Acórdão nº 3681/11.6TBBCL-M.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório Nos autos de ação especial de insolvência em que figuram como devedores A. D. e mulher, S. R., veio o insolvente marido, em 18/04/2019, requerer que fosse proferido despacho final sobre a exoneração do passivo restante.

Alegou, para tanto e em síntese: Em 04-06-2012 foi proferido despacho inicial de deferimento do incidente de exoneração do passivo restante; sempre exerceu uma profissão remunerada; no dia 11 de Junho de 2012, o Sr. Fiduciário notificou-o de que todas as quantias que ultrapassassem os dois salários mínimos mensais, bem como, a totalidade do subsídio de férias e Natal, deveriam ser transferidas para a conta bancária titulada pela massa insolvente; prestou informações ao tribunal e ao fiduciário sobre os seus rendimentos e património em 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, o qual terá elaborado relatórios anuais.

Conclui que deve entender-se que o início do período de cessão ocorreu no ano de 2014, visto que o presente processo nunca encerrou e sendo a insolvência datada de 2012, não pode o insolvente ser prejudicado pela demora da justiça.

Em 15-05-2019 foi proferido despacho que indeferiu o requerido, face ao disposto no artigo 6º nº 6 do DL 79/2017.

É desta decisão que o Recorrente apela, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: I. Em 04-06-2012, foi proferido despacho inicial de deferimento do incidente de exoneração do passivo restante do aqui insolvente.

  1. Foi liquidado o ativo e em 2015 foi o apenso da liquidação encerrado.

  2. No ano de 2015 foi o insolvente notificado pelo Sr. Fiduciário para dar nota dos seus rendimentos de 2014 e comprovar o cumprimento dos seus deveres para efeitos de exoneração, designadamente os previstos no art.º 239.º, n.º4 do CIRE, para efeitos de exoneração (art.ºs 244.º e 245.º de CIRE).

  3. Tendo assim desde essa data, e até ao presente informado o tribunal na pessoa do Sr. Fiduciário sobre os seus rendimentos e património, o que o fez em 2015 relativamente ao ano de 2014, em 2016 relativamente ao ano de 2015, em 2017 relativamente ao ano de 2016, em 2018 relativamente ao ano de 2017, em 2019 relativamente ao ano de 2018.

  4. Assim como cumpriu com os demais requisitos da exoneração.

  5. Contudo, entende o Tribunal que esses anos de cumprimento não contam para o período de 5 anos de cessão, entendendo que apenas em 2017 se iniciou o período de exoneração.

  6. O recorrente não pode, atento o tempo decorrido e a fase processual em que se encontra, ser prejudicado pelas imprecisões verificadas na tramitação dos autos, que não são da sua responsabilidade.

  7. Sem prejuízo de ser acautelada a lógica tramitação dos autos, que in casu não ocorreu, não podem daí advir consequências para o recorrente, em termos de apenas ver iniciado o período de cessão do seu rendimento disponível no futuro, após prolação do despacho de encerramento do processo.

  8. Em termos processuais, inexistindo motivos para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, o juiz profere despacho inicial (art.º 239º, números 1 e 2 do CIRE) determinando que, durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência (tempo que é legalmente designado como ''período da cessão''), o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a uma entidade (designada legalmente como ''fiduciário''), para os fins recortados pelo art.º 241º, entre os quais, fundamentalmente, a distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência.

  9. O art.º 239.º do CIRE comporta duas referências, a saber: (1) o período da cessão é de 5 anos; (2) tal período inicia-se com o encerramento do processo de insolvência.

  10. O despacho recorrido, salvo o devido respeito, centrou-se apenas na exigência do encerramento do processo de insolvência (art.º 230.º, n.º1, alínea e) do CIRE), e olvidou a exigência legal a que aludimos - o período da cessão é de 5 anos e que se encontra cumprido.

  11. Não faz sentido, o Recorrente estar a cumprir com todas as suas obrigações desde 2014, por ordem do Sr. Fiduciário e com o conhecimento do Tribunal e agora, decorridos mais de 5 anos, não ser considerado esse período…porque o Tribunal, só em 2018, se lembrou de proceder ao encerramento do processo.

  12. In casu, entende-se que o início do período de exoneração não dependente do despacho de encerramento do processo mas sim do efetivo encerramento e inicio do cumprimento do pelo devedor das suas obrigações.

