Acórdão nº 197/16 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução13 de Abril de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 197/2016

Processo n.º 465/2015

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, na 3.ª secção, do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. A A., SGPS, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, pedindo a declaração de ilegalidade e a anulação parcial da autoliquidação de IRC referente ao exercício fiscal de 2011, na parte relativa às tributações autónomas, suscitando a inconstitucionalidade das disposições do artigo 88.º, n.° 13, alíneas a) e b), e n.º 14 do Código do Imposto sobre as Pessoas Coletivas (CIRC).

    Por decisão de 24 de abril de 2015, o Tribunal Arbitral julgou improcedente o pedido, pelo que a autora recorreu para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das referidas disposições do CIRC.

    Tendo o processo prosseguido para decisão de mérito, a recorrente apresentou alegações em que formula as seguintes conclusões:

    1. Não são constitucionalmente admissíveis normas (artigo 88.°, n.° 13, alíneas a) e b), do CIRC) que penalizam fiscalmente a uma taxa de 35%, que pode chegar a 45%, exclusivamente despesas suportadas com remunerações (variáveis e por cessação de funções) devidas ao universo constituído por administradores, gerentes ou gestores.

    2. Não são constitucionalmente admissível normas (artigo 88.°, n.° 13, alíneas a) e b), do CIRC) por virtude das quais a tributação global, direta e indireta, sobre o rendimento, origina o pagamento de imposto que facilmente se aproxima dos 1 OO% do rendimento e pode mesmo ultrapassá-lo (violação do princípio da proporcionalidade e da proibição de confisco ou da propriedade privada).

    3. Não é constitucionalmente admissível (arbitrariedade, desadequação do meio lesivo do património da empresa — princípio da proporcionalidade — e interferência fiscal injustificada com a gestão e propriedade privadas) um regime de tributação que a pretexto de lidar com o potencial desligamento das remunerações variáveis atribuídas a administradores, gerentes ou gestores, dos resultados e contas das empresas, deixa de fora as remunerações fixas e com isso incentiva fiscalmente o reforço desta componente da remuneração, isto é, incentiva justamente o reforço da componente remuneratória que por definição se apresenta mais desligada dos resultados e contas, anuais ou plurianuais, da empresa.

    4. Caso se veja uma finalidade primacialmente extrafiscal (Pigouvian taxes) na norma constante do artigo 88.°, n.° 13, alíneas a) e b), do CIRC, a suposta finalidade de coartar remunerações desligadas dos resultados e contas da empresa é desadequada e prosseguida em excesso, por estas duas razões adicionais ainda: é desadequada porque medida legislativa adequada e eficaz, e que tem ainda a virtude de não contender com princípios constitucionais, é a que tratasse de impor a recuperação junto dos próprios administradores (autores da gestão enganosa) da remuneração variável em causa; e é excessiva porque se a preocupação primacial for realmente a indicada (por oposição a obter receita) não se percebe por que razão não se prevê a devolução do imposto caso no final dos três anos referidos na alínea b) do n.° 13 do artigo 88.° do CIRC se confirme o desempenho positivo da sociedade a que a norma alude. Donde a inconstitucionalidade também por mais esta razão: na medida em que a norma não prevê o reembolso da tributação autónoma caso no final do período de três anos que acolhe se confirme o desempenho positivo da empresa.

    5. Não é constitucionalmente admissível, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, sujeitar ao castigo da tributação autónoma prevista na alínea b) do n.° 13 do artigo 88.° do CIRC, também a parte da remuneração variável que se contenha alternativamente dentro de um dos dois limites excludentes dessa tributação (valor absoluto igual ou inferior a € 27.500, ou valor relativo igual ou inferior a 25% da remuneração anual do administrador). Para além do mais, é de realçar que o princípio da proporcionalidade diz-nos que a medida (no caso, que atinge o património/propriedade da empresa) não deve ir além do necessário. Ora, é desnecessário para combater fiscalmente o alegado excesso remuneratório legalmente balizado por referência àquelas duas fasquias, tributar também a parte do todo que nelas se contém.

    6. A norma que exige imposto adicional a quem apresente prejuízos fiscais, do n.º14 do artigo 88.° do CIRC, colide frontalmente com os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e do rendimento real (é a antítese deles).

