Acórdão nº 2799/22.4T8FNC.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-01-2024

Data de Julgamento11 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão2799/22.4T8FNC.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

*
1. Relatório:
*
1. BS, identificada nos autos, instaurou contra MF, MS, AR e FS, também identificadas nos autos, a presente ação declarativa, de simples apreciação, sob a forma de processo comum, pedindo, na sua procedência:
“a) Declarar-se impugnado para todos os efeitos legais o facto justificado no Processo de Justificação n.º …/… requerido pela Ap. …/…. que correu termos na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz, por tais factos serem falsos;
b) Declarar-se ineficaz e de nenhum efeito o processo de justificação por a R. MF no que concerne a aquisição por usucapião do prédio como foi ali identificado e descrito e que se reproduz no articulado 1º da p.i., ordenando-se o cancelamento de inscrição de aquisição e todo e qualquer registo lavrado com base no mencionado processo de justificação e, bem assim, as inscrições posteriores a esta que venham a ser registadas;
c) Reconhecer-se a existência e constituição da servidão de passagem identificada e descrita no articulado n.º 31º da p.i., declarando-se a sua constituição exclusivamente sobre o prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos e inscrito na matriz sob o artigo …;
d) Reconhecer-se que o acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada identificado e descrito no articulado n.º 22º da p.i. é de uso exclusivo do prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos e inscrito na matriz sob o artigo …, dele fazendo parte; (…)”.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- No dia 27 de Junho de 2018 foi instaurado junto da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz o processo de justificação para estabelecimento/reatamento do trato sucessivo, que deu origem ao Processo de Justificação n.º …/… (Ap. …/…), em que a Ré MF declara ser dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, do prédio rústico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, com a área de 530m2, que confronta a Norte com Herdeiros de JP, Sul com herdeiros de JF, Leste com Caminho EC e Oeste com JAF, inscrito na matriz cadastral respetiva sob parte do artigo …/… da Secção "…” e que é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o número …/… da freguesia de Estreito de Câmara de Lobos;
- A Ré MF afirmou que o imóvel veio à sua posse "ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1993, por doação verbal, não titulada, dos pais dela, MF e MGS, primeiro cultivando bananeiras e vinha e posteriormente, no ano de 1998, já no estado de casada, ali edificou umas benfeitorias urbanas;
- Essas afirmações prestadas pela Ré são falsas e uma parcela que consta da escritura de justificação pertence à Autora, tendo-se constituído uma faixa de aproximadamente 48m2 exclusivamente sobre o prédio urbano de JF e da Autora para beneficiação da parcela de terreno doada à R. MF, no ano de 1996;
- É absolutamente falso que a Ré MF tenha recebido por doação verbal o prédio rústico tal como é descrito e identificado e com os fundamentos expostos no pedido de justificação; e
- O prédio justificado projeta-se sobre parte do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, concretamente sobre a faixa de terreno onde se constituiu a servidão e também sobre o acesso pedonal independente e de uso exclusivo à parte afeta à cultura da vinha e agricultura e criação de animais.

*
2. Citadas as rés, apenas a ré MF contestou, por exceção - invocando a ineptidão da petição inicial e a ilegitimidade passiva – e por impugnação, alegando, em síntese, que:
- O prédio objeto do processo de justificação pela Ré encontra-se perfeitamente delimitado nas suas estremas por muros, muretes, escadas, degraus, vedações, acessos e passagens em cimento que não deixam dúvidas sobre a sua configuração material e física e que dele faz parte a faixa de terreno que dá acesso à estrada pública;
- Existe, efetivamente, uma faixa de terreno, com cerca de 32 m2, para passagem de pessoas e veículos, de ligação ao Caminho EC, que é de uso comum ao prédio da Autora e ao prédio da Ré, mas tal faixa de terreno não foi objeto do processo de justificação, nem é propriedade da Autora e de seus filhos;
- A aludida faixa de terreno continua a fazer parte do acervo da herança ilíquida e indivisa deixada por óbito de MF e mulher MGS, sendo parte sobrante do prédio rústico com o artigo …/… da Secção "…” da freguesia do Estreito de Câmara de Lobos.
Concluiu pela procedência das exceções invocadas e, se se entender que a questão é de fundo, pela improcedência da ação, com a sua absolvição dos pedidos.

