Acórdão nº 534/15.2T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução24 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. AA e marido, BB, CC e marido, DD, e EE e marido, FF, intentaram contra GG, Lda. e HH, SA., acção declarativa de condenação, pedindo a condenação solidária das Rés a pagarem-lhes indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos, nos seguintes montantes: a) de €18.485, aos Autores AA e marido, BB(1.º AA), CC e marido, DD (2.º AA); b) de €596,55, a AA e marido, BB(1.º Aa); c) de € 40.825, a EE e marido, FF (3.ºAA); d) juros de mora sobre as referidas quantias, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegaram para o efeito e essencialmente: - terem os 1.ºs Autores, em Outubro de 2013, contratado com a Ré GG, Lda. a execução de em furo artesiano com vista à captura de água num prédio de que, conjuntamente com os 2.ºs Autores, são comproprietários (em partes iguais); - ter a execução do referido trabalho produzido danos nos edifícios habitacionais implantados no terreno bem como nos logradouros adjacentes aos mesmo que são também propriedade dos Autores; - ter a Ré GG, Lda., desde logo, assumido a responsabilidade pelo sucedido, requerendo, na qualidade de tomador do seguro referente à apólice n.º ..., a intervenção da Ré HH, SA, a quem participou a ocorrência; - ter a Ré seguradora comunicado aos Autores que os danos provocados nas habitações tinham sido causados pela máquina hidráulica de perfuração propriedade da Ré GG, Lda., declinando porém a sua responsabilidade invocando que os danos em causa não se encontravam garantidos pelo contrato de seguro.

  1. Após citação, a Ré GG, Lda. apresentou contestação, excepcionado a ilegitimidade plural activa (coligação ilegal dos 1.ºs e 2.º Autores com os 3.ºs Autores por inexistirem os requisitos para tal, designadamente uma causa de pedir única) e a sua ilegitimidade passiva (por não ser a empreiteira da obra, tendo-se limitado a fornecer a esta – GG, Lda. - a maquinaria para a execução da obra). Impugnou a factualidade alegada pugnando pela improcedência da acção.

    A Ré HH, SA. apresentou contestação tendo assumido a sua defesa por excepção (a sua ilegitimidade passiva e a ilegitimidade plural activa dos Autores nos termos invocados pela sua segurada) e por impugnação, alegando nesse sentido e fundamentalmente que os danos em causa não se mostram transferidos através do contrato de seguro celebrado.

  2. No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções suscitadas. Após audiência de julgamento foi proferida sentença (em 25 de Janeiro de 2017), que julgou parcialmente procedente a acção condenando a Ré GG, Lda. a pagar aos 1.ºs e 2.ºs Autores a quantia de €15.992,77, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação, bem como a pagar aos 3.ºs Autores a quantia de €31.310,27, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação. Absolveu a Ré HH, SA. de todos os pedidos.

  3. Inconformada a Ré GG, Lda.

    apelou, pugnando pela responsabilização da Ré seguradora nos termos do contrato de seguro celebrado.

  4. O Tribunal da Relação de Guimarães (por acórdão de 22 de Junho de 2017) concedeu provimento à apelação, pelo que revogou a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré Seguradora dos pedidos, condenando, solidariamente, as Rés a pagar aos 1.ºs e 2.ºs Autores a quantia de €15.992,77, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação; aos 3.ºs Autores a quantia de € 31.310,27, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação, deduzindo, quanto à Ré seguradora, a quantia de €1250, relativa à franquia contratual 6. Interpõe a Ré HH, SA recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: “1.ª - As presentes Alegações de Recurso visam impugnar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” no que à responsabilidade da recorrente diz respeito, atenta a matéria de facto dada como provada nos presentes autos.

    1. – Consideramos que o tribunal recorrido interpretou de forma diferente o alcance da Clausula de Exclusão em que excluem da garantia da Condição Especial os danos, directa ou indirectamente, causados: (…) Em quaisquer terrenos, estruturas ou edifícios, causados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos seus apoios; 3.ª - Em nossa opinião, a cláusula de exclusão referida não enferma de qualquer tipo de ambiguidade.

