Acórdão nº 0542/18.1BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução13 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

******** Processo n.º 542/18.1BEPRT (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.RELATÓRIO “B..., S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30-07-2023, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o indeferimento do recurso hierárquico que interpôs do despacho de 06.09.2017 que indeferiu a reclamação graciosa apresentada da liquidação de IRC nº ...95, do exercício de 2012 no valor de € 85.449,48 e liquidação de IRC nº ...10, do exercício de 2013 no valor de € 50.284,97. Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) 1. O presente recurso visa obter a revogação da douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP) no processo de impugnação judicial nº 542/18.1BEPRT, da Unidade Orgânica 4, que julgou a impugnação improcedente. 2. Com efeito, na petição da impugnação judicial a ora recorrente alegou vícios cometidos pela AT na aplicação que pela mesma AT foi feita do disposto na alínea c) do nº 4 do art. 69º do Código do IRC, traduzidos na violação, quer de princípios e normas de Direito da União Europeia quer de princípios constitucionais, uma vez, que, na opinião da impugnante, de tais princípios e normas resulta que a referida norma do Código do IRC não é aplicável às sociedades dominantes do RETGS. O mesmo é dizer, não é aplicável ao caso dos autos. 3. Todavia, a sentença recorrida, não acolhendo o defendido pela impugnante, julgou a impugnação improcedente, e porque com ela não se conforma, apresenta-se o presente recurso, o qual, portanto, visa a revogação daquela sentença. Vejamos. 4. A questão que se coloca é a de saber se deve ou não considerar-se admissível que relativamente ao mesmo regime - RETGS - o legislador crie distinções entre sociedades dominantes residentes em Portugal e as sociedades dominantes residentes em outro Estado-Membro da União Europeia (UE) ou no Espaço Económico Europeu (EEE), exigindo que, para poderem revestir a natureza de sociedades dominante do RETGS, as primeiras não fossem portadoras de prejuízos nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, mas já permitindo que as segundas sejam portadores desses prejuízos. 5. A nosso ver uma tal distinção constituiria uma violação dos princípios e normas de Direito Comunitário, nomeadamente do princípio da liberdade de estabelecimento, consagrado nos arts. 49º e 54º do Tratado de Funcionamento sobre a União Europeia (TFUE), na medida em que trataria as sociedades dominantes residentes em Portugal de forma diferente das sociedades residentes noutros Estados-Membros da UE ou do EEE. 6. Afigura-se-nos ser jurisprudência consolidada do TJUE que o princípio da liberdade de estabelecimento “compreende, para as sociedades constituídas nos termos da legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede estatutária, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal na Comunidade Europeia, o direito de exercer a sua atividade noutros Estados-Membros através de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência” (v. Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 23 de Fevereiro de 2006, Keller Holding, C-471/04, n.º 29, e de 15 de Maio de 2008, Lidl Belgium, C-414/06, n.º 18). 7. De acordo com o seu teor literal as disposições do TFUE relativas à liberdade de estabelecimento são as que “visem assegurar o direito a um tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, opõem-se igualmente a que o Estado-Membro de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado-Membro de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação” (Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 16 de julho de 1998, ICI, C-264/96, n.º 21; de 6 de dezembro de 2007, Columbus Container Services, C-298/05, n.º 33, e Lidl Belgium, já referido, n.º 19). 8. Assim, é entendimento do TJUE que “admitir que um Estado-Membro possa aplicar livremente um tratamento diferente unicamente pelo facto de a sede de uma sociedade estar situada noutro Estado-Membro esvaziaria as regras relativas à liberdade de estabelecimento da sua substância” (v., neste sentido, Acórdão do TJUE, de 27 de novembro de 2008, Papillon, C- 418/07, nº 26; Acórdão do TJUE de 28 de janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, n.º 18, e Acórdãos do TJUE de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft, C-397/98 e C-410/98, n.º 42). 9. Deste modo e salvo melhor opinião, se acolhêssemos a tese da sentença recorrida o que teríamos era que o requisito referente aos prejuízos a que alude a al. c), do nº 4 do art.º 69.