Acórdão nº 01157/11.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMargarida Reis
Data da Resolução11 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RElatório B., SA, inconformada com a sentença proferida em 2021-02-03 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a ação administrativa especial por si deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisões (SACR) da Direção de Finanças do Porto, exarado sob a Informação n.º 03/2011 daquele SACR, que indeferiu o requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis que apresentou em 2010-12-23 nos termos do disposto no artigo 139.º do CIRC com referencia ao prédio sito na freguesia da (...), (...), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1782 e da fração autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na freguesia de (...), (...), inscrito na matriz predial urbana sob artigo 3112-G, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: III. CONCLUSÕES 1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças do Porto, Exmo. Sr. C., datado de 12.01.2011, exarado na Informação n.º 03/2011 daquele Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 2024/0208, de 12.01.2011, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Autor em 23.12.2010, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de (...), concelho de (...), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1782 e da fração autónoma designada pela Letra “G” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na freguesia de (...), concelho de (...), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 3112-G; 2.ª Não pode, todavia, proceder o entendimento da sentença recorrida; 3.ª Salvaguardando o devido respeito, considera o Recorrente que a sentença em apreço incorre em erro de julgamento sobre a matéria de direito quanto ao pedido de anulação do ato administrativo, de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de erro de julgamento sobre a matéria de direito quanto ao pedido de condenação à prática de ato administrativo devido, em substituição do ato praticado; 4.ª Em primeiro lugar, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento sobre a matéria de direito quanto ao pedido de anulação do ato administrativo, devendo, por conseguinte, ser objeto de anulação; 5.ª No que concerne ao primeiro dos erros de julgamento sobre a matéria de direito quanto ao pedido de anulação de ato administrativo, aquele respeita à invocada inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC por violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, ínsito no artigo 26, n.º 1, da CRP; 6.ª Tal violação consubstancia-se, desde logo, na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 139.º do Código do IRC, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo – e até de terceiros –, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário; 7.ª Muito embora se reconheça o direito do Estado a cobrar impostos, assim como o objetivo de combate à fraude e evasão fiscal, tal não pode restringir, sem mais, o direito à intimidade da vida privada, quer do sujeito passivo, quer dos terceiros envolvidos; 8.ª O legislador pretendeu consagrar, naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC um regime especial de derrogação do sigilo bancário que visou exigir ao sujeito passivo a apresentação das autorizações para aceder à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao sigilo bancário e providenciando pela renúncia voluntária ao mesmo sigilo de um terceiro, seu administrador à data da transmissão, não tendo, para esse efeito, acautelado minimamente a possível violação daquele direito à reserva da intimidade da vida privada; 9.ª Todavia, não pode justificar-se um levantamento, de forma leviana, do sigilo bancário, com a existência do sigilo fiscal, pois se assim fosse, então não se justificaria o sigilo bancário perante a administração tributária, o que seria, com o devido respeito, absurdo; não pode o Estado, in casu, a administração tributária, pretender conhecer detalhes sobre a vida pessoal dos seus cidadãos de modo absolutamente discricionário e arbitrário, como o que ora se escrutina; 10.ª Por outras palavras, a atuação da administração tributária deve, assim, ser balizada pelos princípios jurídico-constitucionais que se impõem e que protegem e garantem os direitos dos cidadãos/contribuintes, como seja o princípio da reserva da intimidade da vida privada; 11.ª Neste contexto, não é admissível o que se pretende com o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC: sem a obtenção e apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário – i.e., sem que o seu direito de reserva da intimidade da vida privada, e o de terceiros, seja violado – o sujeito passivo não pode, na prática, afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC; 12.ª Pelo que, é por demais evidente que o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, quando determina expressamente que apenas e só com a obtenção e apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário – ou seja, que apenas através da violação do direito do sujeito passivo e de terceiros à reserva da intimidade da vida privada – será possível afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC, incorre aquele em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, razão pela qual a referida decisão deve ser anulada, com as demais consequências legais; 13.ª Mas, para além da violação do referido princípio/direito uma outra ocorre em consequência da concretização do comando ínsito naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, qual seja, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva; 14.ª O efeito imediato da consagração do regime legal previsto na referida norma é o de que o sujeito passivo, ainda que absolutamente convicto da razão que lhe assiste, se retraia no que respeita à utilização do expediente legal em causa, sob pena de sacrificar o seu direito à reserva da intimidade da vida privada, o que não é admissível; 15.ª Com efeito, o sujeito passivo depara-se, perante aquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC e, inclusive, de impugnar judicialmente a própria liquidação de imposto ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC; 16.ª Pelo que, não pode deixar de concluir-se, em sintonia com a jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 442/2007, que o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC origina que o sujeito passivo renuncie a “(…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…)”, daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, a qual se materializa na decisão sub judice, que, por isso, deverá ser anulada com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP; 17.ª No que respeita à invocada inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, verifica-se, desde logo, uma colisão com aquele princípio, no que se refere às mencionadas vertentes da adequação e da necessidade porquanto, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 139.º, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma leviana que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito; 18.ª Existe, assim, uma manifesta desadequação dos meios em face dos fins a atingir, pois, não é aceitável que o exercício do direito consignado no artigo 139.º tenha como decorrência imediata o acesso à informação bancária do sujeito passivo e, fundamentalmente, de terceiros. Isto porque, a derrogação do sigilo bancário prevista naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC pressupõe que o sujeito passivo voluntariamente renuncie ao carácter sigiloso da sua informação bancária e que providencie por essa renúncia de um terceiro, sob pena de não poder lançar mão do expediente legal que lhe permite afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC; 19.ª Este atropelo desregrado das garantias de confidencialidade das informações bancárias do contribuinte, não sujeito a qualquer controlo de legalidade, afigura-se manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional; 20.ª E nem sequer se invoque que o acesso à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores é essencial ou imprescindível ou constitui o...

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