Acórdão nº 5408/10.0TBVFX-C L1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. relatório 1.

Nos autos de inventário abertos por óbito de AA veio a cabeça de casal, BB, requerer que as sociedades "CC, SGPS, S.A", "DD, SGPS, S.A" (actualmente denominada "EE, SGPS, S.A"), "FF, S.A", ( actualmente denominada "GG, S.A."), "HH, S.A". ( actualmente denominada "II, S.A."), "JJ, S.A.", "LL, S.A.", "MM, S.A" e "NN, S.A." venham juntar aos autos a lista de presenças das Assembleias Gerais, desde o ano de 2000 até à data da morte do inventariado (15/01/2010), e o livro de registo de acções referente ao mesmo período.

Em 17/10/2011 foi deferido o requerido pela cabeça de casal. Foram juntas parte das actas requeridas (anos 2009 e 2010) e foi requerida pelas indicadas sociedades a dispensa da junção dos demais documentos.O despacho anterior foi renovado.

A referidas sociedades arguiram a nulidade do anterior despacho, por falta de fundamentação e invocaram a natureza sigilosa dos documentos cuja junção foi determinada e a impertinência dos mesmos para a boa decisão da causa.

Foi dada vista ao Ministério Público que promoveu que as sociedades em causa prestem as informações e apresentem os documentos solicitados (referindo que, em data anterior ao seu óbito, o falecido poderá ter sido titular de acções e importa averiguar se tais acções foram alienadas e apurar eventuais situações de inoficiosidade).

1 Em 15/05/2013 foi indeferida a requerida arguição de nulidade e determinada a junção dos elementos já pedidos, pelas razões indicadas pelo Ministério Público. Em 31 de Maio de 2013 as empresas acima identificadas vieram arguir a nulidade deste despacho e requerer a sua dispensa de junção dos documentos integrantes da sua escrituração mercantil, ao abrigo do disposto na alínea c) do n°3 do artigo 519.° do CPC. Em 09/09/2013, foi proferido despacho onde se consignou que nada importava determinar quanto à nulidade arguida, por estar esgotado o poder jurisdicional. Foi ainda determinada a notificação das referidas sociedades para concretizarem os factos com base nos quais deduziram escusa na apresentação dos documentos. Em 30/09/2013 foi, de novo, invocada pelas mesmas sociedades a natureza sigilosa dos indicados documentos que permitiriam identificar os accionistas, desvirtuando o tipo societário por que optaram aquando da sua constituição ou transformação (sociedade anónima). Em 20/02/2014 foi proferido despacho, julgando injustificada a recusa na apresentação dos documentos em causa e determinando que os mesmos sejam apresentados no prazo de 10 dias, sob pena de condenação em multa.

As sociedades acima identificadas recorreram deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 11 de Maio de 2017, julgou parcialmente procedente o recurso de apelação e revogou a decisão recorrida na parte em que determinou a junção aos autos pelas recorrentes do livro de registo de acções referente ao período de 2000 até 15.01.2010, mantendo, no mais, a decisão recorrida.

  1. Inconformadas com o resultado, interpuseram recurso de revista as sociedades indicadas, fundamentando a admissibilidade do recurso nos art.º 671.º, 672.º, 674.º, 675.º e 676.º do CPC, indicando que se trata de uma revista excepcional, com subida em separado e efeito suspensivo.

    Nas suas conclusões afirmam (transcrição): “1. Não se podendo as recorrentes conformar com o acórdão recorrido, vêm interpor o presente recurso, na parte que lhes é desfavorável - manutenção da decisão da 1ª instância.

  2. Entendem as recorrentes que se encontram verificados os pressupostos referidos no nº 1, alíneas a) e b), do artigo 672.° do CPC, devendo o presente recurso de revista excecional ser admitido e apreciado por este Venerando Tribunal 3. No caso em análise, a questão prende-se com a interpretação do disposto nos artigos 417.°, n.º 3, alínea c) do NCPC (anterior 519.°, n.º 3 alínea c) do CPC), 435.

    0 do NCPC (anterior 534.

    0 do CPC) e 42.

    0 e 43.

    0 do Código Comercial, pondo-se em causa, nomeadamente, o sentido que lhes é dado pelo Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, na medida em que considera: "Retomando agora ao caso concreto, vejamos, em primeiro lugar, se a situação em apreço está ao abrigo de sigilo mercantil. Ora, o artigo 420 do Código Comercial considera que em questões de "sucessão universal" poderá ser ordenada a exibição judicial da escrituração mercantil No que concerne ao exame parcial da escrituração (previsto no artigo 43.º do mesmo diploma legal das limitações expostas ficam ressalvados os casos previstos no artigo anterior. A junção das listas de presença das Assembleias Gerais das recorrentes durante o período temporal indicado é equiparável ao exame parcial, que, tal como nos casos de exibição da escrituração, poderá constituir meio de prova desde que respeite a questões de sucessão universal. Referem as recorrentes que o recorrido não tem a qualidade de interessado. Ora, a questão de saber se o recorrido tem efectivamente a titularidade do direito invocado só poderá ser objecto de apreciação posterior. Para a questão que ora nos ocupa, importa apreciar se o mesmo invoca a titularidade de um direito cuja prova pretende efectuar. E essa titularidade foi invocada nos termos acima indicados. A junção das listas de presenças das Assembleias Gerais, como meio de prova documental, não se afigura, neste contexto, impertinente e irrelevante para a descoberta da verdade.

