Acórdão nº 52336/13.4YIPRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Em processo de injunção, posteriormente convertido em acção declarativa ordinária, AA - Vigilância e Prevenção Electrónica, Lda. pediu a condenação de BB – Obras Hidráulicas do Alqueva – Ace no pagamento de € 33.504,18 (€ 29.082,12 de capital e € 4.422,06 de juros vencidos, calculados segundo a taxa comercial, € 153,00 de taxa de justiça paga). Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado com a ré um contrato de prestação de serviços de vigilância, que efectivamente prestou; mas que não lhe foram pagas facturas emitidas e aceites no montante de € 29.082,12, não obstante a correspondente interpelação.

A ré opôs-se e deduziu pedido reconvencional, invocando a compensação com um crédito resultante de prejuízos sofridos por “sistemáticos e reiterados incumprimentos na prestação dos serviços de vigilância” – dois furtos de material ocorridos no estaleiro sujeito a vigilância da autora, com o valor de mercado de € 35.508,38 –, e pediu a condenação da autora no pagamento da diferença entre os créditos (€ 6.426,26), acrescida de juros de mora, contados, à taxa de juros comerciais, desde a citação até integral pagamento. Contestou ainda que devesse juros de mora, por ser exclusivamente imputável à autora a falta de pagamento dos serviços a que correspondem as facturas apresentadas.

A autora replicou. Por entre o mais, afirmou ter sempre cumprido o contrato de vigilância e negou ser responsável pelos prejuízos invocados pela ré, opondo-se à compensação e ao pedido reconvencional.

A 1ª Instância julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção. A sentença de fls. 201 considerou que a autora cumprira a prestação a que se obrigara – “serviços de vigilância estática, num estaleiro e em dois pontos de obra da mesma, nomeadamente fechando o portão do dito estaleiro, mantendo no seu interior um Vigilante, excepto quando estivesse a efectuar a ronda, com um veículo automóvel, pelos outros dois pontos de obra a vigiar, tudo fazendo no horário das 20.00 às 08.00 horas (factos enunciados sob os números 01, 02, 03, 04, 11, 12 e 14) (…).Dir-se-á, por isso, que a Autora se obrigou, por meio da afectação de um Vigilante e de uma viatura automóvel às instalações da Ré, a vigiá-las, efectuando uma ronda pelos três pólos das mesmas em causa, por forma a nomeadamente prevenir o cometimento de furtos no seu interior, sem que porém se tenha obrigado a evitar a efectiva ocorrência dos mesmos.

Logo, a vigilância estática a que se obrigou traduziu-se numa obrigação de meios, e não de resultado, recordando-se que, naquelas obrigações, «o devedor não se obriga à produção de qualquer resultado, obrigando-se, apenas, a realizar determinada actuação, esforço ou diligência, para que o resultado pretendido pelo credor se venha a produzir (…) Assim, não tendo sido efectuados os pagamentos pretendidos, a sentença entendeu que procedia o pedido da autora, quer quanto ao capital quer quanto aos juros.

No que respeita à reconvenção, decidiu-se na sentença: “Constituindo o alegado cumprimento defeituoso da Autora o necessário pressuposto do pedido reconvencional deduzido contra ela pela Ré, falindo a prévia demonstração daquele infundamentado inadimplemento, declara-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo dito pedido reconvencional (nomeadamente, a verificação de prejuízos da Ré, que a Autora devesse indemnizar, a compensação de créditos pretendida, ou a medida de eventual remanescente indemnização), nos termos do art. 608º, nº 2 do C.P.C.. Importa, pois, decidir em conformidade, pela total improcedência do pedido reconvencional (e pela total procedência da acção)”.

Mas a sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 361, que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido, e condenou a autora no pagamento da diferença entre os dois créditos invocados, € 6.426,26, com juros de mora, calculados à taxa dos juros comerciais, vencidos desde 11 de Junho de 2013 e até integral pagamento. Para o efeito, compensou o crédito invocado pela autora com o crédito correspondente à indemnização requerida pela ré, reconhecendo que a autora cumprira defeituosamente a obrigação de vigilância que assumira contratualmente, nestes termos: “Ora, ponderando o disposto nos artigos 397º e 342°, n,º 2, do Código Civil, cabe à autora, para demonstrar cumprimento da sua obrigação, a demonstração de que executou a vigilância nos moldes contratualmente estabelecidos.

E assim incumbe à autora demonstrar que, das 20.00 horas às 08.00 horas nos dias úteis e durante as 24 horas nos fins-de-semana, colocou nas instalações a vigiar um vigilante ou segurança com uma viatura de apoio, que esse vigilante procedeu às rondas em viatura, que o vigilante, quando não fazia ronda, se colocava no posto de vigilância, a portaria, situada junto do portão e único acesso ao estaleiro, e que o vigilante mantinha o portão fechado.

