Acórdão nº 337/13.9TTFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2016

Data31 Maio 2016
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA intentou a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra BB, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 39.970,30, a título de compensação pela resolução, com justa causa, do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos.

Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que no dia 1.04.1987, por ajuste verbal, foi admitido ao serviço da R. para, sob as respetivas ordens, direção e fiscalização desempenhar as funções de empregado de farmácia, mediante remuneração mensal (que ultimamente era) de € 1.568,66. Em 24.09.2012, por carta registada com A/R, procedeu à resolução do seu contrato de trabalho, invocando justa causa, com fundamento na falta de pagamento dos salários relativos aos meses de fevereiro, março, junho, julho e agosto de 2012, sem que a R. lhe tivesse pago a compensação legal.

A R. contestou, sustentando em síntese que, no dia 7.08.2003, emprestou ao A. a quantia de € 22.000,00 para este resolver alguns problemas financeiros graves que ocorriam na sua vida pessoal, quantitativo do qual o A. já pagou € 9.000,00, pelo que se encontrava em dívida € 13.000,00.

Mais invocou que nos princípios do ano de 2012, com o crescer de dificuldades da R., esta acordou com o A. o desconto das suas remunerações mensais até perfazer a tal quantia de € 13.000,00.

Concluiu, pedindo que a ação seja julgada improcedente, e, em consequência, absolvida da quantia peticionada.

A ação prosseguiu seus termos, vindo a ser decidida por sentença de 13 de fevereiro de 2015 que a julgou improcedente e absolveu a R. do pedido.

Não satisfeito com esta decisão, dela recorreu o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 9 de setembro de 2015, nos seguintes termos: «Pelo exposto se acorda em julgar parcialmente procedente o recurso, alterando a sentença no sentido de julgar verificada a justa causa de resolução do contrato pelo A. e consequentemente condenar a R. a pagar ao A. a indemnização no valor de € 26.694,34, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data da cessação do contrato, até efetivo pagamento.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento».

Irresignada com esta decisão, dela recorreu de revista para este Supremo Tribunal a Ré, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. O tribunal de 1ª instância considerou que a compensação dos créditos, porque partindo de um acordo voluntário, bilateral, entre a R. e o A., era possível, daí que considerou não existirem créditos laborais em dívida, não se verificando justa causa para a resolução do contrato de trabalho, e, consequentemente, julgou improcedente a ação absolvendo aquela do pedido. Pelo contrário, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que tal não seria possível porque os créditos provenientes do salário do A., por serem parcialmente impenhoráveis, são insuscetíveis de se extinguirem por compensação ainda que por vontade do trabalhador, razão pela qual condenou a R. ao pagamento parcial da quantia peticionada.

  1. Mas quanto à R. não é nada disto que está em causa.

    Senão vejamos: 3. O Tribunal da Relação de Lisboa não atendeu à impugnação de determinada matéria de facto que o A. pretendia, e manteve-a dada como provada, tal como o foi pelo tribunal de 1 ª instância.

    Assim sendo, resultou que: a) 1.5. em 7.8.2003, a R. emprestou ao A. € 22.000, para que este pudesse resolver problemas financeiros graves que ocorriam na sua vida pessoal; b) 1.6. O A. entregou posteriormente à R. € 9.000; c) 1.7. No princípio de 2012, e dadas as dificuldades financeiras da R., acordou com a A. que este haveria de descontar o valor das suas remunerações mensais, até que estas retenções perfizessem a quantia de € 13.000 ainda por pagar, liquidando deste modo a dívida na sua totalidade.

  2. A matéria dada como provada nos pontos 1.5., 1.6., e 1.7., na sentença de P. instância, e, apesar de impugnada pelo A., mantida inalterada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e pela afirmação de que a R., ora recorrente, estava de boa fé, pois estaria convencida que lhe seria lícito proceder desse modo, tal como se pode ler na página 12, 4º parágrafo, do respetivo Acórdão, torna a falta de pagamento pontual das retribuições não culposa, segundo o disposto no artº 394º, nº 3, alínea c), do Código do Trabalho, não dando, a nosso ver, direito a indemnizar aquele. E era este o entendimento que o tribunal "a quo" deveria ter dito.

