Acórdão nº 1860/08.2T8ABF.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. 1860/08.2TBABF.E1.S1 R-641 [1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e BB propuseram, em 2.8.2008, no Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, contra: CC, Lda.

Acção declarativa constitutiva, tendente à anulação das deliberações tomadas na reunião da Assembleia Geral de 23 de Julho de 2008 da sociedade ré, que aprovaram: a) A ratificação das remunerações dos gerentes auferidos até 23.07.2008; b) As remunerações dos gerentes a vigorar a partir de 01.08.2008; e c) A chamada de prestações suplementares.

Alegaram, em síntese, que: - são sócios da ré e expressaram, na dita reunião, os seus votos contra; - da ordem de trabalhos constante da convocatória para a assembleia em causa não fazia parte a ratificação de remunerações anteriormente auferidas pelos gerentes, as concretas remunerações que seriam submetidas à votação, os precisos valores das prestações suplementares e as razões da respectiva necessidade; - a primeira deliberação visava desresponsabilizar os gerentes pelo facto de se terem auto-atribuído determinadas remunerações e, por isso, não deveriam os sócios-gerentes ter sido admitidos a votar; - a 3ª deliberação visava repercutir sobre os demais sócios a responsabilidade dos gerentes pela prestação de garantias a terceiros, pelo que os sócios-gerentes não poderiam ter votado; - a 3ª deliberação também visava possibilitar a futura exclusão dos autores, caso não satisfizessem as prestações suplementares, sendo certo que a situação financeira da sociedade não justificava a exigência dessas prestações.

A ré contestou, invocando, em resumo, que: - é uma sociedade de cariz bi-familiar, pelo que funcionou sempre de modo informal e sem que das actas das reuniões das assembleias gerais constassem diversas deliberações efectivamente tomadas por unanimidade; - foi o caso das remunerações dos gerentes, que os autores sempre votaram favoravelmente, que sempre foram incluídas nas contas da ré e que aqueles bem sabiam existir desde há duas décadas; e foi o litígio desencadeado pelos autores que justificou a deliberação de ratificação; - o sócio-gerente não está impedido de votar a sua própria remuneração e, muito menos, a remuneração do outro sócio-gerente; - a exigência de prestações suplementares correspondeu a uma efectiva necessidade de liquidez por parte da ré, confrontada com a obrigação de pagamento de um financiamento bancário; a circunstância de, mercê desse pagamento, ficarem os sócios-gerentes libertos das garantias prestadas não os impedia de votar a proposta; - a convocatória para a reunião da assembleia geral preenche os requisitos legais; mas, ainda que de alguma irregularidade padecesse, a mesma estaria sanada, uma vez que na reunião estiveram presentes todos os sócios, que participaram na votação.

Concluindo pela sua absolvição do pedido, a ré requereu a condenação dos autores como litigantes de má-fé, estimando a indemnização em € 10.000,00 e impugnou o valor da causa, oferecendo, em substituição o de € 252.000,00.

O tribunal fixou o valor da acção em € 828.951,96.

Dispensada a audiência preliminar, o processo foi objecto de saneamento e condensação.

*** Instruída a causa, nomeadamente com prova pericial, e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que absolveu a ré dos pedidos, mais considerando não terem os autores litigado de má-fé.

*** Os Autores interpuseram recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de Évora, que, por Acórdão de 26.1.2017 – fls. 2288 a 2336 – decidiu: “Acordamos em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência: A) ...ramos a decisão sobre a matéria de facto nos termos descritos em II-C), D) e E); B) Revogamos a sentença recorrida na parte em que absolve a ré do pedido no tocante à deliberação identificada no ponto 29. a) da matéria de facto, [aprovação/ratificação de todas as remunerações auferidas até à presente data 23.7.2008] ora se anulando tal deliberação; C) Mantemos, no mais, a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, por autores e ré, na proporção de 2/3 para os primeiros e 1/3 para a segunda.” Tendo sido, pela Ré, arguida a nulidade do Acórdão, por contradição entre os fundamentos e entre estes e a decisão, foi tirado em conferência o Acórdão, de 28.6.2017 - fls. 2712 a 2713 – que manteve a decisão.

*** Inconformados, os Autores e a Ré interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, apenas tendo sido admitido o recurso da Ré, que, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. A decisão de que se recorre é errada, porque não se apercebe que, da matéria de facto provada, resulta que as remunerações dos gerentes foram fixadas pelos sócios, e ainda porque depois de reconhecer que os sócios gerentes podiam votar a fixação das próprias remunerações, só podia ter concluído que também poderiam votar a ratificação dessas mesmas remunerações.

  1. É também errada, porque efectuou o “teste da resistência” à deliberação em causa, de forma incorrecta, esquecendo que, cada um dos sócios gerentes sempre poderia votar a ratificação da remuneração do outro, ainda que estivessem (sem conceder) impedidos de votar a ratificação da própria remuneração.

