Factos provados : «1).- No dia 1 de Março de 2015, AA contactou com DD, tendo ambos acordado em manter relações sexuais no interior do veículo conduzido por aquele, de matrícula ...-QD, mediante a entrega por parte do arguido a DD da quantia de 20 euros.

    2).- O que aconteceu na Rua ..., na zona do Estádio Municipal da ....

    3).- Cerca das 2h30, após a ocorrência de contactos sexuais DD pediu mais dinheiro a Paulo Pinto, ao que este respondeu que não tinha.

    4).- Perante esta resposta iniciaram uma discussão.

    5).- Na sequência da qual DD empunhou uma navalha, com a qual fez um corte no pulso direito do arguido.

    6).- O arguido mostrou-lhe a carteira que continha documentos pessoais e 80 € em notas do BCE das quais ela se apropriou, assim como a chave do carro e saiu do veículo.

    7).- AA seguiu atrás dela.

    8).- Vindo a alcançá-la a cerca de 3,5 metros do local onde se encontrava estacionado o veículo.

    9).- Nesse local, e com a DD caída no chão, o arguido retirou-lhe a navalha da mão e, com ela, desferiu-lhe vários golpes no corpo que a atingiram: - por duzentas e cinquenta e seis vezes na cabeça e na face, das quais 12 na região peri-orbitária direita, oito na região peri-orbitária esquerda e bilateralmente: 19 na região nasal, 16 na região oral e peri-oral; 90 nas regiões zigomática malar e mandibular, 25 dos pavilhões auriculares; na cabeça por 39 vezes na região frontal, 25 nas regiões parieto-occipital e 22 nas regiões temporais - por vinte e sete vezes no pescoço, 8 das quais se estenderam para além da superfície cutânea, com atingimento dos planos profundos, ao nível da veia jugular esquerda e na artéria carótida interna direita - por trinta e seis vezes na mão direita, com atingimento nas faces dorsal e palmar; - por dezoito vezes na mão esquerda, com atingimento nas faces dorsal e palmar 10).- Os cortes desferidos pelo arguido no pescoço de DD provocaram a laceração da artéria carótida interna direita, bem como lesão incisa da veia jugular esquerda e ainda lesões...

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