    Em vez disso, considerou, quanto a nós mal, que a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por mais de 60 dias se considera culposa (sem olhar minimamente para o acordo que existiu entre ambas as partes), constituindo justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nos termos do artº 394.º, nº 2, alínea a), e nº 5, do mencionado diploma, o que conferiria a obrigação da entidade patronal de proceder ao pagamento integral de todos os montantes devidos em virtude dessa cessação, pelo qual acabou por ser condenada (embora de forma mitigada devido às regras do artº 396º do Código do Trabalho).

    O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ao não interpretar corretamente a norma aplicável violou o previsto no artº 394º, nº 2, alínea a), e nº 5, do Código do Trabalho, quando deveria ter aplicado o artº 394.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

  3. E se V. Excias acharem que este argumento não deve ter provimento, sempre se dirá aquilo que nos parece ser totalmente indiscutível, ou seja, que o A. agiu em claro abuso de direito previsto no art.º 334.º do Código Civil, na modalidade de venire contra factum proprium, tanto mais que este diploma adotou a corrente objetivista para o qual este se manifesta na oposição à função social do direito, em que se excede anormalmente o seu uso. A proibição deste venire contra factum proprium cai no âmbito deste abuso através da forma legal que considera ilegítimo o exercício de um direito "quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé" (Antunes Varela, obra citada, página 517; Batista Machado, Tutela de Confiança e Venire Contra Factum Proprium", in "Obra Dispersa, voI. 1, página 385).

  4. Para que exista abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium é necessário, portanto: a) Uma primeira conduta (que se poderá traduzir numa declaração negocial), entendida como uma tomada de posição vinculante em relação ao futuro e, por essa razão, geradora de uma posição objetiva de confiança; b) A boa fé da contraparte, que justificadamente confiou nessa conduta; c) Uma segunda conduta, contraditória com a anterior, que frusta a confiança gerada.

    Retirado do Acórdão da Relação de Leiria (sic), de 24-04-2012, proferido na Apelação n.º 2725/08.3TBLRA.C1 (sic) - (exarando-se que tal redacção só pode ser devida a lapso manifesto e evidente) 7. Pois parece-nos indiscutível que no caso concreto, dada a matéria tida como provada, estão preenchidos os requisitos necessários para a verificação da figura do abuso de direito, naquela modalidade, senão vejamos: a) O A. acordou com a R. descontar o valor das suas remunerações mensais até estas perfazerem a quantia de € 13.000, que ainda faltavam entregar de um empréstimo total de € 22.000, tal como resulta provado dos pontos 1.5., 1.6. e 1.7. da sentença do tribunal de 1ª instância, ou seja, adotou uma conduta que não poderia deixar de ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação ao futuro, e por esse mesmo motivo, geradora de uma posição objetiva de confiança. Qualquer homem médio entenderá que a R. não iria realizar este acordo com o A. se desconfiasse sequer que este haveria, ao contrário do vínculo verbal a que chegaram, de lhe exigir o pagamento de uma indemnização pelo não pagamento pontual das retribuições, que estavam a ser descontadas, no valor de mais de € 39.000! b) A R agiu de boa fé, como aliás, é não só evidenciado na sentença do tribunal de 1 ª instância como no Acórdão do Tribunal da Relação, nomeadamente na página 12, parágrafo 4º, uma vez que estava convencida de que a compensação acordada era legal.

    1. Posteriormente o A. adota uma segunda conduta, completamente contrária à anterior ao exigir da R a indemnização pela falta culposa do pagamento pontual das suas retribuições, quando anteriormente, recorde-se, havia acordado que essas mesmas retribuições haveriam de ser descontadas com a finalidade de ir liquidando a dívida de € 13.000 que tinha.

  5. Daqui resulta inequivocamente que este acordo teve, numa primeira fase, a anuência do A., ora recorrido, para que os descontos fossem mensalmente realizados pela R, e que, posteriormente, com a instauração da ação para pagamento da indemnização prevista por falta de pagamento...

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