Acórdão nº 6/08.1PXLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução29 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 6/08.1PXLSB, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido AA, nascido em 18-02-1987, em S. Paulo, Brasil, filho de BB, casado, residente na Rua ......., nº ......., porta ..., Bairro da Serafina, em Lisboa, preso preventivamente à ordem destes autos desde 05-01-2008.

Por acórdão de 15 de Outubro de 2008 foi deliberado condenar o arguido pela prática, em autoria material, de: a) Um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão; b) Um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), por referência ao disposto no artigo 2º, nº 1, alínea l), ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano de prisão; c) Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas h) e j), do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) de prisão; e) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão.

f) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido por CC, pai do falecido DD, e condenar o arguido no pagamento àquele da importância total de 87.500 €, (oitenta e sete mil e quinhentos euros), sendo 75.000 € (setenta e cinco mil euros) relativos à perda do direito à vida e aos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima e 12.500 € (doze mil e quinhentos euros) relativos aos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, pai do falecido DD, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido até integral e efectivo pagamento.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando a motivação de fls. 506 a 515, que remata com as seguintes conclusões: 1 - A fundamental razão para a apresentação do presente recurso penal, prende-se com a medida da pena aplicada (dezoito anos de prisão) e a sua proporcionalidade para com o juízo de culpabilidade e as exigências de prevenção determinantes na medida da mesma.

2 - Foram os seguintes os crimes pelos quais foi o Arguido condenado: - um crime de incêndio p.p. pelo artigo 272.° n.º l, alínea a) do Código Penal; - um crime de detenção ilegal de arma, p. p. pelo artigo 86.° n.º 1 al. d), por referência ao disposto no artigo 2.° n.º 1 al. I), da Lei n.º 5/2006 d 23/02 e, - um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2, al. h) e j) do Código Penal.

3 - O regime penal especial para jovens delinquentes não é de aplicação automática, devendo o Tribunal equacionar a sua aplicação ao caso concreto. O Tribunal deve começar por ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável, e, depois, só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

4 - O arguido tinha apenas 20 anos de idade, é delinquente primário, confessou os factos integralmente e sem reservas, está arrependido e à data da prática dos factos vivia com dificuldades económicas e inserido num bairro socialmente degradado, apesar da gravidade da sua conduta é de atenuar especialmente a pena, como jovem delinquente.

5- Já havia algum tempo que os desentendimentos eram frequentes entre arguido e vitima, tendo mesmo este ultimo dirigido ameaças que visavam a integridade física do filho do arguido, um bebe com pouco mais que um ano de idade.

6 - O arguido confessou integralmente e sem reservas o crime de que veio acusado; colaborou com o Tribunal, ao longo de todo o processo, na descoberta da verdade.

7 - Defendendo-se estarem reunidas as condições necessárias para a aplicação do Regime especial para Jovens.

8- Não existe no douto Acórdão recorrido fundamentação que afaste a aplicação do Regime Especial para Jovens, encontrando-se, pelo contrário, dado como provados factos que contribuirão de forma decisiva para aplicação desse regime especial.

9 - As circunstâncias agravantes consideradas pelo Colendo Tribunal para o afastamento de qualquer atenuação da pena não têm correspondência com os factos considerados como provados pelo Tribunal a quo o que determina, nesta parte, a nulidade da sentença que desde já se invoca.

10 - Na ponderação de todos os factos, não se pode deixar de levar em conta a juventude, a primariedade penal, a confissão e o arrependimento, a situação económica do arguido e todo o circunstancialismo do cometimento do crime (as ameaças que lhe eram dirigidas pela vítima não só a si mas também à sua família, nomeadamente ao seu filho, ainda um bebe) e, sem perder de vista a necessidade de prevenção geral do crime em causa, dever-se-á reduzir a pena tão só ao mínimo indispensável para que o arguido possa interiorizar o desvalor da sua conduta.

11 - Sobre a afirmação que o douto acórdão faz sobre o arrependimento do arguido, ao dizer: que a sua postura não evidenciara verdadeiro arrependimento, se dirá o seguinte: 12 - Não se entende nem se compreende, como tal género descritivo ("a sua postura") poderá afirmar ou agravar um juízo de culpabilidade sobre o agente.

13 - Tratando-se de um conceito indeterminado e em nosso entender, não devidamente concretizado pelo douto acórdão, não se vislumbra como poderá o mesmo ser determinante no apuramento do grau de arrependimento do arguido, no que diz respeito ao crime cometido.

