Acórdão nº 09P0685 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução04 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra requereu a execução do Mandado de Detenção Europeu relativo a AA, de nacionalidade portuguesa, nascido em 18-02-1988, residente na Rua ..., em ..., Aveiro, com os seguintes fundamentos: Pelo Vice-Procurador do Ministério Público do Tribunal de Grande Instância de Versailles foi emitido, com data de 19-06-2008, e com a referência n.º 0800754009, um mandado de detenção europeu solicitando a detenção do referido cidadão português, emitido pela circunstância de o requerido estar indiciado pela prática de um crime de violação de menor de 15 anos, previsto nos artigos 222-23, 222-24, 222-44, 222-45, 2222-47, 222-48 e 222-48-1 do Código Penal Francês, a que corresponde pena até 20 anos de prisão.

Os factos que consubstanciam o crime ocorreram em data indeterminada do ano de 2004, traduzindo-se em o requerido, por violência, constrangimento, ameaça e surpresa, ter cometido penetração sexual na pessoa de Maria Tatiana, nascida em 25-02-1995, sendo que tais factos constituem também infracções puníveis em Portugal, pelo menos pelo artigo 164º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

O mandado foi inserido no sistema de informação Schengen (SIS), motivando a detenção do requerido no dia 4 de Setembro de 2008.

O detido foi apresentado para audição, requerendo-se a entrega do mesmo à França, como estado de emissão.

Procedeu-se a audição do requerido em 4 de Setembro de 2008, tendo o detido declarado não renunciar ao princípio da especialidade e opor-se à execução do mandado, invocando estar-se em presença de situação prevista no artigo 11º, alínea c) da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, por no ano de 2004 ter apenas 15 anos de idade, o que consubstancia uma causa de recusa de execução do Mandado.

O Ministério Público respondeu, dizendo que tal causa só se verificaria se se concluisse que os factos foram cometidos em data anterior a 18 de Fevereiro de 2004, pelo que na falta de indicação de data precisa ou aproximada da prática dos factos, requereu que fosse solicitada com a urgência necessária informação complementar sobre a data da ocorrência dos factos, para poder haver uma pronúncia fundamentada sobre a invocada causa de oposição à execução.

Relativamente ao estatuto do requerido ficou o mesmo a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a termo de identidade e residência e à obrigação de apresentar-se no posto policial da área da sua residência todas as sextas feiras pelas 20.00 horas.

Finalmente foi decidido: "Solicite-se de imediato e com a máxima urgência informação complementar a prestar no prazo máximo de 10 (dez) dias sobre a data da ocorrência dos factos, para poder haver uma pronúncia fundamentada sobre a invocada causa de oposição à execução do Mandado".

Solicitada a informação de imediato, no dia 4, conforme fls. 21, aguardaram os autos por 10 dias - fls. 27/8 - com insistência pelo cumprimento, como se vê de fls. 37 a 42, sendo a informação junta em 5-12-2008, conforme fls. 43 e 44 e constando a mesma de fls. 45, estando escrita na língua francesa.

Segundo a informação então prestada os factos que estiveram na origem da emissão do MDE, teriam ocorrido em data posterior a 17 de Outubro de 2004 e até 27 de Julho de 2008.

Por despacho de 10-12-2008 foi ordenada a dação de conhecimento ao requerido do teor da informação, o que foi cumprido no mesmo dia, conforme fls. 47, 48 e 49.

O processo aguardou o decurso do prazo para que o arguido se pronunciasse - cfr. despacho de fls. 51.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21 de Janeiro de 2009, constante de fls. 56 a 58, foi deliberado julgar improcedente o fundamento de oposição deduzido pelo requerido, e por estarem verificados os pressupostos legais do Mandado, foi determinada a entrega do cidadão em causa à França.

Entretanto, em 23 de Janeiro de 2009, o requerido atravessou requerimento ao processo, de fls. 63 a 65, invocando a impossibilidade de cumprimento do mandado por terem decorrido 140 dias desde a data da detenção sem que fosse proferida qualquer decisão quanto à execução, em inobservância do disposto no artigo 26º, n.ºs 2 e 3, da Lei 65/2003, devendo os autos ser arquivados.

Reporta-se ainda ao documento de fls. 46 (quereria referir 45), alegando a sua ininteligibilidade por escrito em francês, pedindo seja ordenada a sua tradução a fim de se poder pronunciar quanto ao mesmo.

Após parecer do Mº Pº foi proferido despacho, de fls. 69 a 71, a indeferir o requerimento na totalidade.

Em 3-02-2009 veio o requerido interpor recurso do acórdão, apresentando a motivação de fls. 73 a 79, que remata com as seguintes conclusões: A. A decisão de que se recorre enferma do vício de nulidade por incumprimento dos quesitos formais.

B. Na verdade, aquando da audição do arguido (na qualidade de detido), no pretérito 4 de Setembro de 2008, o Tribunal a quo, procurou, sem sucesso, comunicar ao arguido os elementos de tempo referentes ao crime de que aquele vem acusado pelas autoridades francesas; C. Nessa medida mandou o Colendo Tribunal da Relação notificar as entidades requerentes para, em 10 dias, virem aos autos fornecer elementos complementares para poder pronunciar-se de forma fundamentada.

D. Acontece que, a 10 de Fevereiro de 2008 foi o requerente notificado da junção aos autos de um documento todo ele redigido em francês - cfr. Fls. 45 dos autos.

E. Desse documento não recebeu o recorrente qualquer tradução para a língua portuguesa.

F. Contudo, e apesar disso, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Coimbra, por douto Acórdão de 23 de Janeiro de 2009, no sentido de mandar executar o mandado de detenção europeu; G. Ora, dispõe o n.° 2 do artigo 3.° da Lei 65/2003 que: "o mandado de detenção deve ser traduzido numa das línguas oficiais do Estado membro da execução (...)".

  1. Como se disse, o recorrente não foi notificado de qualquer tradução do documento, estando, destarte, impossibilitado de tomar posição (ainda que seja para se conformar com ele!) quanto ao seu conteúdo, I. Sendo esta uma clara violação da norma supra citada e uma violenta castração dos mais elementares direitos de defesa constitucionalmente consagradas - ex vi artigo 32° da CRP.

  2. É que, se o Douto Tribunal de que se recorre entendeu que tal documento não faz parte integrante do mandado de detenção europeu, então a decisão, para além da ilegalidade supra invocada, padece de nulidade, no sentido de não conter o elemento de temporal da alegada prática criminal.

  3. Logo, tendo o Tribunal a quo decidido executar o mandado tendo por pano de fundo este cenário violou claramente o disposto na alínea e) do n.° 1 do art.° 3.° da Lei 65/2003, o que implica a nulidade e consequente invalidade de todo o processado, o que se requer (ex vi alínea b) do n.° 3 do artigo 34° da Lei 65/2003).

    L. Se, por outro lado, o Tribunal a quo entendeu que o conteúdo de fls. 45 faz parte integrante do conteúdo do mandado de detenção europeu, então estaremos perante uma ilegalidade nos termos supra explanados, pois que esse documento, como se disse, não foi traduzido, estando em violação do imposto pelo n.° 2 do artigo 3º da já citada Lei.

  4. Termos em que, deverá ser revogado o Acórdão ora sindicado com as legais consequências.

  5. Sem conceder, sempre se dirá que o mandado em causa caducou, não podendo agora ser executado.

  6. Na...

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