Acórdão nº 3446/14.3TBSXL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução14 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório AA, divorciado, militar na reserva, residente na Av. ..., intentou em 5 de Agosto de 2014 ação declarativa de condenação contra BB, solteiro, repositor, residente na Av. … (casa dos pais), pedindo:

  1. Que o Réu seja proibido de permanecer em local público ou privado a uma distância de 500 m do Autor e do seu filho e dos seus bens, inclusivamente de ficar ou permanecer na casa onde os seus pais CC e DD habitam, dada a proximidade com a casa do Autor.

  2. Que o Réu seja proibido de se aproximar do Autor e de seu filho, seja em lugar de convívio, café ou via pública a uma distância de 500 m, sob pena de pagar ao Autor uma indemnização igual ou superior a 5.000.00 Euros.

  3. Em caso de não cumprimento das medidas acima referidas ser o Réu condenado no crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º do Código Penal.

  4. Que o Réu seja condenado a pagar todos os danos causados no imóvel, propriedade do Autor, que virão a ser contabilizados em liquidação de sentença.

  5. Que o Réu seja condenado numa indemnização a título de danos morais num valor não inferior a 2.500.00 Euros.

    Para tal alega, em síntese: 1- O Autor é proprietário do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n° 0068 da freguesia de ..., lote 01.

    2- No referido prédio, existem várias casas térreas, sendo o Autor proprietário de todas as casas, conforme consta do doc. 2, - Prédio U-005, Prédio U-004, Prédio U-003, Prédio U-001, Prédio U-0005, Prédio U-002.

    3- O Autor vive atualmente no prédio U-003, Vivenda ....

    4- O Prédio n° 6 - U-002 (casa 2) é propriedade do Autor e encontra-se arrendado aos pais do Réu CC e DD, que moram na vivenda n° 2, do referido lote 01.

    5- O Réu sempre viveu com os seus pais até à maioridade, tendo-se ausentado da casa dos seus pais durante 3 anos.

    6- No dia 8 de Fevereiro de 2014, pelas 14 horas, à porta da casa dos seus pais que são arrendatários do Autor, o Réu começou a ameaçar o Autor, proferindo a seguinte frase: «que a Polícia o ia buscar, eu tenho uma moradia de dois milhões de Euros na ... e estou aqui fechado neste quintal».

    7- O Autor sabendo que o Réu é pessoa conflituosa e tinha já internamentos por problemas psicológicos não respondeu e abandonou o local.

    8- Quando chegou, no mesmo dia, a casa, por volta das 21 horas, constatou que tinha os vidros partidos da janela do seu quarto, bem como a persiana e os vidros da janela do quarto do seu filho, estando também a parede esburacada em consequência de ter sido atingida por dois projéteis.

    9- O Autor, perante tais factos, foi perguntar o que se tinha passado, e encontrou outro arrendatário EE, que habita na casa 4, a quem perguntou se sabia o que se tinha passado.

    10- Este indivíduo relatou ao Autor que tinha ouvido tiros e tendo avistado o CC, perguntou-lhe o que se passava, ao que o mesmo respondeu "qual é o problema, estava a experimentar a caçadeira".

    11- O Autor teve conhecimento que posteriormente lhe foram apreendidas armas, porque o pai do Réu BB era caçador e até o Réu tinha licença para uso e porte de armas de caça.

    12- O Autor posteriormente contactou com a GNR que elaborou o Auto, tendo o Réu nesse dia desaparecido do local com a família só tendo sido localizado e identificado no dia seguinte.

    13- O Réu após ter efetuado os disparos contra o quarto do filho do Autor, foi entregar a arma a um amigo, FF, que é Militar da GNR.

    14- Este, mais tarde, entregou a referida arma junto das autoridades, afirmando que desconhecia os factos praticados pelo Réu CC, tendo de imediato entregue a referida arma no posto da GNR.

    15- O Réu assumiu ter efetuado os disparos contra a residência do Autor em conversa com o seu vizinho EE, confirmando que estava a "testar a arma".

    16- A arma utilizada pelo Réu encontra-se apreendida e está a correr um processo neste Tribunal pelos factos praticados pelo Arguido.

    17- Até ao momento o Autor não reparou a persiana, nem a janela, nem a parede onde são visíveis as marcas das balas.

    18- O Autor é divorciado e tem um filho, GG, com 11 anos, que passa com o mesmo fins-de-semana e outros dias de semana, assim como férias e feriados e dias de aniversário, conforme fixado em Acordo do Exercício do Poder Paternal, que correu termos no processo 178 de 2006 na Conservatória do Registo Civil do ... e já transitada em Julgado em 08/11/2006 (Doc. 4) 19- Após a ocorrência destes factos, o menor recusa-se a ficar em casa do pai, não podendo este omitir a situação e temendo não só pela sua vida como pela vida do seu filho.

    20- Estes factos obrigam o Autor a ir ao ..., desde Fevereiro de 2014, para estar com o menor, onde este reside com a mãe, não podendo passar os fins-de-semana e férias com o menor na sua casa.

    21- O Réu continua a viver em casa dos pais e continua a ter uma atitude ameaçadora com o Autor.

    22- O Autor teme pela sua vida, pela do seu filho e até pelos demais inquilinos que vivem no lote 01.

    23- O Réu tem problemas psiquiátricos graves e já esteve internado devido a tais problemas, tendo já sido internado no Hospital Garcia de Orta na especialidade de psiquiatria.

    24- O Réu já esteve internado no ano de 2006, no Hospital Miguel Bombarda e posteriormente no Hospital Garcia de Orta em Almada, no entanto, o mesmo não toma medicação, o que o torna mais perigoso, não só para o Autor e sua família, como para a comunidade em geral.

    25- Perante os factos praticados pelo Réu, a sua mãe DD pediu o internamento compulsivo no Processo n° 45/14.3GBSXL-1ª Secção, que corre termos neste Tribunal, o que até agora não aconteceu.

    26- O Réu, para agravar a sua situação clínica, não toma a medicação e ingere álcool, o que o torna mais perigoso e imprevisível, o que constitui um perigo para a comunidade.

    27- O Réu sofre de esquizofrenia com comportamento delirante e paranóide, abusando do consumo do álcool.

    28- O Réu abandonou o centro de dia onde estava a ser acompanhado, tendo a própria mãe DD assumido que o filho não toma medicação.

    29- Está a correr processo contra o Réu na 1ª Secção do MP sob o n° 45/14.3GBSXL- 1ª Secção.

    30- No entanto, o Autor teme que a delonga de tal processo, acarrete um perigo não só para si e para a sua família, mas também para todos os que vivem no lote 01, que temem pela sua integridade física, devido à personalidade do Réu.

    31- O Autor está inibido de poder ficar com o seu filho em segurança em sua casa e de poder usufruir dos seus direitos como pai.

    32- A proximidade entre a casa do Autor e a casa que os pais do Réu habitam é "porta com porta".

    33- Não obstante, a mãe do Réu requerer o internamento compulsivo do seu filho, certo é que o mesmo permanece em casa dos pais onde toma as refeições e dorme, entrando e saindo do lote 01, sem quaisquer restrições.

    34- As autoridades policiais, embora tenham feito as diligências devidas, não podem dar segurança ao Autor diariamente, nem ao seu filho, nem aos demais vizinhos que habitam perto de casa onde os pais do Réu habitam.

    Dos danos morais 35- O Autor vive em ansiedade e depressão, desde que tais factos ocorreram, agravadas pelas circunstâncias de não estar com o filho como fazia anteriormente.

    36- O filho do Autor tinha vontade e adorava estar na casa do pai, no seu quarto, com os seus brinquedos e livros e estar com a sua avó paterna, não o podendo fazer após a ocorrência de tais factos.

    37- O Autor teme pela sua vida e pela do seu filho e da sua mãe, pessoa de idade e que também vive nas proximidades, bem como de todas os que vivem no lote 01.

    38- O Autor em virtude do comportamento do Réu que disparou contra o quarto do filho é obrigado a deslocar-se ao ... para estar com o menor.

    39- O artigo 70° do Código Civil consagra que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça à sua personalidade física e moral.

    40- Os artigos 25.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa consagram o direito à integridade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade.

    41- O artigo 27.º n° 1, da Constituição da Republica Portuguesa, consagra o direito à segurança.

    O Réu regularmente citado na sua pessoa, por carta registada com a/r, que assinou, veio, com apoio judiciário, contestar a ação.

    Como questão prévia suscita o Réu a pretensão dos presentes autos aguardarem o desfecho de uma alegada ação de interdição que corre contra o Réu sob o nº 45/14.3GBSXL. Este pedido foi indeferido, por não se tratar de uma ação de interdição mas sim de um processo-crime pelo mesmo episódio onde o aqui Réu é acusado pela prática de um crime de dano com arma de fogo.

    O réu arguiu uma exceção dilatória que foi indeferida por decisão de 3-2-2015 com a refª 330453628.

    Aceita o que se alega nos artigos 1 a 4 da p.i., e impugna a factologia dos demais. Explica assim os acontecimentos: Quanto ao alegado em 6 da p.i., na realidade, o Autor questionou o aqui Réu sobre quando o mesmo deixaria o quintal e a casa arrendada pelos pais. O Réu limitou-‑se a responder de forma civilizada, não dando azo a mais conversa com o Autor.

    Quanto ao alegado em 8 da p.i., o Réu admite como parcialmente verdadeira a alegação. Explica ser proprietário de uma arma de caça, estando munido da respetiva licença de uso e porte e da apólice de seguro nº 0000000835, da SEGURO HH, que cobre a responsabilidade civil de caçador e o uso e porte ou detenção de arma de caça (doc. n.º 1). No dia 8 de Fevereiro de 2014, o Réu encontrava-se no quintal da casa dos seus pais a proceder à limpeza e manutenção da sua arma. Quando acidentalmente atingiu a tiro a persiana e os vidros de uma das janelas da casa do Autor. O Réu tem consciência que o acidente em questão provocou danos materiais na janela atingida. Razão pela qual se dirigiu à sua seguradora a fim de acionar o seguro de responsabilidade civil da arma de caça em questão. A seguradora requereu que o Autor entregasse um orçamento relativamente às reparações necessárias. O Autor já procedeu à entrega do documento solicitado, estando neste momento a aguardar uma resposta por parte da sua...

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