Acórdão nº 07P3867 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2008
Data | 16 Outubro 2008 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal) |
Relatório Em processo comum, o Tribunal Colectivo da 4.ª Vara Criminal do Círculo do Porto, por Acórdão de 09.07.2007, absolveu AA da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. d) e i) do CP, pelo qual vinha acusado.
Dessa decisão absolutória interpôs recurso o Mº Pº, circunscrito à matéria de direito, ao abrigo do artigo 432º.d) do CPP/ 95, para o que das alegações apresentadas tirou as seguintes conclusões: 1º - O arguido planeou detalhadamente, mesmo quanto ao meio, o assassínio da esposa e encomendou a execução desse plano a terceiros; 2º - o plano não teve concretização, por razões alheias à vontade do seu autor; 3º - no que respeita à autoria, tal conduta é qualificável como autoria mediata e não como instigação.
4º - Com efeito, a conduta do arguido é subsumível na 2ª proposição da norma do artigo 26º do CP, que estabelece que " é punível como autor quem executar o facto ...por intermédio de outrem"; 5º - ao planear, delinear detalhes de execução e ao encomendar e pagar a execução, o arguido assumiu a posição a que a doutrina, no domínio das teses de autoria, designa como o " homem - de- trás"; 6º - "homem - de - trás" que é um autor mediato, por não executar o facto directamente, mas que o mantém sob seu domínio, na vertente do domínio da vontade, controlando a execução e podendo dela desistir, querendo fazê-lo.
7º - No caso em apreço, a execução do plano só não ocorreu por razões alheias à vontade do autor, razões que o próprio desconhecia.
8º - Entende a doutrina que, se o autor imediato não chegar a executar o crime, o início da tentativa, na esfera do autor mediato, verificar-se-á quando os seus actos possam abranger, pelo menos, o tipo de actos de execução definidos na c) do nº 2 do artigo 22º do CP.
9º - Ao encomendar a execução do plano, o arguido deixou o processo causal decorrer livremente, fora do seu domínio e no domínio do executante do contrato, a quem até havia pago; 10º - e assim, como bem compreendeu o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão em que se apreciava a prisão preventiva a que o arguido foi sujeito, os actos praticados pelo arguido podiam fazer esperar que se lhes seguissem os actos idóneos a produzir a morte da esposa, morte que desejava; 11º - o mesmo é dizer: a conduta do arguido ultrapassou o patamar dos actos preparatórios, descendo aos de execução, na previsão da alínea c) do nº 2º do artigo 22º do CP.
12º - Assim, como autor mediato, o arguido praticou actos de execução do crime de homicídio que planeara, contra a sua mulher, a BB.
13º - O douto Acórdão recorrido violou as normas dos artigos 22º n° l e n° 2 c), 23º, 26º, 73º, 131º e 132º nº 1 e 2 d) e i) todos do CP.
14ª - Deverá o Acórdão ser revogado e substituído por outro que condene o arguido AAcomo autor mediato, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p e p. pelas normas conjugadas dos artigos 22º,23º,73º, 131º e 132º nº l e 2 d) e i) do CP.
Respondeu o arguido concluindo que: 1. O Acórdão recorrido faz uma aplicação irrepreensível do direito vigente, maxime do art 26.° do Código Penal, e não pode ser senão objecto de confirmação, devendo manter-se no presente a decisão absolutória nele contida.
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Na realidade, por onde quer que se perspective os factos provados - pela óptica do conceito extensivo de autoria ou do conceito do domínio do facto - chegar-se-á sempre à conclusão de que os mesmos não são objecto de previsão incriminadora em lei penal vigente à data da sua pratica.
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Em qualquer das orientações, e porque se dá como provado que os interlocutores do arguido actuaram sempre de livre vontade e com pleno conhecimento dos factos, a situação em causa deve integrar-se no campo da instigação.
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Porque face a qualquer uma daquelas concepções, em sede de instigação constitui condição "sine qua non" para que o mandante seja penalmente responsabilizado pela sua acção de determinação sobre o executor é que este dê, pelo menos, início à execução, 5. e porque realmente ficou provado que em momento algum os interlocutores do arguido se predispuseram a matar ou a servir de intermediários para matar a assistente e que os mesmos não realizaram qualquer acto de execução de que pudesse resultar a morte da assistente, 6. estaríamos, quando muito, perante tentativa de instigação e não instigação propriamente dita..
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À luz da lei penal portuguesa, a tentativa de instigação não é punível.
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Assim sendo, e na linha do Acórdão do STJ de 31-10-1996, bem concluiu o douto Tribunal "a quo" que a conduta do arguido não chegou a assumir relevância penal.
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A motivação do douto recurso do Ministério Público louva-se fundamentalmente no pensamento da Mestre Maria da Conceição Valdágua, que, na realidade, propõe o aliciamento como figura próxima da autoria mediata.
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Mas daí a considerar, como insinua o Ministério Público, que no caso em apreço a doutrina da Conceição Valdágua conduziria á punição do arguido, apesar de os seus interlocutores não terem praticado qualquer acto de execução, não só não corresponde à verdade, como inclusive é desmentido pela posição expressamente assumida por aquela Autora: 11. "Isto, todavia, só será relevante para quem sustente, quanto ao início da tentativa do autor mediato, alguma das teses que admitem que a tentativa, pode começar, em regra, antes de o agente imediato praticar qualquer acto de execução, entendimento que, no seu conteúdo essencial, nos parece de rejeitar"(MARIA DA CONCEIÇÃO VALDÁGUA, «Autoria Mediata em virtude ...in: Líber Discípulorum para Jorge Figueiredo Dias, p.671e seg).
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Segundo Conceição Valdágua, mesmo considerando que o aliciador é autor mediato a sua punibilidade deverá, pois, em regra, depender da prática, de actos de execução pelo executor.
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Assim, aplicando à matéria provada o pensamento de Conceição Valdágua - considerando-o na sua íntegra e não de uma forma truncada, como propõe o Ministério Público - conclui-se necessariamente pela irrelevância da conduta penal do arguido, uma vez que os seus interlocutores não praticaram qualquer acto do qual pudesse vir a resultar, de forma imediata ou sequer remota, a morte da assistente.
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Na douta motivação do Ministério Público invoca-se ainda o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-09-2006, tirado em sede de recurso de medida de coacção aplicada ao arguido, e no célebre Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o caso Meia Culpa.
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Não há, todavia, qualquer paralelismo entre este caso e o caso da Meia Culpa, pois há um ‘'pormenor" que faz toda a diferença: enquanto no caso Meia Culpa os executores mataram 13 pessoas; aqui os supostos destinatários da ordem para matar foram logo denunciar a situação à Policia Judiciária.
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Demais que, como já se referiu, no domínio do conceito extensivo de autoria, a melhor doutrina entende que "a autoria mediata postula que o facto a que o executor foi determinado alcance, pelo menos, um começo de execução".
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E também o Supremo Tribunal de Justiça considerou já que "para ser punível a autoria moral, e, antes de mais, necessário que o suposto autor material represente e queira o correspondente crime (no caso, um homicídio voluntário) e que o comece a executar". (Sum. do Ac./STJ de 31.10.1996 - Proc. nº 04 8948- www.dgsi.pt) Carece de fundamento a interpretação "adrede" pensada pelo Ilustre Recorrente, devendo negar-se provimento ao recurso.
Subidos os autos ao Supremo Tribunal foram os mesmos vista ao M.P., a que se seguiram os vistos dos Juízes Conselheiros desta Secção Criminal - 5ª, sendo posteriormente submetidos à decisão do Exmº Presidente da Secção para marcação da data para audiência.
Estatuto pessoal do arguido: Esteve detido preventivamente entre 27.6.2006 a 09.07.2007, sendo que desde 20.09.2006 até á sua restituição de liberdade esteve sob a medida de uso de pulseira electrónica.
Fundamentação: A) A motivação do recorrente - o M.P. - centra-se na questão da qualificação jurídica dos factos, pugnando pela condenação do arguido como autor mediato de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22°, 23°, 73°, 131° e 132º n.°s 1 e 2, als. d) e i) todos do CP. Como se sabe, o Acórdão recorrido fundamentado no artigo 26º- última parte- do CP absolveu o arguido perfilhando o entendimento que aí se configurava um caso de instigação, mas não punível por não ter ocorrido execução ou começo de execução; muito menos seria então caso para punição de tentativa de instigação, cuja punição a lei nem sequer contempla.
A questão que o Supremo Tribunal é chamado a decidir assenta, pois, no dimensionamento da acção participativa do arguido AAno evento que lhe é imputado, tendo por base a factualidade apurada na instância recorrida.
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Na instância recorrida foram dados como provados os seguintes factos: (transcrição) 1 - O arguido AA e a assistente BB, são casados entre si.
2 - O casal tem dois filhos CC e DD.
3 - O arguido desempenhou funções de Director na empresa II Portuguesa, Importações e Exportações, Lda", com sede em Arcos de Valdevez, até ter sido despedido, em data não apurada do mês de Setembro de 2005, sendo que, na sequência de tal despedimento, o arguido terá efectuado telefonemas anónimos e enviado cartas, também anónimas, a algumas entidades, denunciando alegadas práticas ilegais por parte da empresa em questão.
4 - Em Janeiro de 1996, no contexto da actividade da empresa "BR - Gestão de Unidades Hoteleiras, Lda", de que é sócia gerente, a assistente iniciou a sua actividade na área da restauração, inaugurando o restaurante "MS, sito na Av...., em Braga.
5 - Em consequência das imposições dos contratos - tipo celebrados, em regime de franchising, entre as empresas e a MS - imposição da existência de dois sócios, um com 99% do capital outro com 1% - o arguido assumiu-se como sócio gerente daquela empresa.
6 - Na realidade, porém, limitava-se a colaborar com a assistente, desempenhando...
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Acórdão nº 878/07.7GDGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Julho de 2012
...acabam: o diferenciador é a existência ou não de uma execução em marcha”. Maia Gonçalves, ob.cit. pág.41 [10] Ac.STJ 16.10.2008, Processo 07P3867, Relator: António Colaço. In...
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