Acórdão nº 4303/05.0TBTVD.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2009

Data28 Maio 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)
  1. C... - R..., L.da intentou, em 09.12.2005, no 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Vedras, contra AA acção com processo ordinário, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 26.806,49 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da propositura da acção.

    Alegou, para tanto, ter prestado serviços e fornecido produtos ao réu, tudo indicado nas três facturas que juntou, de cujos montantes, de € 54.390,96, € 368,77 e € 3.389,95, respectivamente, o demandado só pagou parte da primeira, estando em débito a quantia de € 23.622,52 e estando vencidos juros, sobre esta quantia, de € 3.183,97.

    Contestou o réu, impugnando os factos alegados, e sustentando, em síntese e com interesse, que a autora não lhe forneceu os bens nem prestou os serviços que alega, mas sim à sociedade P... C... - C... de P... e A..., U..., L.da.

    Pediu, assim, que a acção fosse julgada improcedente e a autora condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização.

    Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou o réu a pagar à autora as quantias de € 19.863,80, de € 368,77 e de € 3.389,95, acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, desde 07.11.2002, 26.11.2002 e 03.12.2002, respectivamente e até integral pagamento.

    O réu recorreu, impugnando a decisão sobre a matéria de facto e a decisão de direito (esta, no pressuposto de que seria alterado o quadro factual apurado).

    Não logrou, porém, qualquer êxito, pois a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida.

    Tal decisão assentou em ter a Relação mantido intocada a matéria de facto, desatendendo a impugnação respectiva, e ter considerado que a imutabilidade do acervo factual apurado na 1ª instância implicava que se devesse ter por prejudicado o conhecimento da decisão de direito, na medida em que esse conhecimento estava dependente da modificação fáctica pretendida pelo apelante.

    Continuando inconformado, o réu recorre agora para este Supremo Tribunal, pedindo revista do acórdão da Relação.

    Nas suas alegações, o recorrente formula conclusões, que se podem assim sintetizar: 1ª - O presente recurso versa sobre matéria de direito, por violação da lei substantiva, por erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 722º/1.b) do CPC); 2ª - O Tribunal da Relação deve reapreciar as provas indicadas pelas partes o que, no caso de gravação dos depoimentos, passa sempre pela atenta audição destes, o que não sucedeu no caso em apreço; 3ª - O Tribunal da Relação há-de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar limitado pela convicção que serviu de base à decisão recorrida; 4ª - O mecanismo legal que permite a reapreciação da prova pela 2ª instância implica necessariamente que a Relação, a partir da análise crítica das provas, crie a sua própria convicção (que pode ou não ser coincidente com a formada pelo julgador da 1ª instância), sob pena de não se mostrar viável qualquer controle da decisão proferida sobre a matéria de facto, e de se converter o 2º grau de jurisdição sobre matéria de facto numa garantia meramente virtual; 5ª - O recorrente impugnou, na apelação, a decisão da 1ª instância, na parte em que considerou provados os factos dos artigos 1º a 4º da base instrutória e não provados os dos arts. 5º a 9º, por entender que os depoimentos produzidos em audiência, conjugados com os documentos disponíveis, imporiam respostas diferentes; 6ª - A Relação entendeu não se justificar a pretendida alteração, mantendo intocada a decisão de facto, mas fê-lo com total omissão do mecanismo legal que permite a reapreciação da prova, deixando bem explícito o entendimento de que não lhe competia fazer a reapreciação da prova em toda a sua amplitude; 7ª - Compete ao Tribunal da Relação apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados; mas o acórdão recorrido limitou-se a concordar com a sentença da 1ª instância, interpretando restritivamente o duplo grau de jurisdição, desvalorizando ou desconsiderando todas as testemunhas arroladas pelo recorrente; 8ª - A testemunha BB, casado com a sócia-gerente da recorrida e arguido em processo penal em que o recorrente é assistente, fez um depoimento com inúmeras contradições e hesitações, que, não obstante, foi considerado credível e isento de mácula, ao que parece por ser processualmente admissível e por estar sujeito à livre apreciação do julgador da 1ª instância; 9ª - O acórdão recorrido não aprecia criticamente nem valora todos os factos e provas disponíveis, limitando-se a concordar com a convicção do julgador da matéria de facto em 1ª instância; 10ª - Não tendo procedido à requerida reapreciação da prova gravada, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 690º-A do CPC, pelo que deverá ser revogado, ordenando-se a baixa do processo para que a Relação reaprecie a prova produzida em relação aos pontos de facto impugnados e julgue, de novo, a apelação.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Corridos os vistos legais, cumpre conhecer e decidir do mérito do recurso.

  2. São os seguintes os factos provados: 1) A autora dedica-se ao comércio, aluguer e reparação de peças automóveis (al. A. dos factos assentes); 2) O réu foi sócio da autora, mas cedeu a sua quota em 2003 (al. B. dos factos assentes); 3) Por escritura pública de 26.11.2002, celebrada no Cartório Notarial do Centro de Formalidades de Empresas de Lisboa, o réu declarou constituir a sociedade "P... C... - C.... de P... e A..., U..., L.da, da qual era sócio-gerente (al. C. dos factos assentes); 4) No exercício da sua actividade, a autora forneceu e prestou ao réu os produtos e os serviços descriminados nas facturas n.º 3000387, 3000389 e 2000353, respectivamente datadas de 07.11.2002, 26.11.2002 e 03.12.2002, juntas a fls. 4/8, 9 e 10, no valor de € 54.390,96, € 368,77 e € 3.389,95 (art. 1º da b.i.); 5) As facturas referidas em 1) deveriam ser pagas a pronto pagamento (art. 2º da b.i.); 6) O réu liquidou, por conta da factura n.º ...., a quantia de € 34.527,16 (art. 3º da b.i.).

  3. Como flui das conclusões da alegação do recorrente, apenas uma questão vem colocada à apreciação deste Supremo Tribunal.

    Trata-se de saber se a Relação, ao apreciar a impugnação, deduzida pelo recorrente no recurso de apelação, da decisão sobre a matéria de facto, deu adequado cumprimento aos preceitos legais aplicáveis, se actuou em rigorosa observância dos poderes cognitivos que lhe são conferidos pelos arts. 690º-A e 712º do CPC.

    3.1.

    Deve, desde já, referir-se que os termos em que o recorrente teoriza sobre os poderes da Relação, na matéria em causa, merecem, no essencial, a nossa concordância.

    É questão sobre a qual já, por mais de uma vez, esta...

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