Acórdão nº 162/16 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução10 de Março de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 162/2016

Processo n.º 1089/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A., Lda., reclamada nos presentes autos em que é reclamante a B., S.A., intentou contra esta ação de intimação para passagem de certidão junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no sentido de obter a consulta de diversos documentos. Por sentença de 10 de outubro de 2014, foi o pedido julgado parcialmente procedente.

      Inconformada, a B., S.A. recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), que, por acórdão de 28 de agosto de 2015, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença então recorrida.

      Em 29 de setembro de 2015, a B., S.A., apresentou um requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como “LTC), peticionado a fiscalização do artigo 6.º, n.º 6, da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos – LADA), quando interpretado no sentido de excluir da proteção do segredo do negócio elementos como o preço, prazo e local de execução dos contratos de aquisição de programas ou de direitos de exploração celebrados por empresas públicas, que atuam em segmentos de mercado concorrenciais à imagem dos operadores privados, das informações integradas no âmbito de aplicação dessa norma e por elas protegidas, por violação dos “direitos fundamentais da propriedade e da livre iniciativa económica e [dos] princípios constitucionais da igualdade, da concorrência e da coexistência dos setores público, privado e cooperativo e social, consagrados nos artigos 13.º, 61.º, 62.º, 80.º e 81.º e 99.º da Constituição” (fls. 439 e ss.).

      Por despacho de fls. 451, o requerimento de interposição do recurso foi indeferido com fundamento em manifesta extemporaneidade.

    2. É deste despacho que vem interposta a presente reclamação, com base no disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, em requerimento com o seguinte teor:

      1.º

      Através de Acórdão proferido em 28 de agosto de 2015, veio o Tribunal Central Administrativo Sul “negar provimento ao [...] recurso jurisdicional” que havia sido interposto pela ora Reclamante, no âmbito do processo n.º 11745/14, em que é Recorrida a A., LDA (cfr. Doc. n.º 1).

      2.º

      A ora Reclamante foi notificada do referido Acórdão em 3 de setembro de 2015, tendo este sido remetido por ofício datado de 31 de agosto de 2015.

      3.º

      Deste Acórdão veio a ora Reclamante interpor Recurso de Fiscalização Concreta para o Tribunal Constitucional nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LOFPTC, apresentando, para o efeito, Requerimento de Interposição de Recurso junto do Tribunal Central Administrativo, no qual poderão ser conferidas as razões da interposição de tal Recurso, e às quais não cabe por agora retomar (cfr. Doc n.º 2).

      4.º

      Tal Requerimento foi enviado à Secretaria do Tribunal Central Administrativo Sul, através de mensagem de correio eletrónico, no passado dia 28 de setembro de 2015 (cfr. Doc. n.º 3).

      5.º

      No passado dia 2 de novembro de 2015, foi a ora Reclamante notificada do Despacho do Tribunal Central Administrativo Sul através do qual se decidiu que “[o] requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional é manifestamente extemporâneo, atento o que dispõe o n.º 1 do artigo 75.º da LTC (cfr. Doc. n.º 4).

      6.º

      O Tribunal Central Administrativo Sul considerou assim estar ultrapassado o prazo de interposição de recurso previsto no n.º 1 do artigo 75.º da LOFPTC no presente caso.

      7.º

      Sucede que esta decisão encerra um erro manifesto na determinação do modo de contagem do referido prazo de 10 dias.

      8.º

      Com efeito, parece à partida claro que entre o dia 3 de setembro de 2015 (data da notificação do Acórdão recorrido) e o dia 28 de setembro de 2015 (data de apresentação do Requerimento de Interposição do Recurso) se compreende um lapso temporal superior a 10 dias.

      9.º

      Este raciocínio, que parece ter estado na base do Despacho objeto da presente reclamação, padece de uma evidente falha na determinação do termo a quo do referido prazo de 10 dias.

      10.º

      Na verdade, o Despacho não levou em linha de conta a necessidade de conjugar a leitura do n.º 1 do artigo 75.º com os n.os 2 e 4 do artigo 70.º, todos da LOFPTC.

      11.º

      Como se retira da jurisprudência do Tribunal Constitucional desde a alteração à LOFPTC promovida pela Lei n.º 13-A/98, de 28 de fevereiro, a conjugação daqueles normativos implica que, nas hipóteses de recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LOFPTC - como é o caso do que se interpôs perante o Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. Doc. n.º 2) -, o prazo de 10 dias apenas se inicie a partir do momento em que já tenham “sido esgotados todos os [recursos ordinários] que no caso caibam” (cfr. n.º 2 do artigo 70.º da LOFPTC).