    2. - Note-se que, hoje em dia, decorrendo das normas dos artºs 32º nºs 1 e 2 e 34º nº2 Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS – D-L nº72/2008 de 16/4), e ao contrário do que era exigência do Código Comercial (do artº 426º cit. extraía-se que o contrato deveria ser reduzido a escrito, em formalidade que assim, e por decorrência da aplicação dos princípios gerais, se entendia ser um pressuposto da validade do contrato, uma formalidade “ad substantiam”), a formalização do contrato em documento escrito ou suporte eletrónico duradouro assume-se agora como mera formalidade de prova, um requisito/documento “ad probationem” do contrato (assim, Prof. Romano Martinez et al., Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2009, pg. 170).

    3. - O contrato em causa nos autos consta da apólice, respetivas condições gerais e especiais, juntas aos autos, bem como, ao menos para efeitos de interpretação dos documentos probatórios, também da proposta de seguro junta aos autos; 6.ª - Estes documentos encontram-se, em parte, transcritos no elenco dos factos provados.

    4. - A interpretação do contrato tem por base as normas legais dos artºs 236º a 238º CCiv, os princípios decorrentes da boa fé contratual (artº 762º nº2 CCiv), e o disposto no D-L nº446/85 de 25/10, quanto à parte do clausulado (ou todo ele) que possa revestir a natureza de cláusulas contratuais gerais.

    5. - Ora, compulsado o artº 236º do Código Civil, verifica-se que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida. Todavia, porque se trata, no caso, de um negócio formal, o artº 238º vem restringir os termos do artº 236º, estipulando que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

    6. - Trata-se da usualmente designada doutrina da impressão do destinatário, no âmbito do princípio da proteção da confiança, impondo ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desde forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (Prof. Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente, pg.206).

    7. - Certo que a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (ut Prof. P. Mota Pinto, op. cit., pg.208).

    8. - Vertendo agora para o caso concreto, vejamos o teor da Clausula contratual negociada: CLÁUSULA 3• - EXCLUSÕES 1 - Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, excluem-se também da garantia da presente Condição Especial os danos, directa ou indirectamente, causados: i) Em quaisquer terrenos, estruturas ou edificios, causados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos seus apoios: 12.ª - Pensamos que o que da letra da referida cláusula se infere é que estão excluídos os danos causados em quaisquer terrenos, estruturas ou edifícios, causados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos seus apoios.

    9. - As vibrações referem-se, claramente, à máquina em si, ao seu funcionamento. São os danos causados pela vibração da máquina. Parece-nos clara esta interpretação… 14.ª - Pensamos que inexiste qualquer ambiguidade na interpretação de tal Clausula.

    10. - Assim, o sentido hipotético da declaração que prevalece no quadro objectivo da respectiva interpretação, como corolário da solenidade do negócio, tem que ter um mínimo de literalidade no texto do documento que o envolve.

    11. - No caso vertente, estamos perante um negócio jurídico oneroso e formal, pelo que, o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratário normal colocado na posição do real declaratário está limitado por um mínimo literal constante do texto das condições gerais e particulares do contrato consubstanciado na respectiva apólice. 17.ª - Ora, esta Clausula é perfeitamente clara, não criando qualquer dúvida de interpretação – Os danos provocados por vibrações da máquinas estão excluídos.

    12. - Na verdade, um declaratário normal, colocado na posição da tomadora do seguro/ como aderente real, dela extrairia o único sentido que comporta, ou seja, que os danos causados pela vibração da máquina encontram-se excluídos.

    13. - O sentido literal é também fiel a tal sentido, que é único.

    14. - Em nosso entender, falecem as considerações vertidas no Douto Acórdão recorrido quando considera ambígua a referida Clausula de exclusão.

    15. - Por outro lado, entende o Tribunal recorrido que se a cláusula fosse interpretada no sentido defendido pela apelada seguradora e seguido na sentença, e considerando as demais exclusões, ficaria sem objecto, que não fosse meramente residual, a cobertura contratada, o que nos levaria a considerar as pertinentes questões colocadas pela apelante.

    16. - Ora, esta conclusão assim tirada pelo Tribunal recorrido não tem qualquer respaldo na matéria de facto, não foi alegada nos autos, não foi objeto de discussão nem foi produzida qualquer prova nesse sentido.

      23.º - No entanto, assim não é: Basta ver que há um manancial de danos que uma máquina pode produzir e que se situam no elenco de uma situação súbita e imprevista – tais como o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT