Acórdão nº 08P301 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2008
Magistrado Responsável | ARMÉNIO SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 03 de Julho de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Acusado pelo Ministério Público, AA, identificado nos autos, foi julgado pelo tribunal colectivo do 1º Juízo da comarca de Amarante, como autor de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132 nº 1 e 2 als. f) e g) do Código Penal, na pessoa de BB, em concurso real com um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº1, al. d), do Código Penal e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto no art. 3º nº 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro. Por não se ter provada a circunstância que qualificava o crime de furto, foi este convolado para furto simples, de que , o arguido foi absolvido, dada a ilegitimidade do Ministério Público resultante de não ter sido exercido o direito de queixa. Foi condenado como autor material de um crime de homicídio do art. 131º do Código Penal, na pena de 11 anos de prisão e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa à razão diária de € 4,00, no montante total de € 480,00.
Restrito à matéria de direito, foi interposto recurso pelo Ministério Público, o qual se apresenta limitado ao crime de homicídio e visa a condenação do arguido pela prática do crime de homicídio qualificado atípico previsto no art. 132º nº 1 do Código Penal, em pena que o recorrente propõe que não seja inferior a 18 anos, ou, para o caso de se manter a qualificação dos factos como crime de homicídio simples, a aplicação de pena mais severa.
Também o arguido interpôs recurso, não da decisão condenatória, mas do despacho de fls 720 que não prorrogou o prazo para interpor recurso e apresentar a respectiva motivação por demora na entrega de cópia das cassetes que em que foi gravada a prova produzida na audiência. Tal recurso subiu à Relação do Porto, nos próprios autos, mas nesse Tribunal foi mandado separar, após o que foi julgado e considerado improcedente.
Por decisão do relator no Tribunal da Relação do Porto, logo após o despacho que ordenou a separação dos recursos, o processo principal baixou à 1ª instância, onde aguardou a decisão da Relação, só então tendo sido remetido ao Supremo Tribunal de Justiça.
O Ministério Público neste Tribunal, promoveu a realização da audiência.
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O presente recurso vem interposto de decisão do tribunal colectivo proferida em 26 de Junho de 2007, quando ainda vigorava a redacção do Código de Processo Penal anterior à revisão operada pela Lei nº 48/2007, de 28 de Agosto. Conforme entendimento deste Supremo Tribunal, ao recurso aplica-se a lei em vigor no momento da decisão de 1ª instância, que era também a que vigorava no momento em que o recurso foi interposto. Assim, o processamento do recurso será feito de harmonia com a anterior redacção do Código de Processo Penal, que é, de resto, mais garantística para os interesses do arguido do que a actual, pois, conforme foi afirmado noutro contexto, o direito de defesa do arguido ficou empobrecido pela circunstância de os recursos passarem a ser julgados em conferência, quando a audiência não tiver sido requerida, pela diminuição do número de adjuntos, só intervindo na conferência o presidente da secção, o relator e um adjunto e ainda por a apreciação do recurso poder ser decidida por decisão sumária e, mesmo havendo reclamação desta para a conferência, por não se exigir agora unanimidade no caso de rejeição por manifesta improcedência.
Realizou-se a audiência, com a produção de alegações orais pelo Ministério Público, que se pronunciou no sentido da procedência do recurso, considerando que a traição e deslealdade e o profundo desprezo pela vida humana são reveladores duma imagem global do facto agravada, tendo a defesa pedido que fosse feita Justiça.
Cumpre decidir.
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Os factos que o tribunal colectivo considerou provados são os seguintes: 1. O arguido, cidadão romeno, emigrou para Portugal em finais do ano de 2005, não tendo residência fixa nem profissão, dedicando-se à venda de ambientadores para automóveis, o que fazia em diversos locais da cidade do Porto, junto de semáforos.
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Pelo menos no início de Maio de 2006, na cidade do Porto, o arguido conheceu BB, solteiro, professor do ensino secundário, nascido a 31 de Julho de 1963, com residência habitual no Edifício S..... L..., bloco 4, 6º piso, S... L...., nesta cidade e comarca de Amarante.
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Entre eles estabeleceu-se uma relação de amizade, passando então o arguido a visitar o BB em Amarante, pernoitando inclusive na sua casa.
