Acórdão nº 204/13.6YUSTR.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução07 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

“AA.” foi condenada pela Autoridade da Concorrência, pela prática de uma contra-ordenação, prevista e punível pelos artigos 6.º, 4.º, n.º 1, alíneas c) e e), 42.º, 43.º, n.º 1, alínea a), 44.º e 45.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, e pelo artigo 102.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, numa coima no valor de € 3.730.000,00 e na sanção acessória de publicação de um extracto da decisão condenatória na II Série do Diário da República e num jornal de expansão nacional.

2.

A arguida impugnou judicialmente essa decisão.

3.

O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, por sentença de 4 de Junho de 2014, julgou parcialmente procedente a impugnação judicial tendo condenado a arguida, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punível pelos artigos 6.º, n.

os 1 e 3, alínea a), 4.º, n.º 1, alínea e), e 43.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, numa coima no valor de € 2. 700.000,00.

4.

Sendo interposto recurso para a relação, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 11 de Março de 2015, decidiu: «a) Indeferir a reclamação apresentada pela arguida do despacho proferido pelo relator no dia 6 de Fevereiro de 2015.

«b) Condenar a arguida no pagamento de taxa de justiça de 2 (duas) UC.

«c) Julgar improcedente o recurso interposto pela arguida “AA.” da sentença proferida na 1.ª instância.

«d) Recusar a aplicação da norma que se extrai do artigo 69.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio, que estabelece o limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação prevista nos artigos 11.º e 68.º, n.º 1, desse mesmo diploma.

e) Condenar a recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) UC.

5.

Veio, então, a arguida, invocando o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil [CPC], interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça desse acórdão da relação, no segmento que indeferiu a reclamação por ela apresentada do despacho do relator de 6 de Fevereiro de 2015 em que este “considerou que a sentença da 1.ª instância, na versão que foi considerada confidencial é pública, ficando o acesso à mesma sujeito ao regime previsto no Código de Processo Penal, e ainda que, sem prejuízo de ulterior e eventual ponderação caso a caso, os documentos que até ao momento foram sujeitos ao regime da confidencialidade se mantenham excluídos do regime da publicidade”.

6.

O mesmo não foi admitido, por despacho do relator, de 15 de Maio de 2015, com fundamento no regime estabelecido no artigo 75.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, e por não haver qualquer fundamento para aplicar ao processo penal o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, destacando-se que o n.º 1 desse artigo do CPC limita os recursos interpostos em processo civil ao valor da causa e da sucumbência, limites que não existem no processo penal, sendo neste contexto que se torna necessário o n.º 2 do referido preceito, que estabelece excepções a essa regra, excepções que, por isso mesmo, não fazem sentido no processo penal, não havendo, assim, fundamento para aplicar o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 629.º do CPC ao processo penal.

7.

A arguida reclamou desse despacho ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal [CPP].

Alegando, em suma, que não procede o fundamento invocado no despacho reclamado, que é juridicamente inaceitável que a decisão inovatória que contraria decisões já transitadas em julgado não possa ser objecto de recurso e, ainda, que não se encontra assegurado o duplo grau de jurisdição sobre a parte do acórdão objecto de recurso.

8.

Foi proferido despacho a manter o despacho reclamado.

Sem prejuízo de a arguida não ter indicado o despacho transitado em julgado que considera ter sido violado pelo Tribunal da Relação, salienta-se, de novo, que interpôs recurso invocando o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, para se assinalar que não existe qualquer lacuna no processo contra-ordenacional que devesse ser integrada com recurso ao disposto na referida disposição, podendo, no entanto, sustentar-se que, no processo penal, nos casos em que a pena aplicada não tenha ultrapassado o limite estabelecido para permitir a interposição de recurso para o STJ, este possa ser admissível com fundamento em caso julgado, sendo a situação, contudo diferente no âmbito do processo contra-ordenacional, tendo em conta o disposto no artigo 75.º Regime Geral das Contra-ordenações.

9.

A reclamação obteve deferimento.

Sendo a seguinte a respectiva fundamentação: «1 - O Acórdão em causa foi proferido em processo de contra-ordenação.

«E, como resulta dos artigos 73.º, n.º 1, e 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, em processo de contra-ordenação a Relação conhece apenas da matéria de direito, não cabendo recurso dos respectivos acórdãos.

«Com efeito, a competência para a impugnação judicial das decisões das autoridades administrativas, salvo excepções que não importa aqui considerar, pertence exclusivamente aos tribunais de 1.ª instância, que decidem definitivamente, se não se verificarem as situações previstas no artigo 73.º, n.º 1, alíneas a), b), c), d), e e), 2 e 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações, em que é admissível recurso para a Relação. «Mas, nos termos do artigo 75.º n.º 1, como acima se disse, do Acórdão da Relação não cabe recurso, o que implica a respectiva definitividade.

«E sendo definitiva, é nessa instância que terão de ser decididas todas as questões; por isso, em nenhuma circunstância seria admissível recurso ordinário para o STJ.

«2 - Porém, no requerimento de interposição de recurso, e respectivas alegações, a reclamante invoca que um dos objectos do recurso é a violação do caso julgado (artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC).

«Vem alegado que o segmento do Acórdão do Tribunal da Relação posto em crise, ofende vários despachos proferidos nestes autos, transitados em julgado, por não impugnados (cf., alíneas a) b) c) e d) das conclusões do recurso). «3 - Tem sido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que a violação do caso julgado (formal ou material), como fundamento do recurso, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a,) do NCPC, é compatível com a disciplina e o regime do processo penal, sendo-lhe aplicável nos termos do artigo 4.º do CPP.

«Com efeito, constitui um motivo excepcional de admissibilidade de recurso fora de todos os pressupostos típicos e comuns de recorribilidade; com esta natureza, constitui solução que responde a um princípio geral – respeito pelo caso julgado.

«4 - No caso em apreço, estamos perante um processo contra-ordenacional.

«As contra-ordenações, como ilícitos de mera ordenação social, são fortemente influenciadas pelas normas adjectivas e substantivas penais.

«Aliás, têm na sua génese as antigamente nominadas transgressões que mais não eram de que ilícitos penais menores.

«Daí que, o legislador no Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social tenha, nos aspectos substantivos, apelado para a aplicação subsidiária do direito penal, e, nos aspectos adjectivos, do processo penal como, respectivamente, resulta dos artigos 32.º e 41.º do RGIMOS.

«Assim sendo, poderá proceder-se à aplicação subsidiária em segundo grau do Código de Processo Civil, sob pena de se deparar com uma lacuna insuprível.

«Como acima se disse, a violação do caso julgado garante sempre a recorribilidade das decisões, assim excepcionando qualquer regra de inadmissibilidade de recurso.

«Ademais o artigo 678.º (artigo 629.º do actual CPC) vêm sendo unanimemente considerados como excepcionando toda e...

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