14- A bem verdade, o que ocorreu durante a condução do processo foi: a confissão do arguido e a sua declaração de arrependimento.

15 - Poderíamos ainda afirmar em sede de defesa, que o arguido actuou sob emoção forte e violenta na defesa da sua família e, sem pensar nas consequências do seu acto, cometeu o crime que efectivamente acaba por confessar.

16 - Estamos perante um jovem que arrependido do crime que cometeu e confessou, está interessado em prosseguir a sua formação pessoal e profissional, bem como, acompanhar o crescimento da sua família, orientando a sua conduta conforme o direito.

17 - Assim, ponderados todos os factos, dir-se-á que a pena aplicada, salvo o devido respeito, não será adequada nem proporcional, devendo ser especialmente atenuada.

No provimento do recurso pede a revogação da decisão proferida pelo Tribunal "a quo", e a substituição por outra, a qual deverá atenuar especialmente a pena de prisão aplicada nos termos do disposto no Decreto-Lei n.° 401/80, de 23 de Setembro.

O Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, conforme fls. 518 a 525, concluindo: 1. A pena única de 18 (dezoito) anos de prisão imposta ao arguido/recorrente mostra-se justa e proporcional; 2. Não se olvida que o arguido confessou, parcialmente, os factos e que à data dos factos tinha 20 anos de idade; 3. Porém, tal confissão não tem a virtualidade que o recorrente lhe pretende atribuir, sendo certo que neste particular não se alcança da prova produzida de que o recorrente tenha evidenciado uma verdadeira interiorização do desvalor da acção das condutas praticadas; 4. O mesmo se diga da invocada aplicação do regime penal especial para jovens, previsto pelo Decreto-Lei n.° 401/82, de 23/09, pretendida pelo recorrente; 5. É sabido que tal regime especial penal não é de aplicação automática, dependendo, antes, do juízo que existem sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social dos jovens condenados em causa - Cfr. Art. 4.° do citado Decreto-Lei; 6. Por outro lado, não nos podemos esquecer a forte danosidade social dos factos em presença nestes autos e que, como decorre do ponto 7 do preâmbulo Decreto-Lei n.° 401/82, de 23/09, a gravidade dos crimes e as exigências preventivas devem constituir índice de aplicação dos jovens delinquentes; 7. No caso concreto, afigura-se-nos que não existem, de todo, as condições de sociabilização próprias para a aplicação deste regime de atenuação especial, que possibilite ou pudesse estimular este jovem delinquente/recorrente, só por si, em razão do prazo prisional assim encurtado, à definição e escolha de um projecto de vida afastado da marginalidade; 8. O tribunal "a quo" ao condenar o recorrente fez correcta valoração da prova produzida e interpretação e aplicação do direito, mormente, dos Arts. 40°, 70°, 71°, 77°, 131°, 132° n.°s 1 e 2 alíneas h) e j), 272°, n.° 1, alínea a), todos do C. Penal e Art. 86° n.° 1, alínea d), com referência ao Art. 2º n.° 1, alínea l) da Lei n.° 5/2006, de 23/02; 9. O acórdão recorrido deve ser mantido nos seus precisos termos.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 529, ordenando-se a remessa do processo para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Indo o processo a conferência, por acórdão de 29-01-2009, de fls. 443 a 454, conhecendo de questão prévia, é declarada a incompetência do Tribunal para o julgamento do recurso, "determinando a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância para, aí, serem encaminhados para o Supremo Tribunal de Justiça".

Em obediência a tal decisão foi o processo remetido à 1ª Vara Criminal de Lisboa, sendo aí determinada a remessa dos autos a este Tribunal - fls. 460.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a fls. 464 a 468, emitiu parecer em que acompanha a posição do acórdão recorrido no que respeita à atenuação e quanto à medida da pena, admitindo uma "redução ainda que ligeira da pena aplicada ao homicídio qualificado de modo a aproximar-se mais dos 15 anos de prisão, com os naturais reflexos na pena única".

Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do CPP, o recorrente silenciou.

Não tendo sido requerida audiência, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do artigo 411º, n.º 5, do CPP.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Há que dizer ser de estranhar que o Tribunal da Relação tenha optado por mandar baixar o processo após declaração de incompetência, em lugar de o remeter, de imediato, ao STJ, com o que teria dado cumprimento ao disposto no artigo 33º, n.º 1, do...

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