Acórdão nº 125/15.8PHSNT. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2016
Magistrado Responsável | ARMINDO MONTEIRO |
Data da Resolução | 23 de Junho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: Rec.º n.º NUIPC 125/15.8PHSNT. S1 Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo no TRIBUNAL DA ... SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA ...., COMARCA DE ..., foram submetidas a julgamento: AA, e BB, vindo, a final, a: A) ABSOLVER a arguida BB da prática do crime de maus tratos, p. e p. pelo disposto no artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a) do Código Penal, de que vinha acusada; B) ABSOLVER a arguida AA da prática do crime de maus tratos agravado, p. e p. pelo disposto no artigo 152.º-A, n.ºs 1, alínea a) e 2, alínea a), ambos do Código Penal, de que vinha acusada; C) CONDENAR a arguida AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 144.º, n.º 1, al. a), 145.º, n.ºs 1, al. b) e 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, als. c) e j), todos do Código Penal, por relação de subsidiariedade com o crime de violência doméstica, nos termos do artigo 152.º, n.ºs 1, al. d) e 2 do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; D) CONDENAR a arguida AA a pagar ao ofendido CC a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), nos termos do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal; * A arguida AA, inconformada com o decidido interpôs recurso para o STJ, apresentando as seguintes conclusões: Aos factos provados seria de aplicar o tipo legal de crime previsto e punido no artigo 152° do Código Penal - Violência Doméstica. E afirmámo-lo na medida em que, é por via deste desta qualificação, e não de outra (independentemente da relação de subsidiariedade existente) que o quadro da ilicitude adquire verdadeiro sentido tipológico, no âmbito da "micro violência continuada" em que se estriba os diversos crimes parcelares que o mencionado ilícito absorve.
Donde, e retomando a nossa linha raciocínio argumentativa, o que esta em causa, no crime de violência doméstica, a protecção da pessoa individual, da sua dignidade humana.
Trata-se, claro está, de crime específico e que pressupõe uma determinada relação entre os sujeitos activo e passivo. Deste modo, e reportando-nos ao caso em preço, o tipo objectivo de ilícito preenche-se com a acção de infligir maus-tratos físicos e que, a bem da verdade se traduziram em ofensas á integridade físicas graves.
Todos os episódios e actos praticados dolosamente pela arguida contra o menor CC e que consistiram em lhe infligir maus-tratos físicos, e psicológicos, rebaixavam quem fosse vítima deles, ofendendo a dignidade de qualquer pessoa, como sucedeu neste caso, integrando e preenchendo o crime de violência doméstica, e por ele devia a arguida ser punida.
Não estão verificados as circunstâncias, em que a pena aplicável ao crime de violência doméstica, deva ceder, por força da relação de subsidiariedade, relativamente ao crime de ofensa à integridade física qualificada.
Da Dosimetria da pena: Sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa, a função primordial e porque não dize-lo essencial da pena, consiste na necessária tutela de bens jurídicos. A tutela de bens jurídicos tem subjacente a ideia de que a pena deve ser utilizada para dissuadir a prática de crimes pelos outros cidadãos, enraizando a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos, por parte dos cidadãos (Cfr. neste sentido e por todos Ac. do S.T.J. de 2000.11.30, proc. N.º 2451/200 5.° SATSTJ n.º45, pág. 89.).
Depois, a medida concreta da pena, segundo o disposto no art. 71º C. Penal, determina-se em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção. Para graduar concretamente a pena há que respeitar o critério fornecido pelo n° 2 deste artº, 71°, ou seja, atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime deponham a favor do agente ou contra ele.
E em função do que acima se expôs, e no que concerne ao crime pelo qual a arguida AA foi condenada, a saber, um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 144° nº l alínea a), 145° nº1 alínea b) e nº 2, com referência ao artigo 132° nº 2 alínea c) e j), todos do Código Penal, na pena de 6 anos e 6 meses, defendemos que a mesma é desproporcional, face por um lado as necessidades de prevenção geral e tutela de bens jurídicos e as necessidades prementes que em sede de prevenção especial, o caso reclama.
Alem do mais, a mesma não considerou devidamente as demais circunstâncias susceptíveis de influir positivamente na pena que lhe foi aplicada.
Designadamente, as condições pessoais e sociais da arguida, tal qual foram aferidas através de relatório social junto aos autos de fls. 515 a 520, mormente ao nível da avaliação da personalidade e conduta da arguida. Por tudo o que acima se expôs, entendemos que outra pena mais benévola será de aplicar à arguida AA, ora recorrente, e concomitantemente mais consentânea com a justiça que este caso reclama, atentas as necessidades de prevenção geral e os cuidados de prevenção especial.
O Exm.º Procurador da República em 1.º instância defende o acerto do decidido e, neste STJ, a Exm.º Procuradora Geral Adjunta, aderiu, de pleno, ao parecer daquele Magistrado.
