Acórdão nº 08S1325 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelALVES CARDOSO
Data da Resolução02 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA intentou, no 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra AA Portugal - Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação desta a: a) Reintegrá-la (a Autora) imediatamente na plenitude das funções que constituem o quadro funcional com referência ao seu contrato individual de trabalho, na Direcção Jurídica da Ré, em Lisboa, nas mesmas condições de espaço, meios e no desempenho efectivo das funções no quadro organizacional da empresa, como fazia; b) Reconhecê-la e reclassificá-la com a categoria profissional de Técnica do grau 4 e a pagar-lhe a remuneração correspondente ao nível XVI da tabela salarial que a própria Ré lhe atribuiu e ainda a pagar-lhe os suplementos de ordenado devidos por procuração e isenção de horário de trabalho, correspondentes a 25% do vencimento base da referida categoria e nível; c) Pagar-lhe os prémios de antiguidade a que tem direito desde 01-01-1990 a 30-04-1994, no montante de 397.785$00, acrescidos de juros vincendos desde a citação, bem como as diferenças salariais vencidas desde Maio de 1994 a 30-04-2000, no montante global de 16.854.820$00, acrescidas de juros de mora vencidos (no montante de 4.561.848$00) e vincendos à taxa legal; d) Pagar-lhe o IRS resultante das diferenças salariais - porquanto o montante que teria (a Autora) pago em cada ano, no seu somatório, se a Ré tivesse pago as remunerações correcta e atempadamente, seria inferior àquele montante que irá ser liquidado pela DGCI sobre a totalidade das mesmas diferenças acumuladas e pagas de uma só vez, cuja taxa será certamente a máxima - e eventuais coimas em resultado do pagamento tardio e juros que haja lugar e, bem assim, as contribuições para a Segurança Social, já que a responsabilidade por tais diferenças é inteiramente da Ré; e) Indemnizá-la, a título de danos morais, no valor de 100.000.000$00, a título de danos na carreira profissional, no valor de 50.000.000$00 e a título de danos na saúde, também no valor de 50.000.000$00; f) Pagar-lhe as diferenças salariais vincendas, com juros de mora à taxa legal, sem prejuízo de tais valores serem corrigidos caso a Ré persista na sua conduta e/ou se agrave a situação da Autora que fundamenta aqueles; g) E ainda a condenação da Ré nas custas do processo, em multa por litigância de má fé, numa indemnização (à Autora) que oportunamente quantificará e em "(...) tudo o mais que for devido".

Alegou, para o efeito, em síntese: 1. Que foi admitida ao serviço da R., em 01-01-1986, encontrando-se, até ao dia 04-05-1998, integrada na Direcção Jurídica da Ré e sendo as suas funções predominantes de carácter técnico-jurídico.

  1. Na organização da empresa, embora dependesse hierarquicamente do Director Jurídico, era chamada a intervir directamente pela Administração, Directores Gerais e restantes Directores, para se pronunciar, nomeadamente, sobre o enquadramento jurídico e legal de diversas matérias.

  2. Era procuradora da Ré e das sociedades que a antecederam antes da sua fusão, com poderes gerais forenses, especiais e como legal representante junto de diversas entidades ou autoridades.

  3. Porém, a partir do Verão de 1996, foram-lhe sendo retiradas funções de natureza jurídica, incluindo, posteriormente, a dispensa da sua colaboração na Direcção Jurídica da Ré e a sua transferência de serviço, com carácter definitivo, a partir de 4/05/1998, para passar a exercer funções no âmbito da Regularização de Sinistros Automóvel - Estrangeiro.

  4. As novas funções não eram jurídicas e não tinham a ver com as que exercia e que constituíam o objecto do seu contrato individual de trabalho.

  5. Além disso, até Abril de 1999, tinha na composição de seu salário a verba de 38.740$00, correspondente a 20% do ordenado base, pelo facto de ser procuradora da Ré, tendo, a partir de Maio de 1999, sem qualquer comunicação, a Ré passado a atribuir-lhe, em substituição daquela verba, o mesmo montante mas com a designação de "margem livre contratual", progressivamente absorvível em aumentos posteriores.

  6. A Ré manteve-a, até ao dia 29-02-2000, classificada com a categoria de Técnica do grau I, quando é certo que, atendendo às funções que desempenha, deveria ser classificada como "Técnica do grau IV", prevista no CCT.