*
3. A autora exerceu o contraditório relativamente às exceções invocadas pela ré contestante (cfr. requerimento de 26-10-2022).

*
4. Teve lugar audiência prévia e, em 18-01-2023 foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o valor da causa, julgadas improcedentes as exceções invocadas, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova e foram admitidos, nos termos de despacho então proferido, os meios probatórios.

*
5. A autora reclamou do objeto do litígio identificado e dos temas da prova enunciados (cfr. req. de 30-01-2023), reclamação que foi deferida por despacho de 19-04-2023.

*
6. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com produção probatória, tendo sido realizada inspeção ao local.

*
7. Em 01-08-2023 foi proferida sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:
“A) Absolvo as Rés MF, MS, AR e FS da totalidade dos pedidos deduzidas pela Autora BS.
B) Julgo improcedente o pedido de impugnação do facto justificado no Processo de Justificação n.º …/… requerido pela Ap. …/… que correu termos na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz.
C) Julgo improcedente o pedido de ineficácia do Processo de Justificação n.º …/… requerido pela Ap. …/… que correu termos na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz.
D) Julgo improcedente o pedido de reconhecimento da existência e constituição da servidão de passagem sobre o prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos e inscrito na matriz sob o artigo ….
E) Julgo improcedente o pedido de reconhecimento de que o acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada, situado entre as duas moradias, é de uso exclusivo do prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos e inscrito na matriz sob o artigo … e faz parte do mesmo.
F) Condeno a Autora BS no pagamento da totalidade das custas processuais (…)”.

*
8. Não se conformando com a referida sentença, dela apela a autora, pugnando pela sua revogação e sua substituição por decisão que condene as rés nos pedidos, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A) A Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo que pôs termo à causa e julgou a acção interposta totalmente improcedente, porquanto a mesma assenta, salvo o devido respeito, em erro de julgamento da matéria de facto e de direito e em erro na apreciação do mérito.
B) O presente recurso que abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença recorrida é desfavorável à Recorrente, o que implica a reavaliação e reponderação da matéria de facto e de direito que suportam a decisão proferida pelo Tribunal a quo e que se pretendem ver analisadas e decididas de forma diversa por este Venerando Tribunal, determinando-se no final a revogação da douta sentença, com substituição por decisão que determine a procedência dos pedidos deduzidos nos autos pela Autora com a propositura da acção.
Da impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo relativa à matéria de facto
C) A sentença recorrida padece de erro notório na apreciação de parte da matéria de facto dada como provada, existindo desconformidade entre os factos alegados, os elementos de prova produzidos e a decisão sobre os mesmos, seguindo impugnados nos termos do artigo 640º do C.P.C. os restantes factos dados por provados e também sobre a matéria de facto não provada (com excepção dos factos c), d) e k) por se apresentarem incorrectamente julgados face à prova reunida nos autos, havendo, portanto, desconformidade entre os elementos de prova e a sentença recorrida, o que impõe uma decisão diversa.
D) A reapreciação da prova que nos ocupa este recurso, sem prescindir do reexame de todos os elementos probatórios documentais admitidos nos autos e também das ilações obtidas pela inspecção ao local (cfr. ata de inspecção ao local datada de 02.05.2023 com a ref. 53506236), incide maioritariamente sobre a prova testemunhal produzida e importa a sua análise critica ao tratamento e motivação seguida pelo Tribunal a quo.
E) A valoração da prova testemunhal deve ser orientada por critérios de racionalidade, lógica e objectividade, conjugando-se, entre outros, a razão de ciência, as relações familiares, o modo de articulação e produção da prova e as regras da experiência, que julgamos não terem sido adoptados na douta sentença.
F) Dos concretos meios de prova documental que são identificados e de prova testemunhal transcrita com indicação das passagens da gravação e atenta a reapreciação dos fundamentos da decisão sobre as questões de facto, entende a Apelante que deverá daí conduzir à alteração e ao aditamento do elenco da matéria de facto provada, resultando no seguinte:
7 - O prédio da Autora confronta ao Caminho EC e sempre teve comunicação pedonal independente e directa com a via pública, enquanto a entrada de veículos foi feita, mais tarde, através da constituição de uma faixa de passagem em novembro de 1996.
13 - Uma parte do prédio rústico
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT