Acórdão nº 182/16 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução29 de Março de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 182/2016

Processo n.º 59/16

  1. Secção

Relator: Conselheiro Teles Pereira

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

  1. A A., S.A. (Impugnante e aqui Recorrente e Reclamante) deduziu impugnação judicial, nos termos dos artigos 99.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, visando o ato de liquidação e cobrança de taxas urbanísticas, realizado pelo Município de Lisboa (aqui Recorrido), dando assim origem a processo que correu os seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º 1694/08.4BELRS. Tal impugnação não foi precedida de reclamação dirigida ao Município de Lisboa.

    Na contestação, o Município de Lisboa sustentou que a circunstância da Impugnante não ter feito uso da reclamação prévia, conforme previsão do artigo 16.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro (que aprovou o regime geral das taxas das autarquias locais, doravante RGTAL), bloquearia a apreciação da impugnação, constituindo a reclamação graciosa pressuposto legal da impugnação judicial, nos termos do artigo 16.º do RGTAL, norma cuja redação é a seguinte:

    Artigo 16.º

    Garantias

    1 – Os sujeitos passivos das taxas para as autarquias locais podem reclamar ou impugnar a respetiva liquidação.

    2 - A reclamação é deduzida perante o órgão que efetuou a liquidação da taxa no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação.

    3 - A reclamação presume-se indeferida para efeitos de impugnação judicial se não for decidida no prazo de 60 dias.

    4 - Do indeferimento tácito ou expresso cabe impugnação judicial para o tribunal administrativo e fiscal da área do município ou da junta de freguesia, no prazo de 60 dias a contar do indeferimento.

    5 - A impugnação judicial depende da prévia dedução da reclamação prevista no n.º 2 do presente artigo.

    1.1. A fls. 509/513 foi proferida sentença, na qual se considerou verificada, de acordo com o n.º 5 do artigo 16.º do RGTAL, a insusceptibilidade de impugnação judicial autónoma em matéria de taxas cobradas pelas autarquias locais, uma vez que a reação contenciosa estaria, em regra, reservada para a decisão final do procedimento, dando à entidade liquidadora a possibilidade de pronúncia prévia. Assim, não tendo a Impugnante reclamado previamente à impugnação, concluiu a sentença que o ato tributário controvertido seria inimpugnável, ficando impedida a apreciação do mérito do pedido formulado e a emissão de qualquer pronúncia sobre o fundo da causa. O Tribunal Tributário de Lisboa decidiu, então, julgar verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade dos atos tributários em causa e, em consequência, absolveu o Município de Lisboa da instância, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

    1.1.1. Desta decisão interpôs a Impugnante recurso para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 540), alegando serem os meios de reação à sua disposição – reclamação e impugnação – alternativos e, de todo o modo, o artigo 16.º do RGTAL não seria aplicável à situação, por o tributo em causa se tratar de um imposto ou contribuição especial. Adicionalmente, considerando a hipótese de o Supremo Tribunal Administrativo considerar aplicável aquele artigo 16.º, alegou a Impugnante o seguinte:

    “[…]

    1. - Na [senteça] recorrida decidiu-se que, ‘de acordo com a norma supra citada (art. 16.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, Lei n.º 53-E/ 2006, de 29/12), verifica-se a insusceptibilidade de impugnação judicial autónoma em matéria de taxas cobradas pelas Autarquias Locais’.

    2. - Esta decisão é manifestamente improcedente e inconstitucional, enfermando de diversos erros de julgamento e violou frontalmente o disposto nos arts. 2.º, 9.º, 13.º, 18.º, 20.º, 204.º, 212.º, 266.º e 268.º/4 da CRP, nos arts. 99.º e segs. do CPPT, no art. 9.º do C. Civil e no art. 16.º do RGTAL.

    3. - Como decorre […] do teor literal do art. 16.º/1 do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (doravante RGTAL) aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29 de dezembro, ‘os sujeitos passivos das taxas para as autarquias locais podem reclamar ou impugnar a respetiva liquidação’ (v. art. 9.º do C. Civil e art. 11.º da LGT), cabendo ao sujeito passivo a faculdade de optar pelo exercício de um ou outro dos referidos meios impugnatórios alternativos (cfr. arts. 20.º, 212.º e 268.º/4 e 5 da CRP) […].

      […]

    4. - Mesmo que se considere que o legislador consagrou regimes contraditórios e perplexos – o que só em mera hipótese se admite – estabelecendo no artigo 16.º/1 do RGTAL que aqueles meios são alternativos – ‘podem reclamar ou impugnar’ – e no art. 16.º/5 que a reclamação seria afinal sempre obrigatória, temos de concluir que a ora recorrente ‘não pode pura e simplesmente ser prejudicada por eventual erro do legislador’ […], sendo manifesta a admissibilidade do presente meio processual (v. arts. 20.º e 268.º/4 da CRP).

    5. - A interpretação e aplicação do art. 16.º/5 do RGTAL, com o sentido e dimensão normativa que lhe foi atribuído pela douta sentença recorrida, é manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, confiança, segurança e da tutela jurisdicional plena e efetiva e da garantia do acesso aos tribunais (arts. 2.º, 9.º, 18.º, 20.º, 266.º e 268.º/4 da CRP).

      […]” (sublinhado acrescentado).

      1.2. Apreciando tal recurso, proferiu o Supremo Tribunal Administrativo o acórdão de fls. 578/586 – este constitui a decisão visada no presente recurso de constitucionalidade –, negando-lhe provimento, com os seguintes fundamentos:

      “[…]

      A incidência objetiva e subjetiva desta [taxa] encontra-se expressamente prevista nos artigos 6.º, n.º 1, alínea a) e 7.º do

      RGTAL (Lei n.º 53-E/2006) e artigo 116.º do RJUE […].

      Nestes dois diplomas legais prevê-se expressamente que a TRlU liquidada possa ser impugnada por via de meios graciosos e contenciosos, reclamação graciosa e impugnação judicial, previstos no CPPT, sendo que os prazos e modos para o fazer se encontram estabelecidos no RGTAL.

      Se por regra o meio impugnatório da reclamação graciosa se assume como um meio impugnatório meramente facultativo para que se abra a via contenciosa, no caso das taxas liquidadas pelas autarquias locais o legislador impôs expressamente a necessidade de lançar mão deste meio impugnatório administrativo prévio para que seja aberta ao interessado a via contenciosa da impugnação judicial, cfr. artigo 16.º, n.º 5, do RGTAL.

      Sendo que, ao contrário do alegado pela recorrente, este Tribunal já se pronunciou diversas vezes pela conformidade de tal opção legislativa aos parâmetros constitucionais protetores dos princípios da confiança, da segurança, da tutela jurisdicional plena e efetiva e da garantia do acesso aos tribunais, cfr. acórdãos datados de 09/10/2013, rec. n.º 0452/13, de 17/12/2014, rec. n.º 01611/13, de 28/01/2015, rec. n.º...

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