Contudo cumpre admitir que a demonstração da simples execução material desses actos é insuficiente para estabelecer o cumprimento da obrigação.

Pode afirma-se, senão directamente dos termos contratuais, ao menos por aplicação do disposto no artigo 762º, nº 2, do Código Civil, que a obrigação de vigilância e segurança assumida pela autora incluía, naturalmente mediante o desempenho do seu vigilante, aperceber-se da ocorrência de subtracção do material existente no estaleiro para alertar, ou tentar alertar, a autoridade policial a fim de esta poder intervir contra a ocorrência.

Com efeito, dentro do razoável, cumpre concluir que a vigilância inclui o dever de apercebimento do cometimento da subtracção.

É certamente para isso, bem como certamente para dissuadir projectos de subtracção, que se procede a vigilância, a serviço de segurança.

Ora a autora, ponderando o disposto nos artigos 397º e 342º, nº 2, do Código Civil, não demonstra, como lhe cabia demonstrar, que o seu vigilante cumpriu o dever de aperceber-se do cometimento dos furtos que ocorreram no estaleiro.

E assim visto o disposto nos artigos 799º e 800º,nº 1, do Código Civil, cumpre imputar à autora o incumprimento culposo da obrigação que assumiu para com a ré.” E, tendo em conta o efeito retroactivo da invocação da compensação, que operou no montante comum de € 29.082,12, o acórdão determinou o pagamento de juros apenas pela autora, mas só desde 11 de Junho de 2013.

E a Relação julgou ainda desnecessário apreciar a impugnação que a ré deduziu contra certos pontos da matéria de facto, por ser irrelevante para a decisão do recurso.

2. A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: «1. O Tribunal de Primeira Instância decidiu julgar a acção procedente por provada e condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de: € 29.082,12 (vinte e nove mil, oitenta e dois euros, e doze cêntimos), a título de capital; € 4.422,06 (quatro mil, quatrocentos e vinte e dois euros, e seis cêntimos), a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados sobre a quantia de € 29.082,12 nos termos legais; e absolver a Autora do pedido reconvencional deduzido contra ela pela Ré.

2. A Ré interpôs Recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por sua vez, decidiu julgar "o recurso procedente e revogando a decisão recorrida, julga-se a acção improcedente, pelo que se absolve a Ré do pedido formulado e julga-se a reconvenção procedente e, consequentemente condena-se a Autora a pagar à Ré a quantia de €6.426,26 acrescida da quantia correspondente aos juros de mora sobre ela calculados, à aludida taxa legal, e vencidos desde 11 de Junho de 2013 até pagamento.” 3. Entendeu o Venerando Tribunal da Relação, na sua fundamentação, que a demonstração, por parte da Autora/Recorrente, da simples execução material dos factos que consubstanciam o seu dever de vigilância não é suficiente para estabelecer o cumprimento da sua obrigação.

4. A Autora, ora Recorrente, entende, contudo, que o referido Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação está ferido de nulidade por contradição entre a fundamentação de facto e a decisão de Direito, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.

º, ex vi, alínea c) do n.º 1 artigo 674.º, do Código de Processo Civil, 5. Considerando ainda a Autora/Recorrente que o Tribunal da Relação fez uma interpretação errada dos artigos 762.º, 798.º e 799.9 do Código Civil, nos termos da alínea a) do n.

9 1 do artigo 674.º do Código de Processo Civil.

De facto, 6. Entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de prestação de serviços em que a aquela se comprometeu a proceder à vigilância das instalações da Ré/Recorrida, compostas por um estaleiro e dois pontos de obra, através de um vigilante/segurança TDU (todos os dias úteis) das 20.00 horas às 08.00 horas, e SDF (Sábados, Domingos e Fins-de-Semana) 24.00 horas, com uma viatura de apoio para efectuar as rondas pelos pontos de obra, num percurso de 15 km, mediante o pagamento de um determinado preço, 7. Não tendo a Ré/Recorrida, efectuado o pagamento de 5 (cinco) facturas no valor global de € 29.082,12, invocando que não estaria obrigada ao pagamento do valor peticionado, porquanto se verificaram dois furtos nas instalações em causa, os quais ocorreram por deficiente prestação dos serviços da Autora/Recorrente.

Ora, 8. No caso em apreço, é pacífico encontrarmo-nos perante um contrato de prestação de serviços, previsto no art. 1154º do Cód. Civil, em que a obrigação a cargo da Autora/Recorrente se qualifica como uma obrigação de meios, 9. Cujo conteúdo é definido pelas próprias partes ao abrigo do principio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405.

º do Cód. Civil.

10. Não se podendo imputar à Autora/Recorrente, como faz o Tribunal da Relação, "um dever de apercebimento do cometimento da infracção" que não lhe era exigível. Pois, 11. Resulta provado nos autos que a Autora/Recorrente cumpriu com a sua...

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