Colhidos os legais vistos, cumpre decidir, considerando provados os seguintes factos: 1) CC, é filho de ...e de ..., nascido a ...2008.
2) Em ... 2013,CC foi residir com o pai e com a sua companheira AA, ora arguida, ao abrigo de medida judicial de promoção e protecção de apoio aplicada por acordo no âmbito do processo n.º 5614/07.5TCLRS-A, que corre termos na Instância de Família e Menores deste Tribunal.
3) Cerca de três meses depois, por causa de DD ter iniciado o cumprimento de pena de prisão, o menor ficou apenas aos cuidados da arguida AA, sendo que, em 17/07/2014, no âmbito do referido processo de promoção e protecção, foi obtido acordo para alteração da medida para medida de promoção e protecção de confiança à mesma, que o subscreveu.
4) O menor residia com a arguida na ....
5) Em 25 de Novembro de 2014, o menor CC foi transferido da escola do ....
6) Desde que frequenta a escola .., o menor CC frequentemente aparece na escola com lesões físicas, concretamente um corte junto ao olho esquerdo, altos na cabeça, lesões no braço direito e feridas no corpo, e quando confrontado refere que as lesões são devidas a quedas.
7) Durante o último ano de 2014 em que o CC se encontra aos cuidados da arguida AA, esta, um número indeterminado de vezes, no interior da residência indicada, em datas e circunstâncias não concretamente apuradas, desferiu no corpo do menor várias pancadas, designadamente com fios eléctricos, cintos e objectos de madeira, e, numa das situações, apôs-lhe um ferro de engomar quente na mediana das costas do lado direito, provocando-lhe diversas lesões.
8) A arguida AA, em data não concretamente apurada, mas compreendida entre o final do mês de Janeiro e 4 de Fevereiro de 2015, dirigiu-se ao CC e com um garfo que previamente aqueceu no fogão, queimou-lhe a região glútea, tendo-lhe provocado na zona dos quadrantes internos, duas queimaduras, uma na região glútea esquerda com 5x4cm e outra na região glútea direita com 4x3cm, ambas de maior eixo oblíquo inferomedialmente.
9) A arguida AA, em data não concretamente apurada, mas situada nos primeiros dias do mês de Fevereiro, anterior ao dia 6 de Fevereiro de 2015, desferiu várias chicotadas ao CC, com um objecto de características não concretamente apuradas, atingindo-o designadamente na zona da cabeça e rosto.
10) Em 6/02/2015, pelas 10h00, o CC foi assistido no Hospital ..., tendo sido acolhido institucionalmente, situação em que ainda se encontra.
11) Com a actuação acima descrita a arguida AA causou ao menor Duarte as lesões descritas e examinadas a fls. 345 a 351, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente: - Na zona da cabeça: Cicatriz avermelhada situada na região infraorbitária esquerda, linear, hipertrófica, oblíqua inferomedialmente com 2 cm de comprimento por 0,3 cm; - Na zona do pescoço: • Cicatriz linear, ligeiramente hipopigmentada, oblíqua inferolateralmente, situada sobre a articulação esternoclavicular direita, com 1 cm de comprimento; • Cicatriz ténue situada na face posterior direita do pescoço, linear, branca, arciforme, côncava para a direita com 4 cm; - Na zona do tronco (regiões posteriores): Múltiplas cicatrizes, planas, algumas nacaradas, sendo a maioria hiperpigmentadas, acastanhadas, dispersas por toda a região dorsal, incluindo regiões supra-escapulares e escapulares, e região lombar, punctiformes, ovaladas ou lineares. As lineares apresentam direcções variadas, umas com 4 cm de comprimento, e as maiores delas: • uma linear, situada na região escapular direita, horizontal, com 6 cm de comprimento; • uma linear, situada na região dorsal direita, infraescapular, oblíqua inferolateralmente, com 8 cm de comprimento; • uma linear, situada na região dorso-lombar direita, vertical, com 5 cm de comprimento; • uma linear, situada na região lombar mediana, horizontal com 4 cm de comprimento; • uma linear, situada na região lombar esquerda, obliqua inferomedialmente com 6 cm de comprimento.
Apresenta ainda algumas cicatrizes ovaladas de bordos irregulares, dispersas, a maior delas na face lateral esquerda do tronco, que mede 3 cm de comprimento vertical por 1 cm de maior largura; - No membro superior esquerdo: • Na face anterior do ombro esquerdo, quatro cicatrizes acastanhadas, lineares com 1 cm de comprimento cada uma delas, planas, hiperpigmentadas, a maioria delas oblíquas inferomedialmente; • Múltiplas cicatrizes hiperpigmentadas de bordos irregulares, acastanhadas, situadas na face lateral dos terços proximal e médio do braço esquerdo, dispersas numa área de cerca de 8x3cm de maior eixo vertical, a maioria delas ovaladas, a menor delas com 1x0,5cm e a menor com 0,5x0,3cm, e uma outra 2,5x0,5cm de maior eixo vertical; • No terço distal da face externa...
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