Acórdão nº 07P1567 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 2008

Data20 Novembro 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

I RELATÓRIO 1.

No 1.º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Matosinhos, no âmbito do processo comum colectivo n.º 1923/99, foram julgados, entre outros, os arguidos AA, BB, CC e DD e condenados como co-autores materiais de um crime de ofensa à integridade física grave, agravado pelo resultado, previsto e punido pelos arts. 144.º, alínea d), 145.º, n.º 1, alínea b) e 146.º, com referência ao art. 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b), d) e g), todos do Código Penal (CP), na pena de 8 (oito) anos de prisão cada um deles.

Os arguidos foram ainda condenados solidariamente a pagar à requerente e assistente EE, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, a quantia global de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), sendo € 10.000,00 para ela, € 10.000,00 para a filha M... S... e € 15.000,00 para o filho J... D..., acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da decisão e até efectivo e integral pagamento.

2.

Inconformados com a decisão, os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 8/07/2004, negou provimento aos recursos, confirmando a decisão recorrida.

3.

Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, veio este, por acórdão de 16/11/2005, a anular o acórdão da Relação por falta de fundamentação.

4.

O Tribunal da Relação do Porto proferiu então novo acórdão, em 29/03/2006, em que voltou a negar provimento aos recursos, mantendo a decisão da 1.ª instância.

5.

Os arguidos voltaram a interpor recurso para este Supremo Tribunal daquela decisão.

  1. Os arguidos AA, BB e CC solicitaram, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 145.º do Código de Processo Civil (CPC), dispensa do pagamento da multa devida pela interposição do recurso no 3.º dia útil após o termo do respectivo prazo.

  2. Por despacho de 30/6/06, o Desembargador/Relator indeferiu tal requerimento e ordenou a notificação dos recorrentes para pagamento da multa.

  3. Notificados para esse efeito, apenas o recorrente BB veio efectuar o pagamento da multa.

  4. O Ministério Público requereu aclaração do despacho que admitiu "o recurso", quando eram três os recorrentes e só haviam sido pagas duas taxas de justiça e, relativamente à multa, só o recorrente BB a havia pago.

  5. O Desembargador/Relator, por despacho de 22/11/06, mandou notificar a mandatária dos três recorrentes para esclarecer a que arguidos se referia o pagamento da taxa de justiça.

  6. No seguimento de tal notificação, foi esclarecido que as taxas pagas diziam respeito aos recorrentes AA e BB. Quanto ao recorrente CC, esclareceu-se que a falta de pagamento foi devida a lapso, pois, por erro da secretaria, mantinha-se a informação no processo de que beneficiava de apoio judiciário, quando o pedido correspondente havia sido indeferido. Como tal, foi liquidada nessa altura a taxa de justiça devida, voltando-se a requerer, ao mesmo tempo, a dispensa do pagamento da multa, por carência económica.

  7. Por despacho de 8/1/2007, o Desembargador/Relator dispensou o recorrente CC do pagamento da multa, face ao alegado no requerimento referido antecedentemente.

  8. Por despacho de 7/2/2007, o mesmo relator, face ao pedido de aclaração do Ministério Público, admitiu os três recursos, considerando que todos pagaram a taxa de justiça devida.

  9. Em 27/2/2007, a Procuradora-Geral Adjunta junto da Relação do Porto interpôs recurso do despacho de 8/1/2007, acima referido.

  10. Remetido o processo a este Supremo Tribunal, o relator, no seguimento de promoção do Ministério Público, ordenou, em 4/5/2007, a sua baixa à Relação para ser admitido (ou não) o recurso antes mencionado, pois sobre ele não havia recaído qualquer despacho.

  11. No Tribunal da Relação do Porto, foi admitido o recurso do Ministério Público, por despacho de 13/6/2007.

  12. Retornado o processo ao STJ, precedendo promoção do Ministério Público, o relator, por despacho de 18/10/07, ordenou novamente a baixa do processo à Relação, com fundamento de que, sendo irrecorrível a decisão do relator, o recurso que dela havia interposto a Procuradora-Geral Adjunta devia ser considerado como reclamação para a conferência, aplicando-se analogicamente o disposto no art. 688.º, n.º 5 do CPC, pelo que tal impugnação deveria ser apreciada em conferência nos termos do art. 700.º, n.º 3 do mesmo diploma legal.

  13. Esta conferência veio a ter lugar em 13/2/2008, tendo sido decidido indeferir a reclamação/impugnação do Ministério Público.

