Acórdão nº 07S1520 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução10 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

A Dr.ª AA, juíza de direito, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no art.º 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 6 de Março de 2007, que, por maioria (8/4), no processo de inspecção ordinária n.º 146/006, lhe atribuiu a classificação de Bom com distinção, relativamente ao serviço por ela prestado no 2.º Juízo Criminal de Portimão e no Círculo Judicial de Portimão, no período compreendido entre 11 de Outubro de 2001 e 5 de Maio de 2006.

A recorrente pediu que a deliberação recorrida fosse anulada, alegando, em resumo, o seguinte: - A recorrente não desconhece que, tradicionalmente, as notações atribuídas pelo CSM não têm sido sindicadas em sede de recurso, por via do entendimento de que se inserem na chamada esfera da discricionariedade técnica e porque a natureza do anterior modelo de recurso contencioso acolhia de alguma forma esse entendimento jurisprudencial; - Porém, atenta a actual redacção do art.º 268.º da CRP, bem como a doutrina subjacente à recente reforma do Contencioso Administrativo, a alegada insindicabilidade das classificações de serviço atribuídas pelo CSM não se afigura compatível com as normas constitucionais sobre a garantia de tutela jurisdicional efectiva dos administrados relativamente aos actos da Administração (art.º 268.º, n.º 4, da CRP); - Por outro lado, em termos adjectivos e no contexto da Reforma do Contencioso Administrativo instituída pela Lei n.º 13/2002, de 19/2, que aprovou o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e pela Lei n.º 15/2002, de 22/2, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), entretanto alteradas pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/2, o princípio da tutela jurisdicional efectiva encontra-se consagrado no art.º 2.º do CPTA; - A nova legislação de contencioso administrativo, que é aplicável ao contencioso da magistratura, por força do disposto no art.º 178.º do EMJ (Estatuto dos Magistrados Judiciais), dando execução ao imperativo constitucional de assegurar o exercício pelos tribunais administrativos (e, na economia dos recursos do contencioso da magistratura, a secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça funciona como verdadeiro tribunal administrativo) consagra o princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos; - Existindo no contencioso da magistratura uma única instância normal de recurso (art.º 168.º, n.os 1 e 2, do EMJ), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, através da Secção de Contencioso, conhecer de toda a matéria do recurso, quer em termos de matéria de facto quer em termos de matéria de direito, sob pena de se violar o princípio do direito à tutela jurisdicional efectiva, a que alude o art.º 268.º, n.º 4, da CRP e que o actual contencioso administrativo consagra no art.º 2.º do CPTA, aplicável por força do disposto no art.º 178.º do EMJ; - Assim sendo, o preceito constante do art.º 168.º do EMJ tem de ser interpretado como dando poderes de efectiva sindicância e de declaração de nulidade ou de anulação de todos os actos administrativos do CSM à Secção de Contencioso do STJ, mesmo quando o acto impugnado consubstancie uma classificação de serviço do magistrado, como no caso vertente sucede; - Estabelecidos os parâmetros que actualmente informam o recurso a que alude o art.º 176.º do EMJ, o denominado recurso contencioso, a que corresponde a actual acção administrativa especial na formulação do CPTA (cfr. artigos 191.º e 46.º e seguintes do CPTA, ex vi art.º 178.º do EMJ), cumpre salientar que, na economia da carreira dos magistrados judiciais, a classificação de serviço constitui factor de primordial importância na sua progressão, pelo que a atribuição à recorrente de classificação inferior à que entende merecida - MUITO BOM - traduz-se em evidente prejuízo em termos de progressão na carreira; - Salvo o devido respeito, o acto administrativo impugnado padece de vícios geradores de anulabilidade, nos termos do art.º 135.º do CPA; - Na verdade, o acto em questão evidencia falta de fundamentação da decisão, sendo que, nos termos do art.º 125.º, n.º 2, do CPA, a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação; - No seu relatório, o Ex.mo Inspector Judicial propôs que fosse atribuída à recorrente a classificação de MUITO BOM; - O CSM não infirmou a factualidade apontada pelo Ex.mo Inspector, que aliás foi integralmente acolhida quer na deliberação do Conselho Permanente quer na do Plenário do CSM, excepção feita à notação proposta; - Ora, a ponderação entre a inúmeras e invulgares qualidades pessoais e profissionais reconhecidas à recorrente e a notação que lhe foi atribuída (BOM COM DISTINÇÃO) evidencia clara contradição na fundamentação, fundamentação essa que, na perspectiva lógico--jurídica, não esclarece, aliás, o que falta à recorrente para merecer a notação máxima, nem, consequentemente, atentas as elevadas qualidades que lhe reconhece, qual o motivo da não atribuição da classificação de MUITO BOM; -Acresce que as características pessoais e profissionais evidenciadas pela recorrente são efectivamente idóneas para caracterizar a sua prestação como integrando a classificação de Muito Bom; - Sustenta o Plenário do CSM, na deliberação recorrida, que "(...) A Exmª Juíza - efectivamente - faz tudo bem, não tem atrasos e tem mais de 16 anos de serviço, mas isso, por si só, não implica a atribuição da notação máxima (...)"; - Salvo o devido respeito, se um juiz não tem atrasos, é civicamente idóneo, não tem antecedentes disciplinares, tem excelente relacionamento com os operadores judiciários, colegas e funcionários e utentes, e, ainda por cima, faz tudo bem, não se percebe o que falta para merecer a notação de Muito Bom; - Na verdade, não é defensável que se exija mais para merecer a notação máxima, uma vez que como não há pessoas perfeitas também não há juízes perfeitos; - Ao não atribuir a notação máxima, o acórdão do CSM violou, por erro de interpretação e integração dos factos, o disposto nos artigos 33.º e 34.º do EMJ, e, por via disso, o princípio de justiça consagrado no art.º 6.º do CPA, vício a que corresponde a anulabilidade do acto administrativo (art.º 135.º do CPA); - Alude-se no acórdão do Plenário do CSM, ora sob recurso, ao percurso anterior da recorrente, mas o dito percurso nada tem de desonroso, nem constitui impedimento legal à atribuição de notação máxima; - Explicitando, diremos que a alusão ao tal percurso anterior, com duas classificações iniciais de Bom, uma de Suficiente, a quarta de Bom e a última de Muito bom, quererá certamente traduzir desvalor quanto à notação de Suficiente na comarca de Santa Comba Dão; - Ora, na economia do EMJ, inexiste qualquer norma que proíba a atribuição da notação máxima a quem, numa determinada etapa da sua carreira, tenha sido notado de Suficiente que, aliás, é uma nota positiva, facto que, por vezes, parece ser esquecido; - Nos termos do art.º 34.º do EMJ, "[a] classificação deve atender ao modo como os juízes de direito desempenham a função, ao volume, dificuldade e gestão do serviço a seu cargo, à capacidade de simplificação dos actos processuais, às condições do trabalho prestado, à sua preparação técnica, categoria intelectual, trabalhos jurídicos publicados e idoneidade cívica"; - A invocação, como circunstância impeditiva da atribuição da notação máxima, do disposto no art.º 16.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Inspecções Judiciais (RIJ), segundo o qual "a atribuição de Muito bom equivale ao reconhecimento de que o juiz de direito teve um desempenho elevadamente meritório ao longo da respectiva carreira", se entendida, como parece ter sucedido no caso vertente, como factor limitativo da atribuição da classificação de Muito bom a um juiz que, em algum momento da sua carreira, tenha tido a notação de Suficiente, revela-se ilegal e inconstitucional; - Com efeito, sendo o RIJ um simples regulamento interno do CSM, sem força vinculativa, não pode ter o alcance de alterar os critérios legais prevenidos nos artigos 34.º, n.º 1, e 37.º, n.os 1 e 2, do EMJ, e, muito menos, de regra limitativa; - Tal matéria está, aliás, abrangida pela reserva absoluta de competência da Assembleia da República, nos termos do art.º 164.º, alínea m), da CRP; - Termos em que o acórdão recorrido, ao lançar mão dos critérios constantes do art.º 16.º do RIJ para equacionar a classificação de serviço da recorrente, como aliás, já sucedera com o acórdão do Conselho Permanente, está afectado por vício de violação de lei gerador da sua anulabilidade; - Sucede ainda que, na ponderação das classificações dos juízes, o CSM está vinculado a critérios de objectividade e nas suas decisões deve respeitar os princípios da igualdade - que se exprime fundamentalmente na proibição do arbítrio e da discriminação - e da justiça (cfr. artigos 5.º e 6.º do CPA); - Segundo o próprio CSM, a recorrente fez tudo bem, não tem atrasos e tem mais de 16 anos de serviço, mas sucede que o CSM, em acórdão de 12 de Setembro de 2006, publicado no Boletim Informativo do CSM de Dezembro de 2006, não hesitou em deferir uma reclamação, atribuindo a notação de Muito bom a uma magistrada que, segundo ali é referido, teria atrasos e, a fazer fé naquela deliberação, "não foi perfeita", com o argumento de que "(...) a notação máxima não pode estar reservada para juízes perfeitos, até porque a perfeição não existe (...)"; - Assim, ao negar à recorrente a notação máxima, num quadro bastante mais favorável que o daquela deliberação de 12 de Dezembro de 2006, com argumentos que, naquela sede, justificaram decisão diversa, o acto administrativo impugnado violou os princípios da igualdade e de justiça, vício gerador da sua anulabilidade, nos termos do art.º 135.º do CPA.

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