Acórdão nº 09A0526 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução28 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA, BB, CC e Cooperativa de Habitação DD CRL intentaram, na 14.ª Vara Cível de Lisboa, acção declarativa de condenação sob a forma comum, com processo ordinário contra Parque Expo 98 SA.

e Vodafone/Telecel, Comunicações Pessoais SA, pedindo a condenação destas a demolirem a frontaria e os aspectos do edifício sede da Vodafone que contrariam o plano de pormenor originário e a pagar uma indemnização por danos patrimoniais e morais, que, até à propositura da acção, liquidam em € 14.964.

Para tanto alegam, em síntese: A primeira Ré, enquanto vendedora do terreno em que edificaram e habitam o edifício Gil Eanes, comprometeu-se a respeitar o enquadramento urbanístico definido no plano de urbanização do local, sendo que veio a permitir a construção, nas imediações do seu edifício, do edifício sede da segunda Ré, o qual desrespeita as directrizes do referido plano de urbanização - facto conhecido e querido também pela segunda Ré -, causando-lhes a desvalorização do edifício e stress, desgosto e desilusão pela frustração das expectativas de usufruírem do enquadramento urbanístico planeado.

Foi chamado a intervir como parte principal BPI Pensões, Sociedade Gestora de Fundo de Pensões SA, enquanto proprietária do terreno onde estava a ser erigido o edifício de que a segunda Ré era promotora e promitente arrendatária.

Regularmente citadas, contestaram as Rés e a chamada, por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial, a ininteligibilidade do pedido, a incompetência absoluta do tribunal, a ilegitimidade activa e passiva e ilegal coligação de autores e por impugnação.

No despacho saneador foram desatendidas as excepções invocadas, com excepção da ininteligibilidade do pedido quanto à demolição dos aspectos da frontaria do edifício, com a consequente absolvição (nessa parte) da instância.

Inconformados, agravaram os AA. daquela absolvição da instância e a chamada recorreu, subordinadamente, da mesma.

Foi elaborada base instrutória, da qual os AA. reclamaram sem sucesso.

No decorrer da audiência de julgamento foi proferido despacho de não admissão de depoimento de uma testemunha a determinados quesitos.

Posteriormente foi proferido despacho a ordenar o desentranhamento de documentos.

Inconformados, agravaram os AA. de ambos.

A final, foi proferida sentença que, considerando indemonstrada qualquer desconformidade entre as características do edifício Vodafone e aquilo a que se havia comprometido a 1.ª Ré, julgou improcedente a acção, absolvendo as RR. e a interveniente do pedido.

Inconformados, apelaram os AA, concluindo, em síntese, por errónea elaboração da base instrutória, erro na decisão da matéria de facto e erro de julgamento.

Houve contra-alegações, onde se propugnou pela improcedência da apelação.

A Cooperativa de Habitação DD CRL. veio, entretanto, desistir do pedido, desistência essa que, limitada aos interesses da desistente, foi homologada por sentença que transitou em julgado.

A Relação de Lisboa negou provimento aos agravos interpostos, com excepção do agravo do despacho que não admitiu o depoimento de testemunha, tendo sido ordenada a repetição do julgamento "por forma a poder ser inquirida a testemunha em causa aos factos que a parte indicar"; e não conheceu, por prejudicada, da apelação.

Voltados os autos à 1.ª instância e, tendo sido designado dia para a inquirição da referida testemunha, recebeu-se notícia de que a mesma havia falecido. Tal facto foi comunicado ao mandatário dos AA.

Por comunicação electrónica de 3 de Abril de 2007 vieram os AA requerer a substituição da testemunha, a qual foi indeferida, com fundamento em extemporaneidade, decretando-se a subida dos autos à Relação, para conhecimento da apelação.

Mais uma vez inconformados, agravaram os AA, concluindo, em síntese, pela admissibilidade da substituição da testemunha e pela inexistência de apelação a ser conhecida pela Relação.

Contra-alegou a chamada, propugnando pela improcedência do agravo.

A Relação veio a proferir novo acórdão a negar provimento ao agravo, a confirmar a absolvição do pedido da Vodafone/Telecel e BPI Pensões, a condenar a Parque Expo a pagar ao A. AA a quantia de € 15.000, ao A. BB a quantia de € 22.500 e ao A. CC, a quantia de € 15.000 e a condenar em custas, em conformidade (as do agravo pelos agravantes, as da acção, na proporção de 1/2 para [todos] os AA, 3/8 para a Parque Expo e 1/8 para a A. Cooperativa e as da apelação, pela Parque Expo).

Desta decisão recorre a Ré Parque Expo, de revista, para este STJ, recurso que foi admitido.

A Ré conclui as suas alegações do seguinte modo: 1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, revogando a decisão proferida em primeira instância que havia absolvido a totalidade dos Réus, decidiu condenar a R. (então Recorrida e ora Recorrente) PARQUE EXPO'98 S.A. a (i) pagar ao A. AA a quantia de € 15.000, (ii) ao A. BB a quantia de € 22.500 e ao A. CC a quantia de € 15.000.