  14. Desta decisão, a Procuradora-Geral Adjunta interpôs recurso para este Supremo Tribunal em 21/2/2008.

Da motivação, extraiu as seguintes conclusões: 1 - O recorrente António Barata interpôs recurso a fis. 1642 no 3.° dia útil após o termo do prazo para a sua interposição 2 - Pela interposição do recurso nessa situação é devida multa (art. 145.° n.° 5 do CPC); 3 - Através do requerimento de fls. 1680-1683 solicitou a dispensa do pagamento da multa devida; 4 - Pelo despacho proferido no dia 30/06/06, a fls. 1730 (na sequência de promoção nesse sentido do Ministério Público de fls. 1729 v.) foi indeferida a sua pretensão e foi ordenada a sua notificação para efectuar o pagamento da multa devida; 5 - Apesar de notificado para o efeito a fis. 1731, o CC não procedeu ao pagamento da multa; 6 - Posteriormente, requereu, de novo o mesmo recorrente CC a dispensa do pagamento da mesma multa devida pela interposição tardia daquele mesmo recurso. (requerimento de fis. 1747, entrado em 05/12/06); 7 - Pelo despacho proferido no dia 08/01/07, a fis. 1755, decidiu-se dispensá-lo do pagamento da multa 8 - Ora, tendo já sido indeferido o pedido de isenção do pagamento da multa em questão, este segundo despacho foi proferido já depois de esgotado o poder jurisdicional do Senhor Desembargador-Relator quanto à matéria da causa 9 - Na verdade, dispõe o art. 666.° n.° 1 do Código de Processo Civil que proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa; 10 - Este princípio, isto é, o princípio da extinção (ou de esgotamento) do poder jurisdicional do juiz, logo que proferida decisão, é aqui aplicável por força do disposto no art. 4.° do CPP; 11 - Assim, no dia 8 de Janeiro de 2007, com a prolação do despacho de fis. 1755 foi violado o referido princípio.

12 - Em consequência, o despacho recorrido de fis. 1755 é nulo uma vez que foi proferido «contra legem».

13 - Tal nulidade acarreta a nulidade de todos os actos subsequentes que dela dependam, sendo no caso nulo o despacho proferido a fis. 1759 que admitiu o recurso deste recorrente CC.

14 - Este recurso é obrigatório para o Ministério Público, nos termos dos art. 219.º, n.° 1 da CRP e 1.° e 3.° al. o) do Estatuto do Ministério Público; 15 - Para além disso, a decisão recorrida é ainda nula, por falta de fundamentação 16 - Embora nela se diga que face ao alegado, se dispensa o pagamento da multa, o certo é que o recorrente nada de concreto alegou, limitando-se a dizer que tal pagamento seria para si um encargo insuportável; 17 - Por sua vez, da sentença não resulta que ele se encontre na situação de manifesta carência económica a que se refere o art. 145.° n.° 7 do CPC; 18 - Tanto assim é que nunca requereu o apoio judiciário em qualquer das suas modalidades, tendo pago as taxas de justiça devidas pela instrução e pelos quatro recursos que até hoje interpôs nos autos e tendo constituído mandatários para o defender.

19 - Foi, por isso, violado ainda o disposto no art. 97.° do CPP e o art. 145.° n.° 7 do CPC.

20 - Por sua vez, o acórdão recorrido proferido a fis. 1819-1821 que se pronunciou sobre a questão objecto de impugnação, ao decidir que prevalece o segundo despacho, é igualmente nulo por falta de fundamento legal, uma vez que não está nos poderes do tribunal escolher entre dois despachos contraditórios qual o que prevalece.

21 - Razão por que deve o acórdão ser revogado.

Termina pedindo se declare a nulidade do acórdão recorrido, com a consequente declaração de nulidade do despacho proferido a fis. 1755, bem como do despacho, proferido posteriormente, que admitiu o recurso do recorrente António Barata para o STJ, porque dele depende absolutamente.

6.

No que diz respeito à decisão final, os recorrentes impugnaram-na, tendo apresentado as seguintes conclusões:

  1. AA, BB e CC (conclusões conjuntas): 1 -A decisão recorrida, em vez de reponderar a matéria de facto questionada, partiu do pressuposto de que não havia erro de julgamento e tentou demonstrar esse não erro, mas fazendo exclusivamente com base na afirmação da sua não existência.

    2 - Afirmou o quod demonstrandum.

    3 - Não está, pois, devidamente fundamentada nessa parte.

    4 - A deficiência de fundamentação toma-a nula.

    5 - Assim, deve na declaração de tal nulidade, ser ordenado aos Srs. Juízes Desembargadores que supram tal nulidade.

    6 - É hoje jurisprudência tendencial do STJ, sobretudo depois do esclarecido acórdão de 1 de Maio de 2004 (CJ; Ac STJ, Ano XII, tomo 2º, 192 a 195) continuada, v. g., com o Ac STJ de 18 de Novembro de 2004, decisão proferida no processo n.º 3272/04, da 5ª secção, que o Tribunal da Relação não se pode quedar pela mera sindicância da convicção probatória, mostrando-se desatento à impugnação da matéria de facto que lhe é peticionada, abstendo-se de a reponderar, nos termos dos artigos 412°, n.º 3, 428°, n.º 1 e 431°, todos do CPP.

    7 - As decisões judiciais têm de ser fundamentadas de facto e de direito, sendo que a fundamentação das sentenças, para além disso, tem o específico do artigo 374° do CPP.

    Sobre a questão de direito suscitada8 - Da matéria dada como apurada, não existem factos subsumíveis aos artigos 146º al. d), 145° n.º 1 al. b) e 146º com referência ao art. 132° n.º 1 e 2 als. b), d) e g), mas sim ao art. 143º n.º 1, todos do Código Penal.

    9 - Isto porque o simples facto de o Colectivo dar nomeadamente como provado que os Arguidos, aqui Recorrentes, provocaram na vítima as escoriações descritas no exame pericial, não pode dar-se um salto no escuro, partindo de escoriações e concluindo «...

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