Decisões Sumárias nº 195/09 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2009

Data12 Maio 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA Nº 195/2009

Processo n.º 335/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Relatório

No âmbito do processo penal comum, que correu os seus termos sob o n.º 260/03.5 IDPRT, no 3.º Juízo Criminal de Matosinhos, os arguidos A. e B. foram condenados, por sentença proferida em 18 de Junho de 2008, como co-autores de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na pena de 11 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano, sob condição de pagamento em igual prazo do montante em dívida à Administração Tributária.

Na sequência de recursos interpostos pelos arguidos tal decisão condenatória, bem como duas decisões interlocutórias proferidas durante a fase de julgamento, foram integralmente confirmadas por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13 de Dezembro de 2008.

Os arguidos interpuseram então recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), requerendo a apreciação das seguintes questões:

  1. a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, na interpretação segundo a qual a notificação ali prevista pode ser efectuada pelo tribunal, por violação dos artigos 2.º, 111.º e 202.º da Constituição;

  2. a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 75.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público (EMP), na interpretação segundo a qual nas audiências públicas relativas a processos em que o Ministério Público (MP) figure como parte, e designadamente nas audiências de julgamento em processo penal, deve ser reservado ao MP um lugar na sala de audiências desigual e privilegiado face ao lugar reservado às demais partes, em especial aos lugares reservados ao arguido e ao seu defensor, por violação dos artigos 1.º, 2.º, 13.º, 20.º, n.º 4, in fine, 32.º, n.os 1, 3 e 5, 203.º, 208.º e 219.º, n.º 4, da Constituição;

  3. a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação segundo a qual nos autos remetidos a julgamento pelo MP ou pelo juiz de instrução, se podem incluir todos os elementos de prova compilados ao longo do inquérito e instrução, mesmo aqueles elementos que não possam ser utilizados ou produzidos como prova em audiência de julgamento, por violação dos artigos 20.º, n.º 4, in fine, 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição;

  4. a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, na interpretação segundo a qual o crime de abuso de confiança fiscal se consuma com a simples não entrega da prestação tributária, dispensando para a sua verificação a existência de uma intenção de apropriação da mesma, por violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição;

  5. a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, na interpretação segundo a qual a falta de cumprimento da obrigação de pagamento da prestação tributária, juros e coima, é passível de conduzir à condenação dos gerentes, quando se tratem de obrigações que incidem sobre a sociedade e não individualmente sobre os gerentes, sem que sobre estes exista qualquer condenação judicial quanto a tais obrigações, por violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição;

  6. a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os gerentes são responsáveis pelo pagamento das obrigações tributárias mesmo quando não têm qualquer domínio – de facto ou de direito – sobre a sociedade devedora originária, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, e 27.º da Constituição;

  7. a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, na interpretação segundo a qual o juiz se pode abster de fundamentar a decisão que considera os arguidos validamente notificados para o cumprimento do disposto na alínea b), do n.º 4, do artigo 105.º, do RGIT, quando tal notificação é efectuada em violação do disposto no 5.º, do art. 39.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição.

    *

    Fundamentação

  8. Inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006

    Os recorrentes suscitaram a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, na interpretação segundo a qual a notificação ali prevista pode ser efectuada pelo tribunal, por violação dos princípios da separação dos poderes e da imparcialidade consagrados nos artigos 2.º, 111.º e 202.º, da Constituição;

    O Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar sobre a questão de constitucionalidade que agora vem colocada à sua consideração.

    Com efeito no acórdão n.º 409/08 (publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 24 de Setembro de 2009) e nos acórdãos n.º 506/08, 531/08 e 23/09 (disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional, no endereço www.tribunalconstitucional.pt), todas as Secções deste Tribunal decidiram, por unanimidade, "não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, na interpretação segundo a qual a notificação ali prevista pode ser determinada pelo tribunal”.

    A jurisprudência fixada nesses acórdãos é inteiramente transponível para o presente caso, pelo que, remetendo-se para a respectiva fundamentação, mantém-se a posição de não considerar inconstitucional a referida interpretação normativa, proferindo-se decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

  9. Inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 75.º, n.º 2, do EMP

    Os recorrentes suscitaram também a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 75.º, n.º 2, do EMP, na interpretação segundo a qual nas audiências públicas relativas a processos em que o Ministério Público (MP) figure como parte, e designadamente nas audiências de julgamento em processo penal, deve ser reservado ao MP um lugar na sala de audiências desigual e privilegiado face ao lugar reservado às demais partes, em especial aos lugares reservados ao arguido e ao seu defensor, por violação dos artigos 1.º, 2.º, 13.º, 20.º, n.º 4, in fine, 32.º, n.os 1, 3 e 5, 203.º, 208.º e 219.º, n.º 4, da Constituição.

    Porém, a interpretação normativa acabada de enunciar foi adoptada exclusivamente pelos próprios recorrentes no início da audiência de julgamento e não chegou a ser efectivamente aplicada como fundamento da decisão recorrida (ratio decidendi).

    Para ilustrar esta afirmação, passa-se a transcrever o requerimento que suscitou esta questão de constitucionalidade na parte que ora releva:

    [...]

    Verifica o Defensor dos arguidos B., A. e D. C. que a bancada destinada ao Digno Representante do M.º P.º e promotor da Acusação, se encontra, no plano da disposição da sala de audiências, colocada a um patamar mais elevado que o dos restantes sujeitos processuais e colocada, de um modo claramente privilegiado, na bancada destinada ao Tribunal.

    Não se descortina ao abrigo de que norma processual penal se funda esta concreta disposição dos sujeitos processuais na sala de audiências, mas seguramente ela fundar-se-á, pelo menos, no disposto no art.º 75º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público, em cuja disposição se determina que «(n)as audiências e actos oficiais a que presidam magistrados judiciais, os do Ministério Público que sirvam junto do mesmo tribunal tomam lugar à sua direita».

    Esta disposição - que, de resto, reproduz ipsis verbis o art.º 54º, n.º 2, da antiga Lei Orgânica do Ministério Público - remete para o antigo Estatuto Judiciário, de 1962, e é tributária de uma concepção, já há muito ultrapassada no nosso ordenamento jurídico, em que os magistrados do M.º P.º o integravam, com os juízes, a própria composição do tribunal e formavam com estes uma mesma (e única) magistratura, a ponto de aqueles magistrados chegarem mesmo a tomar assento nas conferências.

    Esta concepção choca frontalmente com as mais elementares noções de justiça, equidade no processo, princípio do acusatório, igualdade de armas e audiência justa e livre.

    Efectivamente, por intermédio do citado art.º 75º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público ferem-se vários comandos e princípios constitucionais, gizados em ordem à tutela de um processo penal pautado por uma estrutura acusatória e pelo princípio do contraditório na audiência de julgamento (art.º 32º, n.º 5, da CRP).

    Fere-se, outro tanto, o princípio da dignidade da pessoa (art.º 1º da CRP), na medida em que se reserva o arguido e ao seu defensor, nas audiências de julgamento, um tratamento processual de desfavor e diminuidor da sua dignidade de pessoa e de cidadão em face do tratamento, de privilégio e favor à Acusação pública, desde logo no plano formal.

    Fere-se, mais ainda, o direito fundamental dos arguidos a um processo equitativo (art.º 2º, n.º 4, in fine, da CRP) e a que lhes sejam asseguradas todas as garantias de defesa (art.º 32º, n.º 1, da CRP) e a especial dimensão do princípio da igualdade e da não discriminação quando aplicado ao processo penal (art.º 13º da CRP), na medida em que se aplica aos arguidos, em audiência de julgamento, um tratamento claramente iníquo - ainda que, por vezes, com implicações meramente simbólicas -, flagrantemente cerceador da igualdade de acesso e de tratamento pelo tribunal e objectivamente discriminatório face ao tratamento que, nesta matéria, se confere ao M.º P.º nas suas...

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