Acórdão nº 112/08.2GDCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. JORGE RAPOSO
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 152º, 410º, 412º CPP Sumário: 1. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: na “revista alargada” de âmbito mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal; através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º nº3, 4 e 6, do mesmo diploma.

  1. No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.

  2. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nº 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal.

  3. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.

  4. A sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: A que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; A que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;A que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;A que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado artigo 412º) Também neste sentido o Acórdão da Relação de Lisboa, de 10.10.07, noproc. 8428/2007-3, em www.dgsi.pt.

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  5. No crime de ameaças o que releva é a indispensabilidade de que o sujeito passivo tome conhecimento da ameaça, sendo irrelevante que a ameaça seja feita através de terceira pessoa.

    Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO O arguido A...

    , casado, aposentado, foi condenado, por convolação jurídica do imputado crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153° .º 1 e 155° al. a) do Código Penal, pela prática como autor material de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153° nº 1 do Código Penal, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de €: 7,50, fixando a prisão subsidiária em 43 dias.

    Foi julgado parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente contra o arguido e, em consequência, foi condenado no pagamento ao assistente da quantia de €:700,00 pelos danos não patrimoniais sofridos e absolvido do pedido de indemnização civil deduzido nos autos em tudo quanto excede a presente condenação.

    *Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. A douta sentença de fls. deve ser revogada.

  6. Para decidir quanto aos pontos de facto a), b) e e) da fundamentação, o Tribunal "a quo" valorou, essencialmente (se não unicamente...) os depoimentos das testemunhas R... e C....

  7. A 1ª das testemunhas (ver supra a referência à gravação) é a esposa do assistente Luciano.

  8. I.e., esposa do interessado directo na sorte dos autos (tanto mais que o assistente deduziu pedido de indemnização civil).

  9. A 2ª das testemunhas é prima do assistente (cf. acta de fls., aos costumes).

  10. Analisados ambos, constata-se que a testemunha C... - quanto ao facto supra referido em a) - referiu, de facto, em julgamento, que ouviu o arguido dizer "se ele cá voltar eu parto-o todo" (vide ainda a sentença de fls., ponto 1.3 "Motivação").

  11. O depoimento da testemunha não se afigurou isento nem credível.

  12. A testemunha C... não explicou adequadamente o motivo pelo qual, às 17hOO (hora a que ocorreram os factos, alegadamente), se encontrava na rua, de forma a ouvir as expressões alegadamente proferidas pelo arguido.

  13. A C... afirmou que "não viu" o arguido, mas tão-só que o "ouviu".

  14. Mais afirmou que, no fim da "discussão", se aproximou da prima - R... – tendo-lhe perguntado o que é que se tinha passado.

  15. Referindo que não viu o arguido.

  16. A C... referiu ainda que houve uma "discussão", ou seja, que a R... e o seu interlocutor trocaram afirmações.

  17. Todavia, instada a esclarecer o que foi dito pela prima, não soube esclarecer, afirmando "não se recordar" ou não ter percebido.

  18. Isto é, a C... revelou só ter ouvido o que fora afirmado pelo arguido...

  19. Arguido que, note-se, não viu.

  20. Só tendo associado os factos à pessoa do arguido porque a prima - R... -lhe disse que era o arguido quem ali tinha estado (i.e., depoimento indirecto...).

  21. Ambas as testemunhas, C... e R..., na parte que respeitava ao conteúdo das afirmações alegadamente proferidas pelo arguido, reproduziram, "ipsis verbis", sem qualquer hesitação, e em puro decalque, trechos integrais das acusações, pública e particulares.

  22. Fazendo-o relativamente a factos ocorridos há cerca de um ano – considerando a data do julgamento – e sem qualquer motivo aparente para tão apurada memória (note-se que a testemunha C..., espontaneamente, referiu ter ficado com a sensação de que devia "memorizar" a data para fins judiciais... I).

  23. Ainda quanto ao ponto a) da matéria de facto, as testemunhas C... e R... não conseguiram evitar algumas (evidentes e sonantes) contradições.

  24. Do exposto resulta uma evidente (ainda que frágil...) articulação entre os depoimentos das referidas testemunhas, "traída" pelo aspecto dissonante do teor da discussão.

  25. Com efeito, a testemunha C... "inovou", dizendo que houve troca de palavras entre a prima e o arguido, enquanto a R... referiu em Tribunal, num primeiro momento, que disse ao arguido (em face das referidas expressões) "diga lá outra vez"/"repita lá isso", e num segundo momento, que teria balbuciado apenas "hã", "hã"...

  26. Se a esta realidade somarmos o facto de que o arguido referiu não ter visto a testemunha C... no local (coincidindo com a mulher do assistente no ponto segundo o qual esta estava acompanhada de uma criança de colo), 23. E de não se ter apurado a distância concreta a que esta estava do local onde a "discussão" teve lugar, nem o "tom" em que as palavras foram proferidas (i.e., permitindo apurar se estava ou não em condições de ouvir a discussão), 24. Afigura-se difícil convencermo-nos de que a referida C... esteve de facto no local, 25. E que ouviu realmente o que afirmou ter ouvido.

  27. Com efeito, para quem esteve no julgamento - como o ora subscritor - foi por demais evidente o "desconforto" exibido pela testemunha C... (contrastando, em boa verdade, com a "segurança" exibida pela mulher do assistente...), expresso no riso nervoso e forçado, no constante desvio do olhar e no permanente esfregar de mãos...

  28. O que, em nosso - sinceramente (bem) modesto - entender, justifica a renovação da prova, permitindo ao Tribunal "ad quem", pela imediação com a prova, aperceber-se das incongruências relevadas pelo Tribunal "a quo".

  29. Considerando-se como não provada a matéria de facto constante dos pontos a) e b) da fundamentação da sentença de fls.

  30. Note-se que a mesma testemunha, C..., referiu que "medo, medo... não, não sei, acho que sim... não sei" (em resposta à questão sobre se o assistente teria sentido medo em resultado das expressões alegadamente proferidas pelo arguido).

  31. Conduzindo a que, na insuficiência do depoimento da testemunha "directa" C..., se dê como não provada a matéria constante do ponto e) da fundamentação.

  32. Acresce que, e ainda quanto ao ponto e) da fundamentação, diga-se que - sem prescindir - os factos imputados ao arguido deveriam ser idóneos a causar medo (de acordo com a teoria objectivo-individual).

  33. Ora, se de facto o assistente tivesse sentido mal estar, nervosismo e inquietação em consequência da conduta do arguido - cf. ponto e) -, decerto teria deixado de passar no caminho, com medo de que as represálias prometidas se concretizassem efectivamente.

  34. Todavia, ninguém foi capaz de o afirmar de modo sério e convincente.

  35. Do exposto decorre que o "medo" sentido pelo assistente é mais "nominal" do que "real", não se sustentando em factos concretos, como deveria.

  36. Assim, não nos parece que tais expressões tenham sido adequadas a causar receio ou medo por parte do assistente de que as mesmas pudessem ser concretizadas.

  37. Pelo que, não se verifica o preenchimento do crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153°, nº 1, do CP, devendo absolver-se o arguido, com as...

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