Acórdão nº 513/05.8TAOBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. PAULO GUERRA
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 9ª CC,1º, 3,69º, 3,348º,353º.500º CPP, 160º, 3 CE Sumário: A omissão de entrega da carta de condução no prazo fixado não constitui crime de desobediência.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

No processo comum singular n.º 513/05.8TAOBR do Juízo de Instância Criminal da Comarca do Baixo Vouga, o arguido A...

, devidamente identificado nos autos, foi absolvido da prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b) do C.Penal, pelo qual havia sido acusado.

2.

Inconformado, o Ministério Público recorreu da sentença absolutória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. Atenta a factualidade julgada como provada nestes autos, na sentença proferida nos autos de processo sumário n.° 279/04.9GBOBR, foi cominado com o crime de desobediência a falta da entrega da carta de condução do arguido no prazo de dez dias após o trânsito, que ocorreu em 02 de Novembro de 2005, para efeitos de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir.

  1. Com o trânsito em julgado da sentença dos autos de processo sumário n.° 279/04.9GBOBR, consolidaram-se na Ordem Jurídica todos os efeitos penais dali decorrentes, nos termos do art. 467.°, n.° 1, do Código de Processo Penal.

  2. Não poderá uma segunda decisão judicial — a de que ora se recorre, após o trânsito daquela primeira decisão, apreciar agora a legalidade e a legitimidade daquela cominação com a prática de um crime de desobediência, nos termos do art. 348.°, n.° 1, ai. b), do Código Penal, pela falta de entrega da carta de condução no prazo de dez dias após o trânsito.

  3. Não será de efectuar uma interpretação minimalista do artigo 348°, n.° 1, ai. b) do Código Penal, pois, caso contrário estar-se-ia a esvaziar a norma nos casos em que a advertência é feita, como o foi na sentença condenatória proferida no processo sumário n.° 788/03.7GBOBR, a fim de garantir o cumprimento da pena acessória por parte do arguido e, nessa medida, protege a autonomia intencional do Estado de Direito.

  4. O crime de desobediência consumou-se com a omissão do acto determinado, consubstanciada, in casu, com a falta de entrega da carta de condução no prazo de dez dias após o trânsito.

  5. Se se entender que não é legítimo ao Tribunal cominar a falta de entrega com a prática do crime de desobediência, e se o arguido recusasse a entrega da carta perante a autoridade policial, nos termos do art. 500.°, n.º 3, do Código de Processo Penal, não haveria quaisquer consequências para o incumprimento.

  6. Com efeito, se o Tribunal não puder desde logo na sentença cominar com a prática de crime a falta de entrega da carta de condução, também a autoridade policial, num segundo momento que viesse a ocorrer e na sequência do art. 500.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, não poderia cominar com tal crime a eventual e reiterada falta de entrega daquele documento por parte do arguido perante as autoridades policiais.

  7. A falta de entrega voluntária da carta e não se logrando proceder à apreensão daquele documento nos termos do art. 500.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, levaria à ausência de quaisquer consequências para a recusa do arguido em cumprir a pena acessória a que está obrigado.

  8. A eventual recusa de o arguido cumprir com a pena acessória, traduzida na falta da entrega da carta de condução, parece-nos ser merecedora de suficiente dignidade a valorar em termos penais, pois, a assim não ser, equivaleria a admitir a possibilidade de deixar à consideração do arguido a decisão de cumprir ou não com tal pena acessória, ou de cumpri-la apenas quando entendesse, ao deixar-se impune uma eventual falta ou recusa de entrega da carta.

  9. A cominação com o crime de desobediência obsta à pretensão do arguido que pretenda subtrair-se ao cumprimento da pena acessória e reforça a confiança da comunidade na validade da norma penal violada.

  10. Aliás, como resulta provado do ponto 4.° da sentença, “ao desrespeitar a obrigação de entrega da carta de condução no prazo que lhe fora fixado para o efeito, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, ignorando a advertência que lhe fora dirigida pelo Meritíssimo Juiz, não obstante saber que, ao proceder dessa forma, estava a desobedecer a uma ordem regularmente emanada de autoridade competente”.

