Acórdão nº 08A2357 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução16 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Relatório No Tribunal Judicial da Comarca do Porto., AA, intentou a presente acção de reivindicação, com processo ordinário, contra, BB; Alegando resumidamente: - O A. é dono e legítimo possuidor de um conjunto de bens móveis (mobiliário e objectos de decoração) que descrimina.

Tais bens foram legados ao A. por morte do seu anterior proprietário, ou foram pelo A. adquiridos na Alemanha, constituindo o recheio da habitação que possuía em Munique; - Em meados de 1990, o A. deixou de residir na Alemanha e fixou-se em Portugal, num apartamento situado na Rua ....- Porto; - Até meados de 1993 os referidos bens do A. estiveram guardados nas instalações pertencentes a uma sociedade da família; - Em finais de 1993, a referida sociedade foi trespassada e os móveis foram retirados das suas instalações.

- Nessa altura o irmão do A., CC (entretanto falecido) e a esposa deste, ora Ré, prontificaram-se a guardar temporariamente os referidos bens do A.

- Então o A. entregou-os ao seu mencionado irmão e cunhada para que estes os guardassem.

- Entretanto, já após o falecimento do irmão do A., este solicitou à Ré a restituição dos móveis, recusando-se esta a fazê-lo.

Formula então os seguintes pedidos: - a) deve a Ré ser condenada a reconhecer o A. como dono e legítimo possuidor dos bens identificados no artigo 1º da p. inicial; -b) a restituir ao A. os referidos bens e -c) a pagar ao A., a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de 20€, contados desde a citação, por cada dia de atraso na restituição dos bens móveis em causa até à sua integral devolução ao A.

Contestou a Ré, alegando resumidamente que o A. doou ao falecido irmão e a ela própria todos os bens que se encontram em seu poder, e que se tal título não existisse, sempre os teria adquirido por usucapião (alegou a factualidade pertinente).

Replicou o A., precisando que ..."emprestou os bens à Ré e ao irmão CC para seu uso na casa de Canelas ou noutra, até que os reclamasse de volta ou aqueles não pretendessem guardá-los mais".

Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

Instruídos os autos realizou-se a audiência de discussão e julgamento, findo a qual se publicitou a decisão sobre a matéria de facto.

Proferiu-se, de seguida, sentença final que julgou a acção improcedente, tendo absolvido a Ré dos pedidos.

Inconformado recorreu o A. e com êxito, visto que a Relação, apreciando a apelação a julgou procedente, e consequentemente, revogou a sentença recorrida, julgando a acção parcialmente procedente, declarando ser o A. o proprietário dos bens em causa e condenando a Ré a restituí-las ao A.

Quanto ao demais (sanção pecuniária) julgou a acção improcedente.

É agora a Ré quem, inconformada, recorre do acórdão da Relação, recurso que foi admitido como de revista.

ConclusõesOferecidas tempestivas Alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões: Conclusões da Revista 1ª.- Tem o corpus da posse aquele que, sem violência, recebeu do anterior proprietário certos bens móveis, que passou a utilizar diariamente (por si, seus familiares, amigos e visitas da casa, neles incluindo o próprio Autor), à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja (Autor, incluído), cuidando deles e procedendo à sua limpeza; 2ª -Tem, também, o animus rem sibi possidendi, se ficou provado que exerceu esses poderes de uso e de fruição, "assumindo-os como coisa própria" (nomeadamente, perante outras pessoas, nelas si incluindo o próprio Autor).

  1. -Tal posse deve ser caracterizada com verdadeira posse, no sentido de posse em nome próprio e, 4ª- Se exercida durante doze anos ininterruptos, pelo menos, a propriedade dos bens assim possuídos foi adquirida por usucapião.

    Por outro lado: 4ª - Presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto (art. 1252°., n°. 2), ou seja, presume-se o animus naquele que exerce o corpus.

  2. -Aquele que exerce o corpus está dispensado de provar que também tem o animus (art. 350°., n° 1°.), recaindo sobre o Autor/reivindicante o ónus da respectiva contraprova (arts.342°.; 346°.; e3478.).

  3. - Se, verificada a base daquela presunção legal, o reivindicante não a lograr ilidir, os factos materiais que a integram são considerados provados contra ele, 7ª - Com a inelutável consequência juridico-processual (cfr. art. 346°., in fine e a contrario) de os bens reivindicados serem considerados na posse legítima da demandada.

    Por último: 8ª. - Se a Ré não conseguiu fazer prova de ter recebido os bens reivindicados por um alegado contrato de doação, nem por isso o Autor se devia considerar dispensado da prova de lhos ter transmitido por virtude de um também alegado contrato de empréstimo ou de depósito, que obrigasse à sua futura restituição, por ser esse um facto constitutivo do direito que este se arrogou.

  4. - Só assim não seria se a situação configurasse um "caso especial" (art. 343o.) ou de inversão do ónus da prova (art. 344°.), o que, seguramente, aqui não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
  • Acórdão nº 155/07.3TBTVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Fevereiro de 2021
    • Portugal
    • 25 de fevereiro de 2021
    ...do STJ nº. 1/2008 de 04.12.2007, publicado no DR – 1.ª Série, n.º 63, de 31.03.2008 e acórdãos do STJ de 16.10.2008, proferido no processo n.º 08A2357 e da Relação de Évora de 14.02.2008, proferido no processo n.º 2367/07-2, todos acessíveis em O recorrente também não tem razão ao alegar qu......
  • Acórdão nº 1021/18.2T8AGH.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-03-2023
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • 14 de março de 2023
    ...de facto com animus de exercer o direito real correspondente». Veja-se, ainda, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 16/10/2008 (Proc. n.º 08A2357 – Relator: Moreira Alves, disponível em www.dgsipt), de cujo sumário se destaca: «I - A relação material com a coisa (isto é o corpus), em si......
  • Acórdão nº 904/12.8TYLSB-K.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 08-11-2022
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • 8 de novembro de 2022
    ...Cód. Civil anotado, vol. III, pág. 5 e ss. e Manuel Rodrigues, A posse, 3ª Ed. , pág. 10 [24] Vd. acórdão do STJ de 16.10.2008, proc. 08A2357, disponível na página da [25] Oliveira Ascensão, ob. cit., p. 85. [26] Publicado no DR 144/96, série II, de 24.06.1996. [27] A título de exemplo, acó......
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT