Acórdão nº 15189/02.6.DLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução29 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de JustiçaNos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, supra referenciados, das Varas Criminais de Lisboa, o condenado AA, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso extraordinário de revisão de sentença, ao abrigo do disposto nos artigos 449º nº 1, alíneas d) e e) do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007 de 29/8, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - Por parecer datado de 6 de Outubro de 1977, emitido pelo Conselho Médico - Legal de Coimbra, proferido no âmbito dos Autos de Querela nº 73/76, que correram termos no 1º Juízo, 2º Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, o arguido, ora recorrente, foi declarado inimputável; 2ª - Reza tal parecer, designadamente a fis. 3, que «( ... ) estamos perante uma personalidade anormal, do tipo psicopatia, verificando-se uma tendência para a reincidência e certa habitualidade dos seus actos delinquentes. Embora o examinado pareça ter a noção da ilicitude e punibilidade dos seus actos, não parece valorizar o carácter reprovável dos mesmos»; 3ª - Concluindo tal parecer ser o recorrente portador de psicopatia (sublinhado nosso); 4ª - Facto que, por ser objectiva e substantivamente novo, cabe no âmbito do definido no are 449º n° 1, alínea d) do C. P. Penal e é, como tal, susceptível de ser invocado para apreciação, no presente recurso extraordinário de revisão de sentença.

5ª - O conceito actual de psicopatias refere-se a um transtorno caracterizado por actos anti-sociais contínuos e, principalmente, por uma inabilidade em seguir normas sociais em muitos aspectos do desenvolvimento da adolescência e da vida adulta (sublinhado nosso); 6ª - Sublinhe-se que os portadores deste transtorno, não apresentam quaisquer sinais de anormalidade mental - alucinações, delírios, ansiedade excessiva, etc ... -, o que toma muito difícil o reconhecimento desta condição; 7ª - O Prof. Dr. Figueiredo Dias (in Direito Penal- Parte Geral, Tomo I - Coimbra Editora 2004, pp 532), define as psicopatias como «peculiaridades do carácter devidas à própria disposição natural e que afectam de forma sensível, a capacidade de levar uma vida social ou de comunicação normal»; 8ª - No caso em apreço, foi diagnosticada ao recorrente tal doença, no relatório médico-legal efectuado e confirmada no parecer emitido pelo Conselho Médico-Legal de Coimbra, reunido em pleno; 9ª - Fazendo-se uma análise atenta do percurso criminal do recorrente, verifica-se que o mesmo só praticou ilícitos desta natureza ou de natureza idêntica, o que indicia além da suficiência, a existência, na sua personalidade, de uma disfunção grave que se prende com a referida inabilidade para seguir regras sociais, sintoma evidente, da psicopatia de que padece; 10ª - De acordo com os ensinamentos do Prof. Dr. Figueiredo Dias (ob. cit., pp 526), «a inimputabilidade constitui, mais do que uma causa de exclusão, verdadeiramente um obstáculo à determinação da culpa»; 11ª - É para a problemática da culpa que se remete, porque se não há pena sem culpa, os inimputáveis não podem ser punidos, mesmo que imperativos de prevenção o exigissem; 12ª - Decorrência directa do disposto no artigo 40 n° 2 do Código Penal sem admitir qualquer tipo de derrogações, já que, estabelecendo-se que a pena tem a culpa como limite, onde esta inexiste não haverá lugar a punição; 13ª - No caso em apreço e face ao acima expendido e à concreta situação do recorrente, deve existir, pelo menos a possibilidade de se dever saber qual a verdadeira extensão da sua inimputabilidade, já declarada por um Tribunal, apenas e só, sem que tenha sequer ordenado o seu tratamento; 14ª - Ou seja, o mal que então dominava o recorrente não foi tratado e, por isso, permanece na sua personalidade e no seu percurso posterior; 15ª - Impõe-se, na modesta opinião do recorrente, dada a actual tendência da legislação para admitir a psicopatia, conferindo-lhe o estatuto de doença, para efeitos de irresponsabilização ou, pelo menos, de atenuação da pena e adopção de medidas de tratamento, que, pelo menos, o recorrente seja objecto de avaliação psiquiátrica; 16ª - Já que, conforme se lê na, aliás douta, sentença constante da certidão que se junta, ( ... ), «uma pessoa só pode ser responsável criminalmente pela prática de um facto, desde que, a par de o haver cometido, qualquer que seja a sua forma de comparticipação, se possa afirmar também a existência do que é vulgar designar-se por causalidade psíquica»; 17ª - E continua dizendo que «para se poder punir alguém pela prática de um facto, indispensável é que ele se possa "lançar à sua conta" (Da lnimputabilidade Penal do Direito Português, pág. 27, de José dos Santos Silveira). Se o facto não poder haver-se como o resultado de uma actividade livre e consciente, por o seu autor não disfrutar da necessária capacidade de querer e entender e da possibilidade de se determinar de harmonia com essa capacidade, jamais se poderá responsabilizar o agente que o leva a cabo»; 18º - Ainda segundo o douto aresto, de entre as causas susceptíveis de poder levar à exclusão da imputabilidade se contam as doenças mentais ou psicoses e as personalidades anormais, subdividindo-se estas últimas em dois grupos, dependendo do campo em que a anormalidade se faz sentir. Assim temos o grupo dos débeis mentais, no qual aquela se faz sentir sobre a inteligência e o dos psicopatas, desenvolvendo-se e afectando aquela, os domínios afectivo e volitivo; 19ª - É precisamente neste último campo que tal doença afectou e afecta a personalidade do arguido ora recorrente, que é possuidor de um desvio (doença), que é necessário reparar.

20ª - Constituindo preocupação central a cura da doença, como aliás resulta do direito à saúde, consagrado constitucionalmente - art° 64° CRP -, afigura-se que aos peritos médicos deve caber papel decisivo, já que o inimputáve1 é insusceptível de um juízo de culpa, ou seja, trata-se de alguém que não pode nem deve ser responsabilizado pelo acto que cometeu.

21ª - De acordo com o art° 20 do C. Penal de 1982 (que veio substituir o art 26° do C. Penal de 1886), designadamente com o seu nº 1, a inimputabilidade surge como impossibilidade de avaliar a ilicitude ou de se determinar de acordo com essa avaliação, sendo que as consequências dessa impossibilidade se extraem através da conjugação dos art°s 40°, nºs 2 e 3 e 91, todos do referido Diploma Legal.

22ª - Face ao até aqui expendido, resulta à saciedade que o arguido, ora recorrente, tendo já sido declarado inimputável, por decisão proferida por um Tribunal, não foi submetido a qualquer espécie de tratamento que mitigasse, ou até pusesse fim, ao distúrbio de personalidade de padece e as consequências são devastadoras, observando-se, a partir daí, que tal desvio de personalidade o levou a uma vida de crimes e a todas as consequências que daí advieram e continuam a advir para si e para a sua família.

23ª - Urge, por isso, pôr fim a esta situação, sendo necessário que o...

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