Acórdão nº 70/13.1TBSEI.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução17 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório AA, residente em ..., intentou a presente ação declarativa contra BB – Banco BB, com sede no ..., e Banco CC – Banco CC, com sede em Lisboa, pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe a quantia global de 191 647,50 €, acrescida de juros, à taxa legal de 5,553%, contados desde 26.1.2013 até integral pagamento.

Alegou, em síntese, ser titular de uma conta no balcão de ... do BB, na qual, a 25.1.2008, tinha depositado, pelo menos, € 150.000. Por sugestão da gerente do balcão e, após ter expressamente advertido que o investimento do dinheiro só seria feito se fosse 100% seguro, decidiu investir em papel comercial emitido pela CNE, S.A., que tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e o reembolso assegurado um ano após a aplicação, com a garantia do BB. Já em 2009 o BB efetuou o pagamento de juros, o que reforçou a sua confiança no produto. Porém, nada mais foi pago, sendo-lhe dito, pela gerente do balcão, que tinha havido problemas com a aplicação e estava a ser preparada uma reorganização ou remontagem do produto, sendo-lhe, contudo, garantido que o BB asseguraria o pagamento dos juros. Em 2011 foi negado o retorno do capital ao autor com o argumento que as aplicações de papel comercial CNE estavam congeladas por estar em curso um processo de reestruturação e compra do Banco. Nunca lhe foi facultada uma nota informativa sobre a natureza e funcionamento do papel comercial, sendo-lhe garantida a absoluta restituição do investimento, o mesmo sucedendo com todos os restantes clientes do Banco em .... Assim, o BB está obrigado a indemnizá-lo dos prejuízos que lhe causou. Contestou o Banco CC, alegando que, em virtude de operação de fusão, assumiu, na íntegra, a titularidade dos direitos e obrigações do BB, sendo juridicamente a mesma entidade coletiva, embora com a atual denominação. Que configurando o autor a sua intervenção como intermediação financeira, está prescrita a sua responsabilidade, nos termos do disposto no art. 324, nº 1, do Código dos Valores Mobiliários, considerando que o contrato de intermediação financeira ocorreu, no limite, em 25.1.2008. Que os juros foram pagos ao autor porque a CNE, entidade emitente do papel comercial, o habilitou com os montantes necessários para o efeito, já que sobre ela impendia a obrigação de pagamento. Que nunca assumiu a obrigação de pagamento de juros e de reembolso do capital investido pelo autor. Que o autor foi informado que, além da tradicional aplicação em depósito a prazo, havia a hipótese de adquirir um produto emitido por uma empresa pertencente ao mesmo grupo empresarial do BB, que oferecia um juro superior ao que rendiam os simples depósitos a prazo, sendo ainda informado que se tratava de produto com a garantia e segurança do próprio BB, uma vez que a empresa emitente era do mesmo grupo empresarial, sendo o seu capital detido exclusivamente pela DD – ..., …, S.A., entidade que também detinha a totalidade do capital social do BB. As informações prestadas eram verdadeiras à data, sendo então totalmente imprevista e imprevisível a nacionalização do capital do BB e a sua separação do universo a que a CNE pertencia. Em réplica, o autor defendeu o prosseguimento da acção apenas contra o réu Banco CC, e quanto à prescrição alegou que o réu, através de vários atos e procedimentos, sempre prometeu que reembolsava o capital e juros, independentemente da natureza do produto e da intervenção da CNE, pelo que a invocação da prescrição do crédito traduz-se num manifesto abuso de direito, na vertente do venire contra factum proprium. Mesmo que assim não fosse, o certo é que a prescrição não se verificou, uma vez que, para o autor, o BB e a CNE eram uma e a mesma coisa. Daí que não se possa afirmar que aquele Banco tenha sido intermediário financeiro, intervindo nessa qualidade na operação bancária, razão pela qual não é aplicável o citado art. 324º do Código dos Valores Mobiliários. Até perto do Natal de 2011, altura em que o BB lhe negou a restituição do capital e juros, sempre prometeu ao autor o reembolso, embora com dilações e explicações relacionadas com a reorganização ou remontagem do produto. Só por essa altura é que teve a noção, ainda que de forma muito difusa e pouco aproximada, dos termos e da natureza do produto que negociou e só então lhe foi dito que as operações ou aplicações em papel comercial CNE estavam congeladas. Assim, qualquer prazo prescricional, a verificar-se, só se iniciou em Dezembro de 2011, não se verificando, por isso, a prescrição, atenta a data da instauração da acção.