      12.º

      No entanto, este esgotamento não implica a efetiva utilização de todas as vias de recurso abstratamente possíveis, já que, como refere o n.º 4 do artigo 70.º da LOFTC, “entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual” (sublinhado nosso).

      13.º

      A exata compreensão da articulação de todos estes normativos pode fazer- se com apelo às palavras do próprio Tribunal Constitucional, retiradas do Acórdão n.º 112/04, de 13 de fevereiro de 2004 (Proc. n.º 18/04):

      “A Lei nº 13-A/98, de 28 de Fevereiro, veio resolver uma divergência jurisprudencial quanto ao sentido do «esgotamento dos recursos ordinários». Para uma posição (cfr. ac. nº 8/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., 1988, pp. 1065 e segs.) esse pressuposto do recurso de constitucionalidade não impunha a efetiva utilização de todos os recursos previstos na lei; consideravam-se esgotados todos os recursos ordinários também quanto já não pudesse interpor-se o recurso ordinário por ter havido renúncia, por ter decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou quando não pudessem tais recursos ter seguimento por razões de ordem processual. Para a outra corrente (cfr. Ac. nº 282/95, in Diário da República, II Série, de 24 de Maio de 1996,), tal pressuposto impedia, nas hipóteses a que tinha aplicação, que se interpusesse recurso de constitucionalidade de decisões relativamente às quais estivesse previsto na lei recurso ordinário. O legislador optou por aquele primeiro sentido.

      Ora, esta solução implica – não de um ponto de vista puramente lógico, mas para que a opção legislativa tenha efeitos práticos e porque só assim cobra sentido face aos antecedentes de que historicamente emergiu – que o termo inicial do prazo de recurso de constitucionalidade seja diferido para o momento em que ocorre o evento que a lei fez equivaler ao esgotamento dos recursos ordinários.” (sublinhados nossos).

      14.º

      Daqui resulta, com clareza, que o termo inicial do prazo de 10 dias fixado no n.º 1 do artigo 75.º da LOFPTC não é, necessariamente, o da notificação da decisão recorrida.

      15.º

      Nas hipóteses em que, abstratamente, tais decisões sejam ainda suscetíveis de recurso ordinário, tal prazo apenas se inicia a partir do momento em que se ache esgotado o prazo para a interposição de tais recursos (cfr., exatamente neste sentido, LOPES DO REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, Almedina, 2010, p. 191).

      16.º

      Também ARMINDO RIBEIRO MENDES refere que se a lei não exige a interposição de todos os recursos disponíveis, bastando apenas que esta já não seja possível, então o prazo para interpor o recurso de constitucionalidade “só começa a correr após o termo do prazo para interpor o recurso ordinário que no caso coubesse” (cfr. Recursos em Processo Civil, Lisboa, Lex, 1994, p. 332).

      17.º

      Ora, da decisão do TCA Sul notificada à ora Reclamante no passado dia 3 de setembro de 2015 caberia ainda recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, recurso que, apesar do seu caráter especial, apresenta natureza ordinária.

      18.º

      Na medida em que o Recurso Jurisdicional que corre termos no TCA Sul tem na sua base uma intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, o prazo para a interposição do referido recurso de revista para o STA seria de 15 dias, contados desde a data da notificação do acórdão recorrido (cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 36.º e artigo 147.º do CPTA).

      19.º

      O que significa que, na realidade, o prazo de 10 dias fixado no n.º 1 do artigo 75.º da LOFPTC apenas se iniciou, in casu, no dia 19 de setembro de 2015, isto é, apenas após o decurso do prazo de 15 dias no qual poderia ter sido interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo.

      20.º

      Nesta medida, tendo o Requerimento de Interposição de Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade sido apresentado, junto do Tribunal Central Administrativo, no dia 28 de setembro de 2015, não restam dúvidas quanto à sua tempestividade: este dia corresponde ao 10.º e último dia do prazo que a ora Reclamante dispunha para a interposição do referido Recurso.

      Nestes termos, peticiona-se a V. Exas. que:

      (i) Revoguem o Despacho do Tribunal Central Administrativo Sul que não admitiu o Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade interposto pela ora Reclamante; e

      (ii) Por consequência, admitam o referido Recurso, procedendo à abertura do respetivo processo de fiscalização concreta no Tribunal Constitucional.

    3. A reclamada A., Lda., pronunciou-se, ao abrigo do princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º do Código de Processo Civil, no sentido da tempestividade do recurso. Sustentou, no...

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