Acórdão nº 904/12.8TYLSB-K.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 08-11-2022

Data de Julgamento08 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão904/12.8TYLSB-K.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as juízas da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório:
1 – N.., S.A. instaurou ação de separação e restituição de bens nos termos do art. 146º do CIRE por apenso ao processo de insolvência de GT…, S.A.
Formulou os seguintes pedidos:
a) Ordenar-se a separação das frações identificadas nos artigos 9º e 15º desta petição e restituir as mesmas à autora, declarando-se e reconhecendo-se que:
b) A autora é a única dona, possuidora e legítima proprietária de todas as frações identificadas em 9º e 15º da PI, quer pela posse derivada desde 1998 e pela compra formalizada pelo contrato promessa de compra e venda outorgado a 28-12-2001, quer pela via originária da usucapião.
c) Condenarem-se os RR a reconhecerem o direito da autora.
Alegou que:
- por direito de sucessão é titular dos direitos e obrigações da sociedade Construtora…, Ldª constituída em 1999 que, em 2000, alterou para sociedade anónima, em 2003 para S…– Construções, SA, em 2007 para NW…, SA, e em 2017 para a atual denominação;
- em 30.06.1998 o seu sócio fundador, J…, adquiriu dois prédios rústicos e três urbanos a massa insolvente de uma sociedade (Cifa) e realizou obras em alguns espaços que passou a ocupar e a destinar ao exercício da sua atividade profissional em nome individual, destinando os demais a venda, nos quais iniciou igualmente obras, tendo vendido alguns e prometido vender outros;
- em 1999 J… constituiu a Construtora… Ldª para executar as obras naqueles prédios, que as passou a executar quer nos espaços que aquele sócio reservara para si e para a atividade das sociedades de que era sócio, quer nos que destinou à venda;
- desde a sua constituição a autora funcionou e manteve-se com sede naqueles instalações adquiridas pelo sócio da autora onde, muito antes da constituição desta, aquele sócio exercia a mesma atividade em nome individual há mais de 20 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de outrem que não a massa insolvente de GT…, a partir de 2013;
- após a morte do sócio J…, em 06.06.2001 os seus herdeiros constituíram a sociedade MP…, SA, atual insolvente, para a promoção e venda dos imóveis recuperados, sociedade que em 29.06.2001 e com recurso a financiamento que lhe foi concedido pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) adquiriu aos herdeiros de J… dois daqueles prédios urbanos (correspondentes aos descritos na CRP sob os nºs 1149 e 213 da freguesia do S…, e inscritos nas matrizes sob os artigos 795 e 796, e 819, respetivamente) pelo preço de € 3.242.186,33 que, apesar de na escritura constar como recebido, por imposição da CGD ficou depositado numa conta caucionado dos vendedores a favor da CGD para garantia do mútuo concedido à sociedade compradora;
- nessa data a C… (autora) sucedia ao sócio J… na posse de todas as referidas 41 frações no exercício da sua atividade comercial, sem interrupção na posse, gozo, uso e fruição dos imóveis;
- em 28.12.2001 as sociedades, detidas pelos mesmos sócios, MP…, com legitimidade para o efeito na qualidade de proprietária dos imóveis, e Construtora…, na qualidade de promitente compradora e detentora da posse dos imóveis, formalizaram contrato pelo qual aquela prometeu vender e esta prometeu comprar pelo preço de €1.745.792,64 as frações que identificaram em planta anexa ao contrato por ainda não existir a propriedade horizontal, que foi posteriormente constituída, dando então lugar a 41 frações; que a primeira tranche do preço - € 847.956,43 - foi paga através de cheques sacados sobre conta pessoal do sócio da autora em benefício da Direção Geral do Tesouro e com os quais a promitente compradora, Construtora…, pagou dívida fiscal em execução de pelo menos € 836.317,81, e a segunda tranche foi paga pelos sócios da Construtora… por transferência de 13.10.2003;
- até à morte de J… foi este quem ordenou, realizou e pagou as obras realizadas nos imóveis por aquele adquiridos à massa insolvente da Cifa, e foi também aquele que celebrou muitos contratos promessa de compra e venda como promitente vendedor.
Conclui que, por si e pelo seu ante-possuidor J…, desde 30.06.1998 que esteve sempre na posse, gozo, uso e fruição dos imóveis, posse pacifica e de boa fé, só perturbada pela sua apreensão para a massa insolvente de GT… em setembro de 2013, mas à qual a autora se opôs, mantendo-se na posse dos bens, que lhe pertencem por direito próprio.
Arrolou testemunhas e juntou documentos.
2. A autora foi notificada para proceder à junção da respetiva certidão atualizada e, junta, foi proferido despacho a ordenar a notificação da autora para oferecer o que tiver por conveniente por referência ao pedidos que deduz na presente ação e respetivos fundamentos e aos factos que foram jugados não provados por sentença proferida nos autos de verificação ulterior de crédito instaurada pela autora nos autos em apenso G, atinentes com o alegado pagamento do preço dos imóveis objeto do contrato promessa que invocou em fundamento dos pedidos que deduziu nesta e naquela ação.