º do CIRC é aplicável, tanto a sociedades dominantes como a dominadas, estaríamos a reforçar uma desigualdade de tratamento em função do lugar em que se encontra instalada a sociedade dominante (em Portugal ou noutro Estado-membro da EU), o que seria inadmissível no plano comunitário (cfr., entre outros, nºs. 31 e 32, Acórdão Papillon, C-418/07 de 27 de novembro de 2008), o que se traduzia numa discriminação em face do direito comunitário, uma vez que impor-se-ia um tratamento diferenciado em relação a dois grupos empresariais que se encontrem numa posição substancialmente idêntica, exceto no que diz respeito ao fator que dá origem à distinção e que, neste caso, se traduz no local onde está estabelecida a sociedade dominante (neste sentido veja-se, nomeadamente, o Acórdão Schumacker, C-279/93, o Acórdão Asscher, C-107/94 e o Acórdão Royal Bank of Scotland, C-311/97). 10. A alínea c) do nº 4 do art.º 69º do CIRC pretende acautelar a fraude e a evasão fiscais relacionadas com a aquisição de sociedades com prejuízos; tal objetivo é concretizado, tanto no caso em que a sociedade dominante tem a sua sede ou direção efetiva em Portugal como no caso em que a sociedade dominante tem a sua sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia. 11. E não se vislumbra que as justificações tipicamente apresentadas pelo TJUE permitam justificar a discriminação que é patente no caso destes autos, visto que de nenhuma delas se consegue descortinar uma razão para o legislador manter o normativo em causa, ou seja, tratar diferentemente as sociedades dominantes residentes em território português das sociedades dominantes não residentes na UE ou no EEE (v., entre outros, Acórdão proferido pelo TJUE, em 12 de junho de 2014, nos Processos apensos nºs C-39/13, C-40/13, da análise a normas semelhantes às aqui em causa, o TJUE entendeu que elas traduzem um tratamento fiscal diferente e discriminatório em razão da localização da sociedade dominante). 12. Vejam-se as Diretivas Comunitárias que regulam vários aspetos relativos à tributação dos grupos de sociedades, nomeadamente a Diretiva 2011/96/UE, de 30 de Novembro de 2011, com as várias alterações que sofreu (Diretiva 2014/86/UE do Conselho, de 8 de julho de 2014), e a Diretiva 2015/121 do Conselho, de 27 de janeiro de 2015, sendo que foi a Diretiva de 2014 que levou à introdução do art.º 69º-A pela Lei 82-C/2014, de 31 de dezembro, pelo que se mantêm e reforçam os objetivos que esta prossegue, nomeadamente da aproximação dos regimes vigentes no direito interno e no plano comunitário. 13. Além do exposto, reforçam o que foi dito, a Diretiva 2009/133/CE, de 19 de outubro de 2009, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma sociedade europeia (SE) ou de uma sociedade cooperativa europeia (SCE) de um Estado-Membro para outro, e a Diretiva do Conselho 2003/49/CE, de 3 de junho de 2003, relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efetuados entre sociedades associadas de Estados-Membros diferentes. 14. E todos estes mecanismos têm como objetivo não sujeitar a condições menos favoráveis os grupos constituídos pelo direito interno em face do direito comunitário, pelo que se reforça uma violação do direito comunitário, nomeadamente do art.º 26º do TFUE, violação que, desde já, se invoca, visto que as disposições fiscais aqui em causa, fundamentalmente o já referido art.º 69º, nº 4, c), do CIRC, se interpretado no sentido que lhe é dado pela douta sentença, criam uma restrição ao mercado interno e dificultam a criação de grupos de sociedades em face dos grupos constituídos de acordo com o Direito da União Europeia. 15. E nem se diga que à data dos factos, isto é, nos períodos de tributação de 2012 e 2013, o ordenamento português estava conforme o Direito Comunitário, na medida em que a Lei nº 82-C/2014, de 31 de dezembro, apenas se aplica a períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2015. 16. Com efeito, o facto de o legislador nacional não adequar atempadamente o ordenamento jurídico interno ao Direito Comunitário não impede que o contribuinte invoque uma norma comunitária com vista a obter uma interpretação das normas internas conforme ou compatível com o Direito Comunitário (cfr. Acórdãos do Tribunal de Justiça, processos C- 221/88, C-80/86). 17. O Direito da União Europeia constitui um primado em face de todo o Direito interno, sendo, portanto oponível a todo o Direito estadual (QUADROS, Fausto, “Direito da União Europeia”, Almedina, pp. 403.) . 18. E no que diz respeito às Diretivas atrás mencionadas há que reconhecer-lhe efeito direto (cfr. Acórdão do TJUE, processo C-555/07), efeito direto este reconhecido no art.º 288.º do TFUE (ex-artigo 249.º do TCE). 19. Do exposto resulta que, se sem prejuízo de eventual responsabilidade do Estado por não adequar atempadamente o direito nacional, deve o direito interno ser interpretado em conformidade com o Direito da União Europeia, não restando quaisquer dúvidas de que não pode ser exigível à sociedade...

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