  13. É que das duas uma: ou entendemos que é necessário o ato formal de encerramento do processo para o início do período da cessão e então só com a prolação do despacho de encerramento é que se inicia, jurídica e materialmente, a cedência do rendimento disponível do devedor (que for fixado no despacho liminar) ai Fiduciário; ou entendemos que o período de cessão e a referida cedência do rendimento disponível pode ocorrer independentemente da prolação do despacho de encerramento, após o despacho inicial, sendo que, em ambos os casos, o período de cessão nunca poderá exceder os 5 anos fixados na lei.

  14. O que não é, segundo entendemos, legalmente admissível é o que, sem que exista despacho de encerramento do processo de insolvência, sejam impostas (ou aceites pelo Fiduciário) as legais obrigações (art.º 239º, nº 4 do CIRE) ao devedor inerentes ao período de cessão, nomeadamente a nuclear cedência do rendimento disponível ao fiduciário e que se venha a entender posteriormente (o que pode, como no caso dos autos, acontecer cerca de 5 anos depois!) que o período de cessão ainda não começou XVI. Esta interpretação traduz, na prática, uma extensão (que reputamos ilegal) da duração real do período de cessão para além dos 5 anos fixados na lei.

  15. A razão pela qual o art.º 239º, nº 2 do CIRE estabelece que o período da cessão é (imediatamente) subsequente ao encerramento do processo de insolvência vem prevista no art.º 230º, nº 1, alínea e) do mesmo diploma, que impõe ao juiz que declare o encerramento do processo de insolvência, quando tal encerramento não haja ainda sido declarado, no despacho inicial de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do art.º 237º do CIRE.

  16. A lei, não prevê a ilegalidade de não serem simultaneamente proferidos o despacho inicial de exoneração do passivo restante e de encerramento do processo de insolvência começando de imediato os insolventes a ceder ao fiduciário o rendimento disponível de acordo com o decidido naquele despacho.

  17. Face a essa ilegalidade, deve-se necessariamente considerar que, por interpretação extensiva do disposto no art.º 239.º, nº 2 do CIRE, o período de cessão e a referida cedência do rendimento disponível pode legalmente e de facto ocorrer, independentemente da prolação do despacho de encerramento, após o despacho inicial.

  18. Assim, não pode agora considerar-se que o período de cessão ainda não se iniciou, apenas porque o despacho de encerramento só agora foi proferido XXI. Tal entendimento é manifestamente ilegal, contraditório ao despacho inicial de exoneração e viola as legitimas expectativas do insolvente que, desde 2014 tem cumprido com as suas obrigações, convicto que em outubro de 2018 poderia obter despacho final de exoneração.

  19. A interpretação proferida no despacho recorrido de que não se iniciou o período de cessão, traduz, na prática, uma extensão – ilegal - da duração real do período de cessão muito além dos 5 anos fixados na lei e no despacho inicial de Exoneração.

  20. Não se imagina admissível que, sem que exista despacho de encerramento do processo de insolvência, sejam impostas ao devedor (pelo fiduciário) as obrigações inerentes ao período da cessão previstas no n.º 4 do art.º 239º - nomeadamente a cedência do rendimento disponível ao fiduciário - e que se venha a entender posteriormente que o período de cessão ainda não começou e fazer ratear as importâncias que o devedor de boa fé disponibilizou e entregou ao fiduciário para benefício (imediato) da massa, o que, a admitir-se, traduziria, na prática, uma irregular ou ilegal extensão da duração do período de cessão para além dos 5 anos.

  21. Assim, na presente situação em que o despacho inicial de exoneração do passivo restante e o despacho de encerramento do processo de insolvência não são proferidos em simultâneo, e começando de imediato a insolvente a ceder o rendimento disponível segundo o decidido naquele despacho e o promovido pelo fiduciário (nos termos do art.º 239º, n.º 4, alínea c) do CIRE), é razoável uma interpretação extensiva do disposto no art.º 239º, n.º 2 do CIRE, que permita considerar que o período de cessão (de 5 anos) e a referida cedência do rendimento disponível pode legalmente e de facto ocorrer, independentemente da prolação do despacho de encerramento, após o despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo.

  22. Neste contexto, e sob pena de violação injustificada e injusta das legítimas expectativas da insolvente, tem de considerar-se que o seu período de cessão de rendimento se iniciou em 2014 e terminou no final de 2018, devendo proferir-se decisão final da exoneração (art.º 244.º do CIRE).

II- Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta...

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