Em resposta a autora alegou que não está impedida de nesta ação fazer prova do pagamento que na ação anterior foi julgado não provado por corresponderem a questões negativas que não incidem sobre a sentença de fundo e, por isso, não constitui nem tem a autoridade de caso julgado e não impede a autora de obter nova decisão, sob pena de ofensa do direito de acesso à justiça garantido pelo art. 20º da Constituição por via da errada interpretação dos arts. 581º e 619º, nº 1 do CPC.
3 - Seguidamente foi proferida decisão que, considerando verificada uma situação de caso julgado e, em síntese, que “No caso, é a própria autora que assume não ter o domínio de facto sobre os imóveis, quando vem a juízo reclamar o seu crédito com fundamento no contrato-promessa. O pedido da autora na anterior acção de verificação ulterior de créditos radica na sua qualidade detentora dos imóveis, no âmbito de um contrato-promessa celebrado com o titular do direito de propriedade inscrito no registo predial, o que não é compatível com o direito de propriedade, que agora vem invocar.”, indeferiu liminarmente a petição inicial
4 - Inconformada, a autora deduziu o presente recurso requerendo a alteração da sentença recorrida em conformidade com os pedidos que deduziu.
Formulou as seguintes conclusões:
1 – A sentença de 22-06-2021, proferida na ação de verificação ulterior de créditos, que constitui o apenso G à insolvência, julgou aquela improcedente absolvendo os réus do pedido, que consistia em que fosse reconhecido um crédito de €1.745.792,64, proveniente do contrato promessa de compra e venda de 5.250m² ao nível do piso zero, 12.650m² ao nível do piso 1 e 4.550m² ao nível do piso 2, constituindo posteriormente em propriedade horizontal através de frações que identificou no artigo 9º daquela PI, e no direito de retenção.
2 – esta sentença constitui, sem quaisquer dúvidas, uma decisão transitada em julgado, assente em factos peticionados levados aos factos não provados de que tenha a autora levado a efeito obras em todas as frações, bem como realizado trabalhos de desaterro e acabamento de edifícios, projeto de arquitetura, custos de mão de obra, aluguer de máquinas, reparações, manutenção e combustíveis, peças, ferramentas, compra de materiais no valor de €3.824.174,73.
3 – Levou igualmente aos factos não provados a entrega dos cheques sobre o Finibanco de €286.897,47, do BPN de €286.897,47, e do BIC nos montantes de €262.255,87 e de €11.638,62.
4 – Em tal ação fundou a recorrente o seu pedido na existência do crédito e no direito de retenção. Justificando que o preço se encontrava pago através dos dois aceites bancários de €847.956,43 com vencimento em 31-05-2002 e de €897.836,21, com vencimento em 31-10-2003.
5 – Na presente ação onde foi proferida a decisão recorrida, a recorrente formula pedido diverso assente na posse continuada desde 1998 e na aquisição do direito real pela via da usucapião e na exibição de documentos de pagamento que ainda lhe não fora possível obter.
6 – A insolvente é a sucessora da M… – Empreendimentos Imobiliários, S.A., que se obrigou a transmitir à recorrente um conjunto de frações existentes nos prédios identificados por “Polo Industrial M…”, ex-CIFA, frações que se encontram identificadas e assinaladas na planta que anexaram ao contrato com cerca de 2.894m² ao nível do piso zero, 12.650m² ao nível do piso 1, e 4.550m² ao nível do piso 2 pelo preço de €1.745.792,64.
7 – Por sua vez, a recorrente é a sucessora da sociedade A Construtora…, Lda..
8 – O contrato de 28-12-2001 que formalizou a transmissão das frações, transmitiu igualmente a posse, posse esta já existente desde 30-06-1998, e verificada após a compra dos prédios inscritos nas matrizes sob os artigos 795, 796 e 819, onde se situam os espaços que J… havia adquirido e reservado para as atividades comerciais e industriais por ele desenvolvida e pelo seu filho.
9 – Após a morte do J… ocorrida a 11-12-2000, o cônjuge mulher e o único filho, constituem em 26-06-2001 a sociedade M… e, em 29-06-2001 e vendem a esta sociedade os artigos 795, 796 e 819.
10 – Sendo o sócio R…, simultaneamente administrador da M… e d'A Construtora…, Lda., com poderes para o ato em ambas as sociedades, outorgou em representação das mesmas, em 28-12-2001, o contrato promessa de compra e venda, pelo qual formalizou a transmissão e posse dos espaços da M… para a Construtora… com as áreas de 2.894m², 12.650m² e 4.550m² que vieram posteriormente a constituírem em propriedade horizontal designadas pelas frações identificadas nos artigos 9º e 15º da PI.
11 – Estando em causa prédios adquiridos pelo marido e pai dos sócios de ambas as sociedades, do perfeito conhecimento de todos os interessados, não se vê que outros atos de transmissão da posse devesse ter alguma outra expressão material, pelo que só pode ser entendido como efeito jurídico automático
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