Acórdão nº 97/02.9TAORQ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução09 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REJEITADO Sumário: 1. O n.º9 do art. 113.º do CPP delimita o âmbito da sua aplicação, ao elencar cronologicamente os actos processuais em que se desenrola a tramitação do processo em 1.ª instância, começando pela acusação e terminando na sentença. Fora destes casos, a notificação é feita na pessoa do defensor ou advogado, os quais exercem os direitos que a lei lhes reconhece.

  1. A notificação da designação do dia para julgamento que a lei impõe seja feita não só ao assistente como ao respectivo advogado é tão somente aquela a que alude o art. 313.º n.º1 e 2 do CPP e não todas aquelas outras relativas a sessões subsequentes do julgamento decorrentes de interrupções da audiência. Essas podem e devem ser feitas apenas ao advogado que o representa, a menos que ao assistente hajam de ser tomadas declarações.

  2. Não tendo os assistentes demonstrado um real e verdadeiro interesse na pretensão de agravamento, em termos de espécie, da pena imposta ao arguido, e sendo certo que a argumentação por eles expendida na motivação do recurso respeita exclusivamente ao interesse punitivo do Estado, cuja defesa lhes não pertence, forçoso é concluir, em consonância com a doutrina do “Assento nº 8/99”, pela ilegitimidade daqueles para recorrer visando uma alteração da matéria de facto, uma alteração da qualificação jurídica e um agravamento da pena imposta ao arguido.

    Decisão Texto Integral: Acordam, precedendo conferência, na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Évora I - Relatório No processo comum singular com o NUIPC acima referido do tribunal Judicial de Ourique, foi acusado o arguido A.D.S. pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo art. 137.º n.º1 do Código Penal.

    Os assistentes M.A.S. e P.A. aderiram à acusação do Ministério Público e imputaram ainda ao arguido a prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.291.º do CP, vindo, nesta parte, a acusação dos assistentes a ser rejeitada por despacho de fls.249.

    Deduziram ainda os assistentes contra o arguido pedido de indemnização civil nos termos constantes de fls.170 a 175 impetrando a condenação do demandado no pagamento da quantia global de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais emergentes do acidente em que perdeu a vida o filho dos demandantes, com juros de mora, à taxa legal.

    O arguido apresentou contestação à acusação do Ministério Público e dos assistentes, bem como ao pedido de indemnização formulado, como consta de fls.237 a 242, pugnando pela absolvição da prática do crime que lhe foi imputado e pela absolvição da instância em relação ao pedido cível, por ser parte ilegítima.

    Realizado o julgamento, o tribunal de Ourique, por sentença de 27 de Junho de 2008, decidiu: A) Julgar o arguido-demandado, A.D.S., parte ilegítima na acção cível, absolvendo-o da instância relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes M.A.S.

    e P.A.

    , nos termos do disposto nos artigos 288.º, n.º1, alin. d), 493.º, n.º2 e 494.º, n.º2, alin. e) do CPC; B) Julgar a acusação procedente e, em consequência, condenou o arguido, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros); o que perfaz o montante global de €1260,00 (mil duzentos e sessenta euros).

  3. Inconformados com o assim decidido, e com despacho prévio à sentença, mas proferido na mesma data, que julgou improcedente nulidade suscitada pelos assistentes M.A.S.

    e P.A.

    vieram estes, em 24 de Julho de 2008 (v. fls.408) interpor o presente recurso, do qual extraíram as seguintes conclusões: “1. O Tribunal a quo indeferiu a arguida nulidade de falta do assistente por falta de notificação prevista no artigo 120°, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal; 2. Sendo certo que a data foi notificada ao Mandatário dos Assistentes, o mesmo não se pode dizer quanto aos Assistentes propriamente ditos; 3. Prescreve o artigo 113° n.° 9 do CPP que "As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado.

    Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; ("...)” (sublinhado nosso); 4. Assim, não foi dado cumprimento ao disposto no n.° 9 do art. 113°, o que acarreta a nulidade prevista na alínea b) do n.° 2 do art. 120° CPP.

  4. No que diz respeito à contradição existente entre a fundamentação e a decisão, surge da fundamentação de que resulta das regras da experiência da vida que as declarações prestadas pelo Arguido na data e imediatamente após o acidente seriam as mais fidedignas pela incapacidade de improviso; 6. No entanto, o Tribunal a quo já não se serviu dessa tese para dar como provado o facto de o Arguido ter adormecido ao volante, como o próprio referiu ao Agente N.F, resultando numa evidente contradição.