Em sede de despacho saneador, o tribunal absolveu da instância o Banco CC – Banco CC, por julgar verificada a exceção de ilegitimidade passiva, determinando a alteração da denominação, no processo, do BB – Banco BB e do Banco CC – Banco CC para Banco EE, S.A.

A final foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o Réu, Banco EE, do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, confirmado a decisão do tribunal de 1.ª instância, com um voto de vencida.

Novamente inconformado, o autor interpôs o presente recurso de revista, no qual formulou as conclusões exaradas a fls. 398 a 409, que aqui se consideram integralmente reproduzidas.

O ré apresentou contra-alegações em que pugna pela manutenção do decidido.

Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto do recurso (arts. 639º, nº 1 e 635º, nº 4, do NCPC), as questões a apreciar, pela sua ordenação lógica, são as seguintes: I – Qualificação jurídica da operação bancária; II – O prazo de prescrição do art. 324.º, n.º 2 do CVM: início da contagem do prazo; interrupção da prescrição e renúncia à prescrição; dolo ou culpa grave do Banco; abuso do direito na invocação da prescrição pelo Banco.

III – Responsabilidade civil do intermediador financeiro pelos danos causados ao cliente Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Fundamentação de facto As instâncias deram como provados os seguintes factos: «1. O autor é titular da conta nº 392 291 010 001, do Balcão de ... do «BB – Banco BB» [alínea A)].

  1. No dia 25 de janeiro de 2008 tinha depositados nessa conta, pelo menos, € 150 000,00 [alínea B)].

  2. Por sugestão da gerente desse balcão, FF, o autor decidiu aplicar esse dinheiro num produto que lhe concedesse uma taxa de juro favorável [alínea C)].

  3. Foi-lhe então proposto pela dita gerente que investisse tal quantia em papel comercial emitido pela «CNE, S.A.», subscrevendo o autor o documento denominado “Comunicação Cliente” de fls. 7vº [alínea D)].

  4. Na sequência dessa subscrição, em 2 de janeiro de 2009, o «BB – Banco BB» creditou-lhe € 1 937,68, a título de juros [alínea E)].

  5. Em 4 de março de 2009, creditou-lhe mais € 2 400,00 desses juros [alínea F)].

  6. Em 1 de abril de 2009, creditou-lhe novamente € 2 400,00, também a título de juros estipulados [alínea G)].

  7. O «BB – Banco BB» recusa o reembolso do capital e juros respeitantes ao produto aludido em 4. e remete para o «CNE, S.A.», empresa que já foi declarada insolvente [alínea H)].

  8. O «BB – Banco BB», na sequência de operação de fusão registada na competente Conservatória do Registo Comercial, tem hoje a denominação de «Banco EE, S.A.», mantendo assim, na íntegra, a titularidade de todos os direitos e obrigações daquele [alínea I)].

  9. A Lei nº 62-A/2008, de 11 de novembro “nacionaliza todas as ações representativas do capital social do Banco BB, S.A., e aprova o regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização” [alínea J)].

  10. Aquando do facto descrito em 3. e 4., o autor alertou expressamente a gerente da agência, FF, que só “investiria” aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros [ponto 1º].

  11. Foi-lhe então assegurado por aquela gerente, que a aplicação descrita em 4. tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e que, sendo uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco [pontos 2º, 3º].

  12. Ao tempo, o «BB – Banco BB» era uma instituição bancária que oferecia total confiança ao investidor [ponto 4º].

  13. Confiando nessas informações, o autor aceitou então aplicar € 150 000,00 naquele papel comercial, em três tranches de € 50 000,00 cada, no dia 25 de janeiro de 2008, subscrevendo o documento aludido em 4., já previamente manuscrito por alguém da agência [ponto 5º].

  14. Os pagamentos de juros aludidos em 5. a 7. reforçaram a confiança do autor que tinha apostado num produto credível e seguro [ponto 6º].

  15. Além dos juros aludidos em 5. a 7., o «BB – Banco BB», ora réu «Banco EE, S.A.», não procedeu ao pagamento de mais nenhuns juros [ponto 7º].

  16. Surpreendido com o facto, o autor procurou obter explicações, tendo-lhe sido dito que estava em curso uma reestruturação mas o reembolso estava assegurado [pontos 8º, 9º].

  17. Como isso não voltou a suceder, em data não apurada, o autor pediu o retorno do capital, o que foi negado, remetendo o réu a responsabilidade para a «CNE, S.A.» [pontos 10º...

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