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Desde o início do relacionamento, para além dos contactos pessoais, o arguido e o BB também se contactavam pelo telefone, sendo que tais contactos se foram intensificando no decurso da relação.
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Nesses contactos, invocando dificuldades económicas, era frequente o arguido pedir dinheiro ao BB e este corresponder ao pedido.
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Em 9 de Maio de 2006, o BB enviou para o arguido, por vale postal e a partir da estação dos correios de Amarante, a quantia de 50,00 euros, que o arguido levantou na estação dos correios do Município do Porto.
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Nesse mesmo dia, o BB, através do seu telemóvel (.......), efectuou para o telemóvel do arguido (.......) sete chamadas, recebeu deste nove mensagens escritas e enviou-lhe duas mensagens escritas.
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No dia 10 de Maio de 2006 o BB enviou novamente para o arguido, a partir da estação dos correios de Amarante, um vale postal, no valor nominal de 20 euros, o qual também foi levantado por aquele na estação dos correios do Município do Porto.
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Nesse dia mantiveram contacto, através dos respectivos telemóveis, por 11 vezes.
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No dia 11 de Maio de 2006, no período compreendido entre as 9 horas 21' e 11'' e as 16 horas 53' e 39'', o arguido e o BB estabeleceram contacto, através dos respectivos telemóveis, 15 vezes.
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Num desses contactos o arguido pediu mais uma vez ao BB para lhe enviar dinheiro através de vale postal.
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O BB acedeu ao pedido e entre as 13.30 e as 14.00 horas desse dia 11 de Maio de 2006 deslocou-se à estação dos correios de Amarante, tendo enviado um vale postal no valor nominal de 35,00 euros, o qual foi levantado pelo arguido na estação dos correios do Município do Porto.
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Pelas 16.00/ 16.30 horas desse mesmo dia 11 de Maio de 2006 o arguido encontrava-se na cidade de Amarante, tendo-se deslocado, na companhia do BB, ao "Restaurante R....", sito em Santa Luzia, onde AA almoçou.
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Pelas 19 horas, 42' e 17'', o arguido, através do seu telemóvel, efectuou uma chamada para o nº de telemóvel ...... .
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Cerca das 20/21 horas desse dia 11 de Maio, o arguido e o BB recolheram-se no apartamento deste último, sito no edifício S..... L...., bloco 4, 6º piso, nesta cidade de Amarante, onde jantaram.
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Aí, depois da refeição, o BB sugeriu ao arguido para manterem relações sexuais e sexo oral.
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Entretanto o BB foi arranjar a cama, enquanto o arguido permaneceu sentado no sofá da sala a ver televisão.
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Cerca de uns minutos depois daquela conversa, o BB veio à porta do quarto e chamou pelo AA para ir ter com ele.
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O arguido assim fez.
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Quando ambos estavam no interior do quarto, o BB dobrado sobre a cama e o AA atrás de si, o arguido agarrou numa garrafa de ornamentação de vidro, apreendida nos autos (saco prova 022636), de cor azul, que estava pousada sobre a cómoda.
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Com este objecto desferiu uma pancada na cabeça do BB, provocando-lhe uma ferida na linha média da região occipital com 5 centímetros de comprimento e hemorragia abundante.
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Mercê desta agressão o BB caiu sobre a cama, ficando na posição de decúbito dorsal, e começou a gritar por socorro.
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Após, o arguido debruçou-se sobre o BB e com a mão direita tapou-lhe a boca e o nariz, impedindo-o de respirar.
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O arguido manteve-se nessa posição, com a mão direita a pressionar e a obstruir as vias respiratórias, até sentir que a vítima deixara de se mexer e que ficara completamente imobilizada, assim lhe provocando a morte.
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A obstrução do nariz e da boca, impedindo o ar de entrar no aparelho respiratório, veio a determinar de forma directa e necessária a morte do BB.
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De seguida, o arguido dirigiu-se à sala e do interior da mochila pertença da vítima, a qual se encontrava em cima da mesa, apoderou-se das chaves do veículo de matrícula ...-...-..., marca Lancia, modelo Y, de dois telemóveis, um de marca Nokia e outro de marca Samsung, com os IMEI .......... e .............., respectivamente, de uma carteira que continha documentos pessoais, cartões de crédito/débito e ainda um fio e uma medalha em ouro, tudo em...
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