    Termos em que, atenta a factualidade julgada como provada, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida por violar o disposto nos art.°s 9°, n.°s 1 a 3, do Código Civil, art.° 348°, n.° 1, al. b), do Código Penal, e o art.° 467.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, e ser o arguido condenado pela prática do crime de desobediência simples por que vinha acusado».

    3.

    O arguido respondeu a tal recurso, defendendo a sentença recorrida e “devendo a mesma ser mantida no que tange à absolvição decretada, julgando todavia como não provados os factos imputados ao arguido por não poder ser a este imputada a prática de qualquer desobediência ou desrespeito a uma determinação emanada do poder judicial”.

    4.

    Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.

    5.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

    II – Fundamentação 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Assim, atento o teor das conclusões, a questão a decidir consiste em saber se é de manter ou não a ABSOLVIÇÃO do arguido pela prática do crime imputado na acusação dos autos – um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b) do C.Penal.

    Ou seja, o que se discutirá é se estão ou não perfectibilizados os requisitos objectivos para a subsunção ao citado crime de desobediência do comportamento do arguido em não entregar a sua carta de condução após uma condenação em pena acessória, apesar da cominação feita por um juiz.

    2. Da sentença recorrida 2.1.

    O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1. Nos Autos de processo abreviado n.º 279/04.9GBOBR, que correram termos na Secção Única do Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira do Bairro, foi o arguido, por sentença proferida em 6 de Janeiro de 2005 e transitada em julgado em 2 de Novembro de 2005, condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, pelo período de oito meses.

    2. Naquela data – 6 de Janeiro de 2005 -, foi o arguido advertido pelo Meritíssimo Juiz de que ficava obrigado a entregar a sua carta de condução, na secretaria do Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro ou em qualquer posto de policial, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado de tal decisão, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.

  11. Porém, não obstante tal advertência, o arguido não procedeu à entrega de qualquer título que o habilite a conduzir veículos motorizados, dentro do prazo para o efeito, nem justificou por qualquer modo tal omissão.

  12. Ao desrespeitar a obrigação de entrega da carta de condução no prazo que lhe fora fixado para o efeito, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, ignorando a advertência que lhe fora dirigida pelo Meritíssimo Juiz, não obstante saber que, ao proceder dessa forma, estava a desobedecer a uma ordem regularmente emanada de autoridade competente.

  13. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  14. O arguido tem o 6º ano de escolaridade; vive com a esposa (comerciante de mercearia); aufere mensalmente o montante de € 600 (motorista de transportes nacionais); vive em casa própria; não tem outros encargos, além dos normais.

  15. O arguido já foi anteriormente condenado no processo abreviado nº 279/04.9GBOBR, deste Tribunal, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 20.05.2004, na pena de € 700, extinto pelo pagamento em 19.09.2006.

    2.2 Inexistindo factos não provados, o tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição): «A convicção do Tribunal formou-se com base nas declarações do arguido, que afirmou saber que tinha de entregar a carta de condução; depôs de forma convincente sobre a sua situação pessoal, económica e familiar.

    Ajudou ainda a formar a convicção do Tribunal o Certificado de Registo Criminal junto aos autos a fls. 111-112 e a certidão de fls. 2 a 12, 19 a 47 e documento de fls. 70».

    3.

    APRECIAÇÃO DE DIREITO 3.1. Não se verificando qualquer dos vícios enunciados no artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal, consideram-se assentes os factos supra descritos, sendo certo que não foi, de todo em todo, impugnada a matéria de facto (o arguido não recorreu da sentença «a quo», apesar de defender, em sede de resposta, que não foi afinal feita qualquer cominação ou advertência à sua pessoa para entregar a carta de condução, não tendo este tribunal que se pronunciar sobre a matéria de facto, impoluta face ao teor das...

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