Acórdão nº 08P3068 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução08 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de JustiçaNo Tribunal Judicial de Fafe - 3º Juízo - Pº n.º 1051/07.0GAFAF, foi julgado pelo tribunal Colectivo o arguido AA, com os demais sinais dos autos, na sequência de acusação que lhe moveu o MºPº, imputando-lhe a autoria material, com dolo directo, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas nos artigos 131º e 132º nº 1 e nº 2 alíneas e) e j) do Código Penal.

-BB, viúva de CC, id. nos autos, deduziu pedido de indemnização civil no montante de € 176.950, acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da notificação e até integral pagamento.

-Realizado o julgamento, foi proferido acórdão que julgando a acusação parcialmente provada e procedente: - Condenou o arguido AA pela autoria material de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131º do Código Penal, na pena de dez anos de prisão; - Absolveu o arguido AA da imputada autoria material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131º, 132º nº 2 alínea d) parte final (motivo fútil) e i) (frieza de ânimo) do Código Penal; - Julgando o pedido de indemnização parcialmente provado e procedente: - Condenou o demandado AA a pagar à demandante BB: - O que vier a ser liquidado em incidente próprio relativamente a despesas de funeral e de deslocação aludidas nos pontos 31) e 32) da fundamentação de facto; - € 55.200 a título de alimentos, acrescido de juros à taxa legal de 4% desde 10 de Janeiro de 2008 até integral e efectivo cumprimento; - € 25.000 a título de compensação por danos não patrimoniais por esta sofridos, acrescidos de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efectivo cumprimento; - Absolveu o demandado AA da instância relativa às pretensões deduzidas pela demandante BB nos artigos 30º e 39º do pedido cível; - Absolveu o demandado AA do remanescente do pedido.

---Dessa decisão foi interposto recurso, para o Tribunal da Relação de Guimarães "no qual se defende que das provas produzidas em audiência e da pericial e documental, resulta que o disparo não foi intencional, nunca tendo o arguido querido matar o seu irmão, tendo apenas ocorrido o disparo «porque a vítima agarrou os canos da arma em sua direcção, com o intuito de a retirar ao arguido e, nessa sequência a mesma disparou, não tendo sido possível determinar o autor do disparo».

Em consequência, o recorrente pedia que se altere ou elimine a matéria de facto dos pontos 4, 6, 9, 13, 14, 16, 19, 20, 21, 22 e 28 e que se decida a sua absolvição ou, no máximo, que lhe seja aplicada uma pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos." O Tribunal da Relação proferiu douto acórdão em que julgou improcedente o recurso.

De novo inconformado, vem o arguido recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões: A-) O douto acórdão recorrido limitou-se a enfatizar o constante do douto acórdão proferido em primeira instância, não querendo saber, em momento algum, da argumentação expendida pelo arguido/recorrente; B-) Tratando-se, como se tratava de um recurso que versava também sob a matéria de facto, impunha-se que o julgador do Tribunal de recurso, se pronunciasse em concreto sob as provas produzidas em audiência de discussão e julgamento; C-) Limitou-se o julgador do Tribunal de recurso, a insistir na forma como entendeu ter actuado o Tribunal recorrido, demonstrando claramente não admitir alterar a matéria de facto, por entender que é o julgador de primeira instância que contacta com a prova testemunhal, que vê e valora a forma como as testemunhas depõem, não dispondo o julgador do Tribunal de recurso, de meios para fazer uma correcta interpretação da prova testemunhal produzida em julgamento; D-) Diz também que o julgador de primeira instância actuou com todos os cuidados, fez um juízo adequado e seguiu o caminho que entendeu correcto face à prova produzida e que o arguido apenas apresentou uma visão diferente da prova produzida em julgamento; E-) É evidente que estamos perante diferentes análises à prova produzida em julgamento; F -) Dúvidas não temos que o Tribunal de primeira instância actuou como entendeu adequado. E o recurso não é e nem nunca pode ser entendido como uma visão de censura da decisão proferida, entenda-se em sentido pejorativo; G-) Os julgadores da primeira instância e todos em geral, nos merecem o maior respeito. Temos também o direito de pensar de modo diverso e de ver de forma diferente os depoimentos prestados e a restante prova produzida em audiência de discussão e julgamento; H- ) Se assim não fosse, de nada servia o recurso! 1-) O que se visava e visa com a interposição do recurso para o agora Tribunal "a quo", era que este procedesse a uma reanálise da prova que se produziu em audiência de julgamento. Porém, este recusou-se a fazê-lo! J-) Pretendeu também o recorrente que o agora Tribunal "a quo" face à matéria de facto dada como provado, fizesse uma diferente aplicação do direito. Também, nesta parte, o agora Tribunal "a quo", se recusou a fazê-lo! K-) É pois nulo, por omissão de pronúncia, o acórdão recorrido, nulidade, essa, que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