  3. E mais não diz. O douto Tribunal da Relação de Lisboa analisa os artigos 42.º e 43.º do Código Comercial, porém, sem sequer se pronunciar no caso concreto sobre a norma contida no artigo 417.º, n.º 3 do CPC (anterior 519.° n.º 3 do mesmo diploma legal), que prevê que é legítima a recusa em apresentar documentos e fornecer informações aos processos judiciais, nomeadamente, e para o que ao caso releva, se isso importar intromissão na vida privada e/ou violação do invocado sigilo profissional.

  4. Entendem as recorrentes que a questão de saber o alcance da legitimidade da recusa em fornecer aos processos judiciais elementos que entendam estar abrangidos pelo segredo profissional - e nomeadamente pelo segredo comercial - é uma questão de elevada relevância jurídica porquanto mexe com os princípios básicos do comércio, que merecem toda a proteção jurídica, num estado de direito democrático e economia liberal, como é o caso português.

  5. Isto porque, os agentes do comércio, que necessitam de tutela jurídica bastante por forma a operarem no mercado com garantias suficientes ao exercício do comércio de forma livre, terão de sentir a salvaguarda e segurança no direito de não intromissão do estado na sua esfera privada. O que aconteceria, caso as sociedades comercias se vissem na obrigação de ter que revelar toda a sua informação interna e portanto privada, só pela simples suspeita levantada, sem qualquer fundamento, por um qualquer hipotético "interessado".

  6. Tal tese contrariaria, de todo, a própria natureza das sociedades comerciais anónimas - que é o caso das recorrentes - que são sociedades cujos acionistas vivem, pretender viver e devem permanecer no anonimato, o que se comprova desde logo pelo disposto no artigo 288.°, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (CsC, que prevê que apenas os acionistas que possuam ações correspondentes a, pelo menos, 1 % do capital social podem consultar escrituração da sociedade, na sede da sociedade e desde que aleguem motivo justificado.

  7. A interpretação dos conceitos vertidos nas disposições legais afetadas pelo acórdão recorrido revelam assim interesses de particular relevância social, que importa esclarecer e defender, a bem da proteção e segurança jurídicas imprescindíveis ao exercício do comércio.

  8. A. questão é, no entanto, controversa, são sendo de fácil resolução, uma vez que os diversos sentidos com que ela tem vindo a ser tratada na jurisprudência recolhem elementos a favor tanto do "levantamento do sigilo", como da legitimidade em recusar a entrega ou exibição de tais elementos de escrituração mercantil aos tribunais (cfr. Acórdãos citados).

  9. Pelas mesmas razões, entendem ainda as recorrentes que será necessário apurar quem são os "interessados", abrangidos pela norma contida no artigo 42.° do Código Comercial, não podendo, com. o devido respeito, o Tribunal recorrido referir, sem mais, que basta invocar a titularidade do direito.

  10. Afiguram-se assim necessárias operações de exegese destinadas a esclarecer o alcance das normas as contidas nos artigos 417,°, n.º 3, alínea c) do NCPC (anterior 519,°, n.º 3 alínea c) do CPC), 435.° do NCPC (anterior 534.° do CPC) e 42.° e 43.° do Código Comercial-, que são, como se viu, passíveis de diversas interpretações, de tal modo que é posta em causa uma boa aplicação do direito.

  11. Acresce que, o acórdão ora recorrido está em contradição com o acórdão-fundamento proferido pelo mesmo Tribunal da Relação, no processo n.º 7655/2004-6, datado de 27/01/2005, já transitado em julgado (artigo 370.°, n.º 2 do CPC), num caso muito semelhante ao dos presentes autos (cfr. transcrição supra).

  12. Em oposição ao acórdão ora recorrido, o mesmo Tribunal da Relação entendeu que (i) uma sociedade anónima, terceira em relação à ação, não pode ser compelida a comunicar ao Tribunal a lista dos seus acionistas que é matéria da sua esfera privada e que (ii) a recusa a obedecer a uma tal solicitação é legítima nos termos do art. 519°, na 3, alínea a) do Cód. Proc. Civil.

  13. Nestes termos, entendem as recorrentes que se encontra verificado também o pressuposto referido no nº 1, alínea c) do artigo 672.° do CPC, devendo o presente recurso de revista excecional ser admitido e apreciado por este Venerando Tribunal.

  14. Entendem ainda as recorrentes que o Tribunal da Relação de Lisboa procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 417.°, n.º 3, alínea c) do NCPC (anterior 519.°, nº 3 alínea c) do CPC), 435.° do NCPC (anterior 534.° do CPC) e 42.° e 43.° do Código Comercial, o que é fundamento do recurso de revista, ao abrigo do...

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