  5. Vinha o Arguido acusado da prática em autoria material e da forma consumada do crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 137° do Código Penal; 8. Porém, foi produzida em audiência prova suficiente que permite concluir pela existência de negligência grosseira; 9. Foi produzida prova de que o Arguido adormeceu e perdeu o controlo do veículo, entrou em despiste, capotando o veículo quatro ou cinco vezes para fora da estrada até se imobilizar a 400 ou 500 metros; 10. O Arguido agiu de uma forma temerária, omitindo, de forma flagrante e notória, os mais elementares cuidados que devem ser observados na condução rodoviária, comportando-se com elevado grau de imprudência, revelando grande irreflexão e insensatez; 11. A negligência do Arguido deve ser qualificada como grosseira, prevista e punida pelo n.º 2 do art. 137° do referido diploma, agravando a moldura penal em pena de prisão até 5 anos e excluindo a pena de multa.

  6. Sem prescindir, o Arguido foi condenado a pena de multa de 180 dias à razão diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante global de €1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros) que se afigura muito leve e insignificante, face ao valor do direito que aqui foi violado Termos em que, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente recurso, e por vai disso; Ser deferida a arguida nulidade e, em consequência, ser ordenada a repetição da Audiência de Julgamento para a qual não foram notificados os Assistentes; Ser ordenada a correcção da sentença, suprimindo-se a contradição entre a fundamentação e a decisão, levando assim à agravação da condenação do arguido A.D.S. por ter cometido o crime em que foi condenado usando de negligência grosseira, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!” Responderam ao recurso Ministério Público e o arguido, ambos sustentando a improcedência do mesmo (cf. fls.450 a 459 e 434 a 447).

    O Ministério Público formulou as seguintes conclusões: 1) O objecto do presente recurso (conforme configurado pelos Assistentes) consiste em apreciar a existência do vício de nulidade traduzida na ausência dos assistentes na audiência de julgamento, por falta de notificação, nos termos do disposto no art. 120°, n° 2, al. b) do C.P.P. e a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão; 2) No que respeita à arguição da nulidade consubstanciada na ausência dos assistentes por falta de notificação, sempre se dirá (salvo melhor opinião) que não cabe em sede do presente recurso apreciar tal questão; 3) Com efeito, a decisão que indeferiu a apreciação da nulidade invocada pelos recorrentes não é uma decisão sobre o mérito da causa e, como tal, rege-se por regras totalmente diferentes dos recursos de decisões finais, desde logo no que respeita ao momento da subida quer quanto ao efeito respectivo; 4) A tal há a acrescer que o despacho que recaiu sobre a arguida nulidade, ao contrário do que os ora recorrentes alegam, não faz parte integrante da sentença final proferida nos autos, pelo que o recurso nunca poderia ser unitário; assim, e sem necessidade de maiores considerações, deverá o recurso dos assistentes nesta parte ser rejeitado; 5) Vêm, ainda, os assistentes recorrer da decisão de mérito que condenou o arguido em pena de multa pela prática de um crime de homicídio por negligência; 6) A tal respeito dever-se-á ter em conta o disposto no art. 401°, n° 1, al. b) do C.P.P., que dispõe a tal respeito que têm legitimidade para recorrer (...) o arguido e o assistente (de decisões contra eles proferidas); 7) Da leitura atenta do art. 401° do C.P.P. resulta que, além do requisito da legitimidade (previsto no n° 1 daquele preceito legal), há também que aferir do interesse em agir (cfr. n° 2), ou seja, determinar a necessidade do recorrente de lançar mão deste meio de impugnação para fazer valer um seu direito; 8) Com efeito, é opinião unânime na jurisprudência que o assistente não pode recorrer de decisão condenatória desacompanhado do Ministério Público, sempre que o recurso tenha por objecto a medida da pena, tal como refere o douto acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. de 30/10/1977; 9) Compulsado o teor das conclusões dos recorrentes, extrai-se das mesmas que estes discordam da pena aplicada ao arguido, pugnando pela condenação deste em pena superior, alegando para tal a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão; 10) Face ao exposto, deverá o presente recurso ser rejeitado por falta de legitimidade processual dos recorrentes, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 414°, n° 2 e 401°, n° 1, al. b) do C.P.P., ficando prejudicada a apreciação do objecto do recurso...

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