Acórdão nº 1786/10.0PBGMR-A.G1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No âmbito do processo n.º 1786/10.0pbgmr-A.G1, AA, arguido neste processo e identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto no art. 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpor, para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (mediante requerimento apresentado a 23.05.2014) com fundamento em oposição de acórdãos da Relação — o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23.04.2014, proferido no processo referido, e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24.05.2011, proferido no processo n.º 2239/09.4PAPTM.E1.

Em síntese, alega que os acórdãos estão em oposição sobre a mesma questão de direito relativa à possibilidade (ou não) de pagamento da pena de multa, enquanto pena de substituição, em dias de trabalho (ambos os acórdãos foram proferidos ao abrigo do disposto nos arts. 43.º, 48.º, 49.º e 58.º, todos do Código Penal (doravante, CP), e nos arts. 489.º e 490.º, do Código de Processo Penal (doravante, CPP).

2.

Em conferência, por acórdão de 08.01.2015, foi decidido que o recurso devia prosseguir por se verificar oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, em situações factuais idênticas, e no domínio da mesma legislação.

  1. Após o cumprimento do disposto no art. 442.º, n.º 1, do CPP, o recorrente e o Ministério Público apresentaram as alegações.

    3.1.

    O recorrente, AA, em síntese, concluiu que o conflito de jurisprudência «deve ser resolvido no sentido de admitir que o condenado em pena de multa de substituição possa requerer, ao abrigo do artigo 48.º do C.P e 490.º do C.P.P. — no prazo de pagamento de 15 dias após o trânsito em julgado, de acordo com o artigo 489.º do C.P.P. — o seu cumprimento através da prestação de dias de trabalho».

    3.2.

    O Ministério Público, em síntese, aderiu à posição do acórdão fundamento.

    Começou por fazer uma exposição sobre as penas de substituição no âmbito do CP e distinguiu o regime da pena de multa principal da pena de multa de substituição. Se numa e noutra a determinação da pena de multa deve obedecer às exigências de prevenção geral e especial que se impõem no caso, tendo como limite a culpa do agente (assim demonstrando que também na pena de multa há uma determinação autónoma desta e, portanto, “não há (...) lugar a qualquer tipo de correspondência entre a duração da pena de prisão e a duração da pena pecuniária que a substitui”), outra coisa acontece quando a pena de multa não é cumprida: num caso terá que cumprir prisão subsidiária com redução de 1/3, o mesmo não acontecendo no caso da pena de multa de substituição cujo regime de incumprimento leva ao cumprimento da pena principal em que o agente tenha sido condenado (ou seja, a pena de prisão estipulada na sentença, sem que haja lugar a qualquer redução).

    Depois, desenvolveu o seu raciocínio a partir da ideia de que a pena de multa de substituição tem um modo de determinação autónomo, e um certo regime de execução. As especificidades desse regime resultam da “impossibilidade de conversão da multa [de substituição] em prisão subsidiária”, e da “impossibilidade de o condenado — após o trânsito em julgado do despacho que julgue verificado o incumprimento da pena de substituição — poder eximir-se ao cumprimento da pena de prisão, pagando a multa” (itálico nosso). Acrescentando que “da leitura conjugada das normas dos artigos 48.º e 49.º do CP e 489.º e 490.º do CPP decorre que a prestação de dias de trabalho é considerada pela lei como uma forma, equivalente ao pagamento voluntário da pena pecuniária, inserida no processo de execução desta” (itálico nosso). E acrescenta: “uma vez que, no decurso do prazo previsto para o pagamento voluntário, o condenado pode requerer a substituição por dias de trabalho, é evidente que o processo de cumprimento/execução da pena de multa está ainda longe de se mostrar ultimado, pois acaba de iniciar‑se a sua primeira etapa, não podendo por isso julgar‑se, de modo algum, verificada uma situação de incumprimento ― esse sim, se declarado pelo Tribunal, a implicar, nos termos da norma do n.º 2 do artigo 43.º, a execução da pena de prisão substituída.” A solidificar este entendimento demonstrou que na versão inicial do CP (1982) estava expressamente consagrada a possibilidade de pagamento da pena de multa em dias de trabalho. E esta mesma possibilidade estava prevista quer na proposta de lei n.º 105/III, quer no anteprojeto de revisão do CP de julho de 1987. E assim também no anteprojeto de revisão do CP que deu lugar à reforma de 1995, onde a partir dos trabalhos preparatórios se demonstra “claramente que nunca foi sequer questionada a aplicação da substituição por dias de trabalho da multa imposta ao abrigo da norma do artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal”.

    E assim concluiu, considerando que a jurisprudência a fixar deveria ser «no sentido da aplicabilidade da norma do artigo 48.º do CP à pena de multa de substituição imposta ao abrigo da norma do artigo 43.º, n.º 1 do CP, podendo o condenado requerer, após o trânsito em julgado da decisão que impôs a pena de multa de substituição, e de acordo com as normas do artigo 490.º, n.º 1 do CPP, a substituição da multa por dias de trabalho».

    II 1.

    A decisão, tomada na secção criminal por acórdão de 08.01.2015, sobre a oposição de julgados, não vincula o pleno das secções criminais. Por isso devemos reapreciar a questão.

    2.1.

    O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães foi prolatado a 23.04.2014 e transitou em julgado a 12.05.2014. O recurso foi, tempestivamente, interposto a 23.05.2014, de acordo com o disposto no art. 438.º, n.º 1 do CPP.

    O acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Évora foi proferido a 24.05.2011 e transitou em julgado a 20.06.2011.

    Ambos os acórdãos proferem decisões ao abrigo do disposto nos arts. 43.º, 48.º, 49.º e 58.º, todos do CP, e arts. 489.º e 490.º, do CPP — qualquer um dos dispositivos tem a mesma redação e não foi objeto de modificação legislativa entre a data da prolação do acórdão fundamento e a data de prolação do acórdão recorrido, pelo que se considera estar verificado o pressuposto do art. 437.º, n.º 3, do CPP.

    2.2.

    No âmbito deste processo, o recorrente foi condenado na pena de sete meses de prisão substituída por 210 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, num total de € 1260,00. No acórdão fundamento o arguido foi condenado numa pena de prisão de quatro meses, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de 5€, num total de € 600.

    Nos presentes autos, o recorrente, após interposição de recurso da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, de 18.09.2012, foi condenado por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08.04.2013, notificado por carta registada de 09.04.2014. E a 09.05.2014, o agora recorrente deu entrada de um requerimento segundo o qual solicitava, ao abrigo do disposto no art. 490.º, n.º 1, do CPP, a “substituição” da multa por dias de trabalho, dado que estava desempregado, não auferia qualquer rendimento, vivia com os pais, e não tinha maneira sequer de obter rendimento para o pagamento da multa em prestações.

    O requerimento foi indeferido, e deste indeferimento recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que proferiu o acórdão agora recorrido. Considerou este tribunal que a pena de multa de substituição não pode ser substituída por dias de trabalho, entendendo que o Recorrente confunde pena de multa principal com pena de multa de substituição, pelo que não seria pertinente convocar, nomeadamente, o disposto no art. 490.º, do CPP. E para tanto invocando jurisprudência que entende que em caso de incumprimento da pena de multa de substituição o arguido terá que cumprir a pena de prisão principal em que foi condenado.

    2.3.

    O acórdão fundamento entende que se deve fazer uma distinção entre a pena (de substituição) de prestação de trabalho a favor da comunidade e a prestação de dias de trabalho (prevista no art. 48.º, do CP e art. 490.º, do CPP) enquanto modalidade de execução da pena de multa em que foi condenado, e desde que o condenado realize o pedido correspondente, considerando que este pedido pode também ser realizado quando se trata de condenação em pena de multa de substituição.

    2.4.

    Entende-se, pois, que quer os requisitos formais, quer os requisitos substanciais de admissibilidade do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência estão preenchidos, nomeadamente, a necessária oposição de julgados dado que têm soluções contrárias para a mesma questão de direito: pode o condenado em pena de multa de substituição, requerer, ao abrigo do art. 48.º, do CP, e do art. 490.º, do CPP — no prazo (de pagamento) de 15 dias, após o trânsito em julgado, de acordo com o disposto no art. 489.º, do CPP —, o seu cumprimento, a sua execução, através da prestação de dias de trabalho? 3.

    A partir de uma análise da jurisprudência conclui-se, na verdade, que as soluções ora oscilam no sentido de não admitir a execução da pena de multa de substituição em dias de trabalho, ora no sentido de admitir esta forma de execução.

    Por um lado, existe jurisprudência[1] defendendo (tal como no acórdão fundamento) a possibilidade de execução da pena de multa em dias de trabalho, alegando que o art. 43.º, n.º 1, do CP, não afasta a possibilidade de, em fase de pagamento voluntário, a pena de multa poder vir a ser “substituída” por trabalho, sendo, no entanto, o regime diferente se o condenado entrar em incumprimento, caso em que terá de cumprir a pena de prisão aplicada, nos termos do art. 43.º, n.º 2, do CP; apenas haverá lugar à aplicação do disposto no art. 49.º, n.º 3, do CP, quando o condenado, tendo entrado em incumprimento, este não lhe é imputável, assim se permitindo a suspensão da execução da pena de prisão principal. E com isto surge um outro argumento: se o regime é idêntico no caso de incumprimento não imputável ao condenado, quer estejamos perante uma pena de multa principal...

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