  1. Conforme consta a fls. ___ a Autora Cooperativa de Habitação DD desistiu do pedido e a citada desistência foi homologada por sentença que transitou em julgado.

  2. A configuração da causa de pedir foi baseada pelos Autores na responsabilidade contratual e do acervo da matéria da dada como provada se conclui que nenhum compromisso foi estabelecido directamente pela R. Parque Expo ora Recorrida com os AA. AA, BB e CC.

  3. O Tribunal a quo entende, mesmo assim, responsabilizar a Recorrente pelo facto de os cooperantes terem autorizado a Cooperativa de Habitação DD a celebrar o contrato dentro de uma determinada perspectiva, dentro de determinados pressupostos (cfr. quesito 4º, conforme alteração efectuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa).

  4. Não ficou demonstrado que a Parque Expo conhecesse ou tivesse obrigação de conhecer as circunstâncias em que os cooperantes contrataram com a Cooperativa.

  5. A questão talvez não se colocasse se a Cooperativa se mantivesse nos autos, dado que a responsabilidade da Parque Expo poderia ser configurada (embora de outro modo, e sempre segundo a tese do Acórdão com a qual se não concorda) por relação directa com a Cooperativa. Mas não é isto que se passa.

  6. Sendo o contrato celebrado entre a Parque Expo 98 e a Cooperativa esse dever não se estende, também, aos que adquiriam da Cooperativa fracções do edifício entretanto construído.

  7. As regras dos artigos 217º [crê-se que o Tribunal queria referir-se ao art.º 227º] e 762º do Código Civil e a obrigação que (independentemente do constante nas cláusulas contratuais) sempre resultaria da lei que determina que tanto nos preliminares, como na formação ou na execução dos contratos se deve proceder segundo as regras da boa-fé diz respeito, como a própria frase indica, à formação e execução dos contratos.

  8. O que a Ré se questiona é se a conclusão do Acórdão recorrido seria a mesma se a Cooperativa ainda estivesse no processo.

  9. A decisão tomada é, neste particular, completamente contra legem, violando a autonomia das cooperativas estabelecida no art.º 2º, n.º 1, da Lei n.º 51/96 de 7 de Setembro, o princípio de que estas podem realizar operações com terceiros (mesmo artigo n.º 2), o 4º princípio cooperativo (conforme definido no art.º 3º do mesmo diploma) que estabelece a autonomia e independência das cooperativas e a limitação de responsabilidade dos cooperadores (que decorre dos art.ºs 35º e 17.º n.º 1), viola igualmente o princípio regra da relatividade dos contratos (art.º 406º, n.º 2, do Código Civil), pedra basilar do princípio da autonomia privada sendo que o nosso direito não admite o efeito externo das obrigações.

  10. O Tribunal convolou, afinal, uma responsabilidade contratual que os AA., desde início, pretenderam efectivar (mas que não provaram) para uma verdadeira responsabilidade aquiliana o que consubstancia verdadeiro erro de julgamento (vicio de conteúdo ou "error in judicando") - Cfr. Acórdão do STJ de 17.10.2006, Relatado pelo Juiz Conselheiro Sebastião Povoas, no processo 06A3250, disponível em www.dgsi.pt).

  11. O Tribunal da Relação de Lisboa alterou os quesitos 5 a 7, passando a dizer-se, em especial no quesito 5 que a Parque Expo era entidade instrutora do processo e "sem cuja aprovação o mesmo não seria remetido à autarquia para licenciamento, aprovou o projecto de arquitectura do edifício Vodafone".

  12. Ora, à data da aprovação do projecto estava em vigor o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, como alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, sendo que nos termos desse diploma a instrução do processo feita pela ora Recorrente se reconduzia a um parecer preliminar sobre a documentação junta e apreciação acerca do cumprimento de regras que, de nenhum modo limitava a entidade que continuava a deter a competência exclusiva para o saneamento, aprovação de projecto de arquitectura e de especialidades e licenciamento final, que era a Câmara Municipal de Lisboa, nos termos expressos e claros do art. 16.º, n.º 1, art. 17.º, n.º 2, art. 17.º-A e art. 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro (com as especificidades dos arts. 31.º e segs. do mesmo diploma por se tratar de zona dotada de planos urbanísticos em vigor), preceitos violados pela decisão recorrida.

  13. Porque a participação da Parque Expo se fazia ao abrigo de um princípio de colaboração de entidades, com as entidades licenciadoras, o seu parecer nem sequer era obrigatório ou vinculativo, com o que a sua ausência ou não pronúncia nunca condicionavam a decisão final (cfr. designadamente art.º 32º do citado Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro) nem tinham a virtualidade de impedirem o avanço do procedimento de licenciamento e sua apreciação pelos serviços da Câmara Municipal.

  14. As competências de licenciamento e de fiscalização eram, pois, exclusivas da Câmara Municipal, conforme resulta do art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na sua versão de 1994. Quanto a competências de fiscalização, as mesmas...

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