L-) O Acórdão recorrido padece de vício de erro notório na apreciação da prova, tal como o Tribunal de primeira instância, uma vez que manteve a matéria de facto dada como assente, sendo que na primeira instância, a maior parte dos factos dados como provados, sobretudo os de maior relevo, foram-no em total desconformidade com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e bem assim com a pericial e a demais constante dos autos; M-) Tem pois que se proceder à alteração da matéria de facto dada como assente, e conformá-la com a decorrente das provas produzidas; N-) A factualidade assente e que carece de revisão é a constante dos pontos 4.,6.,9., 13., 14.(apenas do inicio e até disparo), 16., 19.,20.,21.,22. e 28.; 0-) O Tribunal de primeira instância, entendeu valorizar os depoimentos de DD e de BB, filho e mulher da vítima e de não valorar os depoimentos de EE, FF, GG e as declarações prestadas pelo arguido, com o seguinte e surrealista fundamento: "Os restantes depoimentos não foram valorados por consubstanciarem uma lamentável tentativa de transformar a vítima no "mau da fita". Com efeito, não podemos deixar de salientar que o arguido optou por não prestar declarações na fase inicial do julgamento e dar a sua versão antes do início da audição das testemunhas de defesa, funcionando como uma espécie de prelúdio para o relato destas. Contudo, a encenação resultou numa série de versões desconexas, com contradições intrínsecas entre si."; P-) O Tribunal de primeira instância, ab initio, isto é, mesmo antes de produzida a prova que se demonstrou condizente com as declarações do arguido, já tinha formado a sua convicção; Q-) Curioso é notar, que no caso da testemunha BB, o Tribunal adopta outra postura. Veja-se o que afirma o Tribunal de primeira instância: "O Tribunal não valorou o seu depoimento no que diz respeito aos disparos, porquanto a testemunha referiu que se manteve na varanda da casa da sogra até ao momento em que o cunhado disparou para o ar e que, depois, foi ter com o marido ao espigueiro, com ele se mantendo no momento do tiro que o matou.

Ora, tal versão não faz sentido na medida em que é normal que as pessoas se protejam quando há disparos e se afastem do local onde o seu autor se encontra, em vez de irem ao seu encontro.

Por outro lado, os pormenores que relatou não coincidem com elementos objectivos. Com efeito, referiu que o marido deu uma pancada na mão do irmão e conseguiu desarmá-lo, mas este conseguiu apanhar e municiar a arma, apontando-a e disparando à distância de 4 metros.

Este relato não se conjuga com as marcas de lesões apresentadas pelo arguido, situadas nos braços e no ombro esquerdo e não na mão como certamente sucederia se fosse atingido com uma pancada.

Acresce que a dor sofrida impediria o arguido de pegar na arma novamente e de imediato, antes daria a oportunidade à vítima de a agarrar e impedir a sua detenção por aquele.

A circunstância de os chumbos se encontrarem no hábito interno da vítima denotam que o tiro foi disparado a curta distância e não a 4 metros como referiu, pois nesse caso, ter-se-iam espalhado pelo hábito externo.

O facto de não se valorar esta parte do depoimento não afecta a parte remanescente do relato, visto que o arguido referiu a sua presença no local no início da contenda e é verosímil que estando o marido alcoolizado se deslocasse com ele a casa da sogra e aí se mantivesse por saber que o cunhado andava à procura da arma."; R-) Salvo o devido respeito, o Tribunal de primeira instância, usou de uma subjectividade tal na apreciação da prova, que inquinou por completo todo o processo, mas mais, dá como provado no ponto 9., que o arguido disparou dois tiros para o ar e no ponto 13., que o arguido conseguiu colocar um cartucho de caça no interior da arma, sendo que apenas foram encontrados no local dois cartuchos, um vazio e outro cheio, pelo que era impossível ter havido três disparas, como o Tribunal deu como provado; S-) Teríamos que ter dois cartuchos vazios, isto a considerar que os demais ficaram dentro da arma que nunca apareceu. Não é pois possível que face aos elementos constantes dos autos, o Tribunal de primeira instância, tenha valorado o depoimento do filho e mulher da vítima, e dar como provado que foram disparados três tiros; T-) Tem pois que ser alterada, nessa parte, a matéria de facto dada como assente, ficando a constar que apenas foi deflagrado um cartucho; U-) Refere o Tribunal de primeira instância, que o depoimento das testemunhas de defesa, de GG, mãe do arguido e da vítima e as declarações do arguido, que não passaram de uma lamentável tentativa de transformar a vítima no "mau da fita". Parece-nos totalmente desajustada tal afirmação, e isso não resulta dos depoimentos; v -) Antes de passar à análise dos diversos...

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