    7. Mesmo que se veja na referida norma um objetivo primacialmente extrafiscal (desincentivar remunerações variáveis a gestores, encargos com frota automóvel, etc.), e se lhe reconheça e ao meio usado para o servir, legitimidade constitucional para atingir o património e gestão privadas, não é ainda assim constitucionalmente admissível que a norma do n.° 14 do artigo 88.° do CIRC, imponha um agravamento em dez pontos percentuais de todas as tributações autónomas sobre despesas e encargos (incluindo atribuição de bónus) pelo simples facto de a sociedade incorrer em prejuízos fiscais, mesmo que (na interpretação que se contestou sem sucesso) se prove que o apuramento de prejuízos fiscais é uma mera consequência técnica de algumas normas fiscais, não refletindo prejuízo económico, prejuízo real, de espécie alguma.

    8. São violadas pelas referidas normas e pelas referidas razões, os seguintes artigos e princípios constitucionais: 2.° (Estado de Direito democrático, com os inerentes princípios da proporcionalidade e da igualdade), 13.° princípio da igualdade), 18.°, n.°s 2 e 3 (princípio da proporcionalidade), 62.° (direito de propriedade privada), 80.°, alínea c) (liberdade de iniciativa e de organização empresarial), 81.°, alínea f) (liberdade de gestão empresarial, que tem por contraponto um Estado que promove a neutralidade por oposição a criar distorções), 82.°, n.°s 1 e 3 (garantia de existência do setor privado) e 86.°, n.° 2 (proibição de intervenção por parte do Estado na gestão das empresas privadas), 103.°, n.° 1 e 104.°, n.° 2 (princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real e, em conjugação com o princípio da igualdade, princípio da capacidade contributiva), todos da Constituição da República Portuguesa.

    A Autoridade Tributária e Aduaneira, na qualidade de recorrida, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

    1. Desde logo se diga que a razão de ser das tributações autónomas se fixa no desincentivo do tipo de despesas que tributam, as quais, pela sua natureza, são propiciadoras de pagamento de rendimentos camuflados, permitindo, em última análise, às empresas reaver (até) algum imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário efetivo dos rendimentos, transferindo a responsabilidade deste para a esfera de quem paga esse rendimento.

    2. O que, só por si, lhes confere uma clara natureza antiabuso, manifestamente acessória/complementar à tributação segundo a capacidade contributiva revelada pelo rendimento, ainda que só aparentemente em prejuízo da tributação do rendimento real (leia-se, com base na contabilidade), porquanto o que com elas se pretende é justamente prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos.

    3. É justamente a sua função antiabuso que legitima as tributações autónomas à luz do princípio da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade.

    4. No caso concreto, a norma em questão, cuja ilegalidade a Recorrente sindica, é a do artigo 88.°, n.° 13 do CIRC, sendo que tal norma pode ser considerada como de um combate específico a comportamentos considerados de risco ou potencialmente suspeitos, - a atribuição de bónus e outras remunerações variáveis excessivamente elevados e bem assim de indemnizações pagas pela cessação de funções - a tentativa de remediar uma falha criada e existente no sistema que, por isso, surge no horizonte (e na redação) das tributações autónomas.

    5. Claramente, o objetivo do legislador esteve em desencorajar as sociedades dos variados setores em remunerar, excessivamente, os seus órgãos sociais, especificamente durante um período de franca carência, de agravamento de dívida pública e de recessão económica, exaurindo com isso os ativos societários.

    6. Para além do desencorajamento, na base da tributação que se discute, estiveram razões atinentes a uma mais justa repartição de encargos tributários e de moralização progressiva de políticas remuneratórias das empresas.

    7. Deste modo, não se limitando a tributação autónoma ao fim clássico a que, por regra, se propõem os impostos - à obtenção de meios destinados à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas -, mas também prosseguindo objetivos extrafiscais, como sejam a redistribuição equitativa da riqueza e a justa repartição dos encargos.

    8. Assim, não se está perante uma tributação discriminatória, um imposto de ciasse, que afronte os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da tributação sobre o rendimento real.

    9. Nos termos do artigo 104.°, n.° 1, al. b) do CIRC, é aos sujeitos passivos pessoas coletivas - e não às pessoas singulares - quem cabe pagar o imposto, que resultará do apuramento, preenchimento e apresentação da declaração de rendimentos.

    10. Ou seja, é sobre as pessoas coletivas (e não sobre os trabalhadores) que recai a obrigação do pagamento do imposto, sendo que é sobre elas que recai a norma de incidência prevista no artigo 88.° do CIRC e não sobre os trabalhadores.

    11. É, por isso, falaciosa a primeira questão sugerida pela Recorrente, dado que as tributações autónomas tributam despesas, com base no pressuposto de que as mesmas servem para pagar (camufladamente) a terceiros rendimentos que pela sua natureza seriam tributados e/ou, bem assim, servem como instrumento para repor uma maior justiça fiscal, uma maior igualdade na...

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