Decisões Sumárias nº 200/09 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução30 de Abril de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 200/2009

Processo n.º 266/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

1 – A. Lda., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, de 23 de Setembro de 2008, pretendendo ver sindicada a constitucionalidade da norma do artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do Anexo I do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, por violação do disposto nos artigos 103.º, n.ºs 2 e 3 e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

2 – Configurando o objecto do presente recurso de constitucionalidade uma “questão simples”, para o efeito do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, porquanto foi já julgada em anteriores acórdãos e decisões sumárias deste Tribunal, passa a decidir-se, imediatamente, nos termos seguintes.

3 – A matéria subjacente ao presente recurso foi considerada num primeiro ensejo pelo Acórdão n.º 365/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), tirado nesta 2.ª Secção do Tribunal, no qual se sindicou a constitucionalidade da taxa de regulação e supervisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (tendo por base o disposto nos “artigos 3º e 4º do Regulamento Anexo ao Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho”), tendo-se, aí, concluído pela não inconstitucionalidade dos referidos critérios.

Tal decisão suportou-se nos seguintes fundamentos argumentativos:

“(...)

  1. Da constitucionalidade da taxa de regulação e supervisão da ERC

    2.1. As entidades reguladoras independentes

    Sem que se ignore a existência de figurinos aparentados em épocas mais recuadas (v.g., os organismos de coordenação económica), pode dizer-se que as entidades estatais independentes “reguladoras” ou “de supervisão”de determinados sectores da actividade económica surgiram em Portugal no final do século XX e início do século XXI, acompanhando um movimento europeu de liberalização de sectores anteriormente sujeitos a monopólios estatais, no desenvolvimento de uma ideia proclamada de que o mercado e as regras da concorrência constituem as melhores vias para a promoção do desenvolvimento económico e de uma sociedade de bem-estar.

    Com desconfiança na eficácia da “mão invisível” do mercado, criaram-se estruturas de controlo do funcionamento deste, já não numa óptica proteccionista do sector intervencionado, como ocorria em tempos mais recuados, mas sim de defesa e fomento do próprio mercado e de uma sã concorrência, para protecção do interesse de toda a comunidade, em geral, e dos utentes dos serviços prestados pela actividade em causa, em particular (vide sobre este tipo de autoridades administrativas independentes VITAL MOREIRA e FERNANDA MACÃS, em “Autoridades Reguladoras Independentes. Estudo e Projecto de Lei-Quadro”, ed. de 2003, da Coimbra Editora, JOÃO NUNO CALVÃO DA SILVA, em “O Estado regulador, as autoridades reguladoras independentes e os serviços de interesse geral”, em “Temas de integração”, nº 20, pág. 173-209, ed. de 2005, da Almedina, JOSÉ LUCAS CARDOSO, em “Autoridades administrativas independentes e Constituição”, ed. de 2002, da Coimbra Editora, JOÃO CONFRARIA em “Regulação e concorrência – Desafios do século XXI, ed. 2005, da Universidade Católica, e ANA ROQUE, em “Regulação do Mercado: novas tendências”, ed. de 2004, da Quid Juris ?).

    Apesar de existirem algumas diferenças nas funções das diferentes entidades, criadas algo desordenadamente por ausência duma Lei-Quadro, em regra, passou a caber-lhes a tarefa de regulamentar o funcionamento do mercado do respectivo sector, propor e ser ouvida sobre as medidas legislativas que pudessem afectar esse sector, implementar e supervisionar a aplicação das regras criadas e sancionar as infracções às mesmas.

    E, seguindo modelo há muito existente nos EUA, procurou-se que essas entidades fossem o mais possível independentes, quer do Governo, quer dos diferentes operadores no mercado, de modo a garantir um distanciamento face ao Estado, enquanto operador concorrente, a conferir credibilidade e autoridade à gestão do mercado e a assegurar a maior isenção em sectores económicos sensíveis.

    Tentou-se garantir essa independência sobretudo ao nível orgânico – forma de designação e destituição dos seus corpos dirigentes –, funcional – exercício da função com sujeição à lei e sem superintendência – e também financeiro – obtenção de receitas próprias.

    E foi assim que surgiram em Portugal entidades como a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, em 1991, a Entidade Reguladora do Sector Eléctrico, em 1995, o Instituto Regulador de Águas e Resíduos, em 1997 (agora Entidade Reguladora das Águas e Resíduos) o Instituto Nacional de Aviação Civil, em 1998, o Instituto Nacional de Transporte Ferroviário, em 1998 (agora Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres), a Autoridade Nacional das Comunicações (que resultou duma transformação do ICP) em 2001, a Autoridade da Concorrência, em 2003, a Entidade Reguladora da Saúde, em 2003, e, em 2005, a Entidade Reguladora da Comunicação Social (a ERC).

