Acórdão nº 1203/12.0TBPTL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução01 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA e mulher, BB, vieram propor contra a Freguesia de A… e CC Seguros, S.A., ação declarativa, peticionando: (i) para o caso de se provar que foi a vala a causa directa da queda do muro, a condenação da Freguesia de … a pagar ao autores a quantia de € 14.780,00, acrescida de € 3.399,40 de IVA e de juros a contar da citação à taxa legal e até efetivo pagamento; ou (ii) provando-se que não foi a vala, mas a chuva intensa, a condenação da ré CC a pagar aos autores a quantia de € 14.780,00, acrescida de € 3.399,40 de IVA e de juros a contar da citação à taxa legal e até efetivo pagamento; ou (iii) provando-se que foi a abertura da vala e a chuva intensa que caiu que provocaram a queda do muro, a condenação de ambas as rés a pagar aos autores, na proporção que se achar adequada, a quantia de € 14.780,00, acrescida de € 3.399,40 de IVA e de juros a contar da citação à taxa legal e até efetivo pagamento. Alegaram, para tanto e em síntese, que são donos de um prédio constituído por casa de habitação com logradouro, sita no lugar de …, …, Ponte de Lima e que confronta, a nascente, com um caminho público da Freguesia de ….

Este seu prédio está vedado, em todo o seu perímetro exterior, por um muro com cerca de 74 metros de comprimento e uma altura que varia entre 2,60 e 1,50 metros e que servia e serve para suportar a terra do logradouro do prédio dos autores que, nessa parte, é superior ao caminho em cerca de 2,50 metros.

No dia 9 de maio de 2012, cerca de 15,90 metros desse muro desmoronou-se, num local em que a sua altura era de 2,60.

Algum tempo antes da queda do muro a ré Freguesia, sem o consentimento dos autores, abriu uma vala com cerca de 50 centímetros de profundidade por cerca de 50 centímetros de largura, encostada à base do muro em cerca de 20 metros e na parte em que o mesmo se desmoronou, por forma a desviar a água das chuvas que saíam de uma conduta de cimento que passa por baixo do terreno do prédio dos autores, atravessavam o caminho público, no sentido nascente, e entravam num campo de cultivo também a nascente.

Com a circulação da água das chuvas por esta vala, os alicerces em que assentava o muro dos autores foram ficando a descoberto, sem o suporte de terra em que assentavam.

Por outro lado, uma vez que choveu intensamente no dia 9 de maio de 2012 e nos dias anteriores, a terra que o muro suportava encharcou e ficou mais pesada, pelo que a pressão sobre os alicerces e o muro passou a ser muito superior.

Perante a dúvida sobre se foi a abertura da vala ou a chuva intensa que caiu, ou ambas, a causa direta e necessária da queda do muro, os autores solicitaram a reparação do muro, quer à ré Freguesia, quer à ré, CC Seguros, com quem os autores celebraram um contrato de seguro que cobre a reparação de danos causados por água das chuvas.

Todavia, não tendo nenhuma das rés assumido essa responsabilidade e porque o muro ameaçava ruir, os autores repararam-no, no que despenderam a quantia de 14.780,00€, acrescida de 3.399,40€ de Iva.

  1. Contestou a ré seguradora, impugnando os factos alegados e sustentando que o fenómeno dos autos está excluído das condições contratadas com os Autores.

  2. A Ré freguesia, também contestou, imputando a queda do muro aos autores. Deduziu ainda pedido reconvencional com o qual pretende a condenação dos autores no pagamento da quantia de € 18.000,00, pelos prejuízos causados, acrescida do valor de € 1.000,00 por mês, a contar de Janeiro de 2013 e até que os autores reconstruam o muro que ruiu.

  3. Os autores responderam, reiterando o alegado na petição inicial e pugnando pela improcedência da reconvenção deduzida.

  4. Tramitados regularmente os autos e realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou procedente a ação e, consequentemente, condenou as rés Freguesia de … e CC Seguros, S.A., a pagarem solidariamente aos autores a quantia de € 18.179,40, acrescida de juros, contados a partir da citação, à taxa legal, e até integral e efetivo pagamento.

  5. Não se conformando com esta decisão, dela apelaram as rés Freguesia de ... e CC Seguros, S.A. para o Tribunal da Relação de …, tendo a ré Freguesia de … invocado, por mera cautela, a incompetência em razão da matéria do Tribunal a quo, com o fundamento de que a aplicação ao caso dos autos da Lei nº 75/2013 de 12 de Setembro sempre constituiria matéria reservada à jurisdição administrativa, nos termos do art.º 4º n.º1 f) do ETAF.

  6. Por acórdão proferido em 11.07.2017, o Tribunal da Relação de …, concluiu pela improcedência da invocada exceção de incompetência em razão da matéria e julgou improcedentes ambas as apelações, confirmando a sentença recorrida ainda que com base em fundamentação diversa.

  7. Inconformada com esta decisão, recorreu a ré Junta de Freguesia de … para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. A jurisdição administrativa é a competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público independentemente da questão de saber se tais questões se regem porum regime de direito público ou por um regime de direito privado.

    (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/07/2014, processo n.º 943/05.6TBMFR.L1.S1) 2. (...) É também evidente que o Réu é uma pessoa colectiva de direito público e que a construção daquela barragem se insere no exercício da sua função administrativa, uma vez que aquele equipamento não só se destina a satisfazer as necessidades das suas populações como a lei lhe confere poderes de autoridade no exercício dessa função.

    Sendo assim, e sendo que, nos termos do art.º 4º 1/g) do ETAF, compete aos Tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto "questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e legislativa" é manifestamente evidente que a competência para julgar esta acção cabe aos Tribunais Administrativos.

    (cfr. Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 21.01.2016, disponível em http://www.dgsi.pt/icon.nsf/35fbbbf22elbble680256f8e003ea931/cl54c60045e0bc71 80257f470034f77f?OpenDocument) 3. Considerando e tendo-se dado como provado que: a) O caminho em causa nos autos era do domínio público da recorrente Freguesia; b) Ao abrigo da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, era da competência exclusiva da recorrente Freguesia fazer a conservação, manutenção e vigilância do caminho; c) E que o evento danoso ocorreu precisamente no exercício desse dever, ou seja, na prossecução de interesses públicos, Óbvio se torna que a recorrente Freguesia agiu no âmbito da sua função administrativa.

  8. Estando-se perante uma situação de responsabilidade civil decorrente das funções públicas da recorrente Freguesia, a jurisdição competente para conhecer do litígio é a jurisdição administrativa, nos termos do n.º 3 do artigo 212.º da Constituição da República Portuguesa...

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