  2. É injusta, pois permite a dois sócios que sempre conheceram e aceitaram as remunerações dos sócios gerentes sustentar abusivamente que estes deveriam ter trabalhado gratuitamente, ao longo de quase duas décadas.

  3. É, inútil, porque em assembleia geral de 2 de Março de 2017 os sócios da Recorrente renovaram a deliberação em causa, pelo que a suposta invalidade – caso alguma existisse – já se encontraria sanada com a mencionada deliberação de renovação.

  4. Antes de tudo o mais, ainda que a fundamentação e decisão do Acórdão recorrido estivessem correctas, o presente recurso deveria ser considerado procedente, porque a Recorrente procedeu à renovação da deliberação anulável mediante outra deliberação que não enferma do suposto vício daquela, conforme expressamente admitido pelo artigo 62.º n.º2, do Código das Sociedades Comerciais.

  5. De facto, os sócios da Recorrente reuniram em assembleia universal, - ao abrigo do artigo 54º, nºs 1 e 2, do Código das Sociedades Comerciais – em 2 de Março de 2017, onde deliberaram renovar a deliberação ora anulada, nos termos e para os efeitos do nº2, do artigo 62.° do Código das Sociedades Comerciais sem que os sócios gerentes fossem admitidos a votar a ratificação das respectivas remunerações (cfr. doc. 1).

  6. Esta deliberação foi aprovada com os votos favoráveis dos sócios DD, EE, FF, SGPS, S.A., GG, SGPS, S.A., e HH, detentores de quotas correspondentes a 100% dos votos admitidos a votar esta deliberação.

  7. Tendo o Acórdão recorrido sido proferido em 27 de Janeiro de 2017 e a acta da deliberação de renovação datada de 2 de Março de 2017, é evidente que esta consubstancia um documento superveniente, admitindo-se que o Supremo Tribunal de Justiça tome conhecimento do mesmo, ao abrigo do artigo 680.°, n.°1, do Código de Processo Civil.

  8. Uma vez que a renovação/confirmação da deliberação ora anulada preenche os requisitos do artigo 62.°, n.°1, do Código das Sociedades Comerciais, não existem dúvidas, na presente data, sobre a validade da deliberação de ratificação de todas as remunerações auferidas pela gerência da Recorrente até 23.07.2008.

  9. A renovação da deliberação anterior faz com que o conteúdo da primeira deliberação seja integrado na nova deliberação que passa a ocupar o lugar daquela, podendo os Autores/Recorridos apenas reagir contra a deliberação renovadora – pois a deliberação renovada deixou de existir – numa nova acção, assente num novo e distinto pedido, e fundado numa diferente causa de pedir.

  10. Deixou, assim de ter qualquer sentido útil apreciar a validade da deliberação de ratificação, porquanto, com a sua renovação, aquela deixou de existir, não sendo esta a sede apropriada para apreciar a validade da renovação.

  11. Termos em que, a presente acção proposta pelos Recorridos deve ser julgada improcedente também quanto ao pedido de anulação da deliberação de ratificação das deliberações que fixaram as remunerações dos sócios gerentes.

  12. Este entendimento foi assumido por este Supremo Tribunal, por Acórdão datado de 31 de Outubro de 2006, ao decidir que: “Se no decurso de uma acção de anulação de deliberações sociais, concretamente após a interposição de recurso, a sociedade Ré vier dar conhecimento ao processo de que as deliberações julgadas nulas foram renovadas, deve o Tribunal recorrido, desde logo, julgar a acção improcedente, muito embora com custas a serem suportadas pela referida Ré” 14. Em sentido convergente, atente-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 25 de Maio de 2009, bem como os entendimentos perfilhados por Coutinho de Abreu e Pinto Furtado.

  13. Termos em que deve a decisão do Tribunal da Relação de Évora, que procedeu à anulação da deliberação de ratificação de todas as remunerações auferidas pela gerência da Recorrente até 23.07.2008, ser revogada e consequentemente ser a Recorrente absolvida do pedido.

  14. Não obstante, a deliberação em causa não sofria do vício apontado no Acórdão recorrido, pois da correcta aplicação do teste de resistência, resultaria que a mesma sempre teria sido aprovada, mesmo sem os votos dos sócios gerentes.

  15. É que, ainda que os sócios gerentes estivessem impedidos de participar na referida deliberação, - o que supostamente resultaria de a presente situação ter “contornos paralelos” aos impedimentos previstos nas alíneas a) e b), do artigo 251.° do Código das Sociedades Comerciais, no n.°2, do artigo 74.º do Código das Sociedades Comerciais e no n.º3, do artigo 75.° do Código das Sociedades Comerciais – a deliberação ora anulada sempre teria obtido a maioria dos votos.

  16. Isto porque, mesmo admitindo que haveria um impedimento de voto, é óbvio que um sócio gerente seria sempre admitido a votar a ratificação da remuneração de outro sócio gerente, pois como é óbvio, o impedimento verificar-se-ia, apenas, em relação à...

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