    2.2. Os antecedentes da ERC

    Com a política de nacionalizações que marcou o pós-25 de Abril de 1974, o Estado assumiu o controlo de diversas publicações, tornando-se o grande detentor dos meios de Comunicação Social, pelo que sentiu-se a necessidade de garantir a independência destes face ao poder político.

    Daí que a C.R.P. de 1976 tenha previsto a criação de Conselhos de Informação, constituídos por representantes dos partidos políticos com assento na Assembleia da República, que assegurassem o respeito pelo pluralismo ideológico (artigo 39.º, n.º 3), o que foi concretizado pela Lei n.º 78/77, de 26 de Outubro, tendo sido criados os Conselhos de Informação para a R.T.P., para a R.D.P., para a Imprensa e para a ANOP.

    A Revisão Constitucional de 1982 alterou a redacção do artigo 39.º da C.R.P., passando este a prever, em substituição dos Conselhos de Informação, a existência de um único Conselho de Comunicação Social (n.º 2 a 4), composto por 11 membros eleitos pela Assembleia da República, com poderes para assegurar uma orientação geral para os diversos órgãos da comunicação social que respeitasse o pluralismo ideológico.

    Em 1983, a Lei n.º 28/83, de 6 de Setembro, extinguiu os Conselhos de Informação, criando em sua substituição o Conselho de Comunicação Social, que funcionava junto da Assembleia da República.

    Com a adesão de Portugal às Comunidades Europeias iniciou-se um processo de liberalização do sector da comunicação social, nomeadamente através da possibilidade de atribuição de licenças a estações de rádio privadas, autorizada pelo Decreto-Lei n.º 338/88, de 28 de Setembro, e a concessão de licenças a novas estações de televisão privadas, possibilitada pela Revisão Constitucional de 1989, que eliminou da Constituição a proibição anteriormente contida no artigo 38.º, nº 7, passando a dispor que “as estações emissoras de radiodifusão e de radiotelevisão só podem funcionar mediante licença a conferir por concurso público, nos termos da lei.”

    Este processo de liberalização trouxe “novos problemas a um sector que exige a impermeabilização de direitos e princípios fundamentais frente a poderosos interesses políticos e económicos” (GOMES CANOTILHO, no parecer junto aos autos, a fls. 12).

    Por isso, com a mesma Revisão Constitucional de 1989 é criada a Alta Autoridade para a Comunicação Social, em substituição do Conselho da Comunicação Social.

    Com uma composição heterogénea competia a este órgão independente garantir o direito à informação, à liberdade de imprensa e à independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico, bem como a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião e o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política (artigo 39.º, n.º 1, da C.R.P.). Esta nova entidade foi regulada inicialmente pela Lei n.º 15/90, de 30 de Junho, e, posteriormente, pela Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto.

    Mas a sexta Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/2004 determinou no artigo 39.º o seguinte:

    “1. Cabe a uma entidade administrativa independente assegurar nos meios de comunicação social:

    1. O direito à informação e a liberdade de imprensa;

    2. A não concentração da titularidade dos meios de comunicação social;

    3. A independência perante o poder político e o poder económico;

    4. O respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais;

    5. O respeito pelas normas reguladoras das actividades de comunicação social;

    6. A possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião;

    7. O exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política.

  2. A lei define a composição, as competências, a organização e o funcionamento da entidade referida no número anterior, bem como o estatuto dos respectivos membros, designados pela Assembleia da República e por cooptação destes.”

    Determinou-se, assim, a substituição da Alta Autoridade para a Comunicação Social por uma figura inserida no modelo das novas entidades administrativas independentes, admitido no artigo 267.º, n.º 3, da C.R.P..

    Conforme resulta dos trabalhos preparatórios da Revisão Constitucional de 2004, a substituição da Alta Autoridade para a Comunicação Social por uma nova entidade administrativa independente, foi exigida pela necessidade dominantemente sentida de redefinir o modelo de regulação do sector da comunicação social, perante a ineficácia demonstrada por aquela Autoridade face aos novos desafios colocados pela crescente acção dos media, uma vez que se constatava umadesadequação de competências, uma rigidez da composição do estatuto e uma forma exuberante na desregulação do sector, com um incumprimento sistemático das regras em vigor, com a violação recorrente dos mais elementares direitos e garantias dos cidadãos. (intervenção do deputado Jorge Neto no...

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