Acórdão nº 1185/13.1T2AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução17 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I N, intentou acção declarativa com processo ordinário contra MASSA INSOLVENTE DE X, LDA e S, LDA, pedindo o reconhecido o direito de preferência do Autor de haver para si os prédios objecto do contrato de arrendamento havido com a insolvente em 1 de Março de 2004, pelo valor pelo qual a segunda Ré os adquiriu, ou seja, pelo valor de € 56.600,00 (cinquenta e seis mil e seiscentos euros) e ser ordenado o cancelamento do direito de propriedade registado a favor desta Ré.

Alega para o efeito que por contrato de arrendamento celebrado com a empresa P, Lda, actualmente insolvente, em 1 de Março de 2004, tomou de arrendamento os seguintes imóveis todos descritos na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, freguesia de …«, os quais correspondem a um complexo agrícola composto por armazém, escritório, habitação e estábulo, logradouro, quintal e terreno, destinando-se os mesmos ao exercício pelo Autor da sua actividade de exploração agro-pecuária e armazenamento de utensílios e materiais de apoio à sua actividade: - Prédio urbano sito na Rua do …, freguesia de …«, concelho de …, descrito na matriz predial urbana nº…; - Prédio rústico sito em …, freguesia de …, concelho de …, descrito na matriz predial sob o nº …; - Prédio rústico sito em …, freguesia de …, concelho de …, descrito na matriz predial sob o nº …; - Prédio rústico sito em …, freguesia de …, concelho de …, descrito na matriz predial sob o nº …; Em 30 de Novembro de 2012 o Autor veio a ser surpreendido com uma diligência de entrega dos imóveis arrendados, tendo em tal data tomado assim conhecimento que os imóveis em questão haviam sido penhorados no âmbito do processo n.º …, que corre os seus termos na Comarca … - Juízo de Execução, intentado contra a empresa P, Lda, tendo o Autor direito de preferência relativamente aos aludidos imóveis que vieram a ser vendidos no âmbito daquele processo, direito esse que foi violado, atendendo a que não lhe foi dado conhecimento da penhora e da venda e respectivos elementos essenciais da mesma.

A Ré S, Lda, contestou por excepção e deduziu pedido reconvencional.

Em sede de defesa indirecta arguiu: a nulidade do contrato de arrendamento, por falta de indicação do valor da renda bem como de factores para a sua determinação; inexistência de arrendamento, por falta de identificação do objecto; a nulidade do contrato por se tratar de um contrato consigo mesmo, por ter sido celebrado pelo Autor como gerente da sociedade P, Lda, a si próprio como arrendatário; a nulidade do contrato, por simulação absoluta, pois o contrato foi forjado para evitar a entrega dos prédios na sequência da venda executiva; e a caducidade do direito de preferência.

Em reconvenção pediu a condenação do Autor a ver declarado nulo e/ou inexistente, e sempre sem qualquer efeito, o contrato de arrendamento e a entregar à Ré os prédios que esta adquiriu.

Na réplica o Autor respondeu à matéria das excepções e contestou o pedido reconvencional, pela sua improcedência, concluindo como na Petição Inicial.

A final foi produzida sentença, em 23 de Setembro de 2014, a julgar verificadas as invocadas excepções de nulidade do contrato, nos termos das disposições conjuntas dos artigos 2º e 397º, nº2, do CSC, este aplicado analogicamente, e do art. 280º, nº1, do CCivil com a consequente improcedência da acção e procedência da reconvenção, tendo sido declarado nulo o contrato de arrendamento rural havido entre o Autor e a sociedade P, Lda, condenando-se aquele a entregar à Ré S, Lda os prédios objecto daquele mesmo acordo e que esta adquiriu na Execução nº ….

O Autor inconformado com esta decisão interpôs recurso de Apelação, em 23 de Outubro de 2014, cfr fls 331 a 341, o qual foi objecto de despacho de admissão pelo primeiro grau, a fls 342, prolatado em 10 de Dezembro de 2014.

Recebidos os autos no Tribunal da Relação do Porto, foi proferido despacho singular pelo Exº Desembargador Relator, a não admitir o recurso, após convite às partes para se pronunciarem a propósito, cfr fls 346 e 354 a 356.

Inconformado, o Autor/Recorrente, reclamou para a conferência, tendo sido proferido Acórdão, de fls 399 a 401, a confirmar aquela decisão singular, do seguinte teor: «Nos termos do art. 652 nº 1 al. b) do Código de Processo Civil (CPC), o Juiz Relator e os Juízes Desembargadores reunidos em conferência devem verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento da apelação deduzida pelo autor N em 23/10/2014, na certeza que o despacho de admissão dessa apelação, proferido no tribunal de comarca no dia 10/12/2014, não vincula o Tribunal da Relação, conforme art. 641 nº 5 do CPC.

Por decisão do Juiz Relator de 5/3/2015, não se conheceu a apelação, por ser intempestiva.

Por via daquilo que se mandou seguir como reclamação do autor, tal decisão do Juiz Relator encontra-se sujeita a escrutínio dos Juízes Desembargadores, reunidos em conferência, nos termos do art. 652 nº 3 do CPC, tudo conforme despacho de 26/5/2015.

A ré S, Limitada, não respondeu à reclamação.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

O autor alega que intentou a acção como processo de natureza comum – acção de preferência comum – e como não tendo natureza de processo urgente, nunca os autos tendo sido tramitados pelo tribunal de comarca como expediente urgente. Acrescenta que o tribunal de comarca nunca atribuiu aos autos a natureza de processo urgente. Afirma que os autos não têm efectiva natureza de processo urgente, com decorrência de tempestividade da apelação ao ser cumprido o prazo de 30 dias para apelar, não sendo aplicável o prazo de 15 dias. Finaliza com a asserção de que a não apreciação da apelação, por intempestividade, corporiza denegação de justiça, impedindo-o de ver a decisão de primeira instância sindicada em recurso. Conclui que a apelação deve ser admitida.

Nos termos do art. 5 nº 3 do CPC, este tribunal não está vinculado pelos entendimentos jurídicos, tanto substantivos, como adjectivos, que as partes invocaram.

A acção é factualmente configurada como exercício, puro e simples, do direito de preferência pelo arrendatário rural, o qual ou é previsto no art. 28 do Decreto-Lei (DL) 385/88, de 25/10, ou é previsto no art. 31 n° 2 do DL 294/2009, de 13/10, integrando esses Decretos-Lei os sucessivos regimes do arrendamento rural.

Correspondentemente, as normas do 35 n° 1 do DL 385/88 e do art. 35 n° 1 do DL 294/2009 estabelecem que é urgente o processo judicial para o exercício daquele direito de preferência pelo arrendatário rural [note-se que o art. 4 da Lei 41/2013, de 26/6 (aprova o novo CPC), não revoga qualquer norma do regime adjectivo do arrendamento rural]. A natureza de processo urgente decorre directamente da lei, não estando essa natureza dependente de despacho de classificação como processo urgente, pelo que improcede uma objecção do autor no sentido de o processo só ser urgente se assim mesmo fosse classificado pelo tribunal.

É verdade que antes do despacho saneador sentença os autos têm poucos afloramentos do regime jurídico do arrendamento rural e não se divisa qualquer tramitação urgente no processo, ou mero entendimento de urgência processual, a ponto de a apelação ter sido recebida no dito despacho de 10/12/2014 como tempestiva, mais parecendo que o efeito suspensivo foi fixado ao abrigo do art. 647 nº 3 al. b) do CPC do que ao abrigo do art. 35 n° 3 do DL 385/88 ou do art. 35 nº 3 do DL 294/2009.

Em todo o caso, ressalva-se que o despacho de 24/6/2013 já invocava o regime jurídico do arrendamento rural e dirimia (bem), dentro desse regime, uma questão sobre a ausência de depósito do preço de 56.600€, tal como se ressalva que nos artigos 47 e seguintes da contestação, e numas notas de rodapé da contestação, se alude igualmente ao regime jurídico do arrendamento rural.

O despacho saneador sentença apelado suporta-se extensamente no regime legal do arrendamento rural.

Tudo o que vai referido é de molde a sustentar que na apelação o autor teria de estar inteirado da pertinência de regime jurídico do arrendamento rural, nomeadamente quanto às suas especificidades adjectivas.

Estes elementos incidentais não são importantes, mas destinam-se a descaracterizar a admissão da apelação pelos Juízes ao abrigo da excepção do art. 146 nº 2 do CPC, o qual tem o seguinte teor: “deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou correcção de vícios ou omissões puramente formais de actos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correcção não...

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