Acórdão nº 613/08.2TBSSB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução03 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA, menor, representada pelos seus progenitores, BB e CC, moveu acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra DD – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., EE e mulher FF.

Pediu a condenação solidária dos réus no pagamento de €1.060,30 a título de indemnização por danos patrimoniais e € 60.000,00 por danos não patrimoniais.

Como fundamento, alegou que os 2.ºs réus são donos de um cão, que mordeu a autora, causando-lhe ferimentos no corpo que resultaram em dores para a menor, cicatrizes permanentes, medo persistente de animais e vergonha de mostrar o seu corpo perante terceiros.

A responsabilidade por danos causados por animais foi transferida para a 1.ª ré.

A 1.ª ré contestou por excepção, alegando que não foram observadas as normas de segurança vigentes para animais de companhia, pelo que a situação em apreço cai em cláusula de exclusão contratada com os primeiros réus.

A autora replicou, alegando que tal cláusula não lhe é oponível, por o seguro de animais perigosos ser obrigatório.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou solidariamente os RR a pagarem à autora: - a quantia de € 100,00 a titulo de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de citação, à taxa de 4%, até integral e efectivo pagamento; - a quantia de € 45.000,00 a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros vincendos, contados da data de notificação da presente decisão, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento.

Inconformados com esta decisão, os RR. interpuseram recurso, tendo a Relação: - julgado procedente a apelação dos RR EE e FF, absolvendo-os do pedido; - julgado improcedente a apelação da R. "DD", confirmando, nesta parte, a decisão recorrida.

Discordando desta decisão, a R. "DD" vem pedir revista, apresentando as seguintes conclusões: (…) E) Decidiu-se no douto acórdão recorrido que da factualidade que está provada não pode concluir-se pela imputação aos réus, pessoas singulares, de qualquer responsabilidade, quer a título de culpa, quer por violação de um qualquer dever geral de cuidado, quer por violação das normas legais constantes do Decreto-Lei n° 312/2003, de 17 de Dezembro, isto porque tais normas, em especial as contidas nos artigos 7.° e 8.° têm um âmbito de aplicação dirigido a uma realidade factual que não é a dos autos.

  1. Decidiu-se no douto acórdão recorrido que as referidas normas legais impõem especiais deveres aos detentores de animais perigosos ou potencialmente perigosos no contacto com a via pública ou com lugares públicos, quer impondo a utilização de meios de contenção quer impondo especiais cautelas para evitar a fuga dos alojamentos e que, tendo os factos em causa nos autos ocorrido no logradouro da habitação dos 2ºs RR quando a A. ali brincava na companhia de uma prima com quinze anos de idade, as normas legais em causa não se lhes aplicam, nem tão pouco, naquelas circunstâncias, eram exigíveis aos réus outros comportamentos destinados ao cabal cumprimento do dever de vigilância.

  2. Ora, é com este enquadramento jurídico, com esta subsunção dos factos ao direito, que não se pode conformar a recorrente e é dela que pede revista.

  3. O contrato de seguro celebrado entre a 1ª ré e o 2° réu, titulado pela apólice n° 003381092, dispõe no nº 6 da Condição Especial da Apólice n° 020, que "Além das exclusões contidas nas Condições Gerais, esta apólice não abrange as reclamações por danos: (...) h) Causados pela inobservância das disposições legais em vigor que regulamentem a detenção de animais de companhia"; I) O cão de nome "Fred" que mordeu a autora, é propriedade dos 2°s réus e é da raça rottweiller, sendo classificado um animal potencialmente perigoso, na lista anexa à portaria n° 422/2004, de 24/04.

  4. A data do evento em causa nos autos - 09 de Novembro de 2005 - estava em vigor o Decreto-Lei n° 312/2003, de 17 de Dezembro, em cujo preâmbulo se podia ler que "Os casos de ataques de animais, nomeadamente cães, a pessoas, causando-lhes ofensas à integridade física graves, quando não mesmo a morte, vieram alertar para a urgente necessidade de rever aquele diploma [o D.L.276/2001, de 17/10], e de regulamentar, em normativo específico, a detenção de animais de companhia perigosos e potencialmente perigosos, com estabelecimento de regras claras e precisas para a sua detenção, criação e reprodução. A convicção de que a perigosidade canina, mais que aquela que seja eventualmente inerente à sua raça ou cruzamento de raças, se prende com factores muitas vezes relacionados com o tipo de treino que lhes é ministrado e com a ausência de socialização a que os mesmos são sujeitos, leva que se legisle no sentido de que a estes animais sejam proporcionados os meios de alojamento e maneio adequados, de forma a evitar-se, tanto quanto possível, a ocorrência de situações de perigo não desejáveis. Para além disso estabelecem-se algumas obrigações para os detentores de animais de companhia perigosos ou potencialmente perigosos (...), que possam garantir o cumprimento das normas de bem-estar dos animais e de segurança de pessoas e bens".

  5. Deste exórdio não resulta, de todo, que a intenção do legislador fosse a de regular a detenção e utilização de animais perigosos ou especialmente perigosos apenas no contacto com a via pública ou com lugares públicos. A preocupação do legislador mostra-se, claramente, dirigida para a segurança de pessoas e com o objetivo, expresso, de estabelecer regras claras e precisas para a detenção, criação e reprodução daqueles animais.

  6. Neste contexto e com este objetivo dispunha o Artigo 6° do Decreto-Lei n° 312/2003, sob a epígrafe Dever especial de vigilância que "Incumbe ao detentor do animal o dever especial de o vigiar, de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade tisica de outras pessoas e animais" , enquanto que o Artigo 7° do mesmo diploma, sob a epígrafe Medidas de segurança especiais nos alojamentos, dispunha que "1 - O detentor de animal perigoso ou potencialmente perigoso fica obrigado a manter medidas de segurança reforçadas, nomeadamente nos alojamentos, os quais não podem permitir a fuga dos animais e devem acautelar de forma eficaz a segurança de pessoas, outros animais e bens (...)" M) E, não obstante o acidente ter ocorrido no logradouro da casa dos 2°s. réus, importa não esquecer que nos termos do Artigo 8° do diploma "1 - Os animais a que se refere este diploma não podem circular sozinhos na via pública ou em lugares públicos, devendo sempre ser conduzidos por detentor maior de 16 anos. 2 - Sempre que o detentor necessite de circular na via pública ou em lugares públicos com os animais a que se refere este diploma, deve fazê-lo com meios de contenção adequados à espécie e à raça ou cruzamento de raças, nomeadamente caixas, jaulas ou gaiolas, ou açaimo funcional que não permita comer nem morder e, neste caso, devidamente seguro com trela curta até 1m de comprimento, que deve estar fixa a coleira ou peitoral".

  7. Ora, ao contrário do decidido no douto acórdão recorrido, não é pelo facto de o ataque do cão à autora ter ocorrido no...

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