  7. Acresce que, dado o quadro funcional, com referência ao contrato individual de trabalho, tem direito ao suplemento por isenção do horário de trabalho, pelo menos desde Maio de 1994.

  8. Finalmente, a Ré, com o seu comportamento, causou-lhe angústia, abalo moral, instabilidade emocional, lesões na saúde e incapacidade para o trabalho, que justificam, pela sua gravidade, reparação.

    Após infrutífera audiência de partes, contestou a R., sustentando, em síntese: 1. Que a Autora foi admitida ao seu serviço para exercer também funções não técnicas, sendo nestas tarefas que se ocupava em grande parte.

  9. No início de 1996, deu início à reestruturação da Direcção Jurídica, a qual consistiu, essencialmente, na sua sediação no Porto e na atribuição do patrocínio judiciário a advogados em regime de prestação de serviços, deixando os advogados funcionários de o fazer, a não ser excepcionalmente.

  10. A Autora, a continuar a trabalhar em Lisboa, teria de ser transferida para outro sector da estrutura da empresa, porquanto o lugar de técnica jurista continuaria a existir, embora integrado noutro sector da empresa.

  11. Nessa sequência, ao abrigo do n.º 1 da Cláusula 22.ª do CCT para o sector, a Autora foi transferida para funções próprias da categoria profissional de técnica, com a única diferença de que deixou de exercer o mandato judicial, tendo sido revogada a procuração que lhe conferia poderes forenses em representação da Ré.

  12. A Autora nunca teve isenção de horário e, ainda que tal tivesse ocorrido, deixaria de a praticar, desde que as suas funções deixassem de a justificar.

  13. Nega, por fim, que, com a sua conduta, tenha provocado prejuízos na saúde, carreira profissional (sendo certo que nunca se opôs a que a Autora desenvolvesse as suas tarefas como profissional liberal, desde que tal não colidisse com os deveres inerentes ao contrato de trabalho que entre elas vigorava) e remuneração da Autora, que justifiquem reparação.

    Pugna, por isso, pela improcedência da acção.

    A A. respondeu à contestação da R., mantendo integralmente a petição inicial, e apresentou articulado superveniente, que foi admitido.

    Pelo despacho de fls. 741/742, foi decidido convocar as partes para uma audiência preliminar e condenar a A. em multa, por apresentação tardia de documentos, tendo esta agravado do mesmo.

    Realizada a audiência preliminar e proferido despacho saneador, o processo prosseguiu os seus termos, vindo a ser proferida sentença, cuja parte decisória, após aclaração operada a solicitação da A., é do seguinte teor: "Face ao exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada, em consequência do que se condena a R.: a) a reintegrar imediatamente a A. nas funções de técnica, por referência ao quadro funcional decorrente do seu contrato individual de trabalho, na Direcção Jurídica da R., mas mantendo o seu local de trabalho em Lisboa; b) a reconhecer e classificar a A. com a categoria profissional de Técnica do grau II; c) a pagar à A. as diferenças salariais que venham a ser apuradas encontrar-se em dívida a título de "suplemento de procuração" desde Maio de 1999 e enquanto a Autora se mantiver como procuradora da R., nos termos supra mencionados, por recurso ao incidente de liquidação previsto pelo art. 378.º, n.º 2 do CPC, se necessário, acrescidas de juros, às sucessivas taxas legais de 7% e 4% ano, desde as datas dos respectivos vencimentos e até integral pagamento.

    d) a pagar à A. a quantia de € 25.000,00 (vinte cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

    No mais, vai a R. absolvida do restante pedido (...)".

    Não se conformando com a decisão, a R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo acórdão de fls. 1211 a 1257, negou provimento à apelação, confirmando a decisão recorrida, e, face ao disposto no art. 710.º, n.º 1, parte final, do CPC, não tomou conhecimento do recurso de agravo.

    De novo inconformada, a R. veio interpor recurso de revista, tendo, para o efeito, formulado, nas alegações, as seguintes conclusões: 1. A transferência da A. de posto de trabalho é legítima, não podendo impor-se à R. a colocação da A. na direcção jurídica da R., hoje Assessoria Jurídica, sendo a transferência de sector independente de uma alteração de funções.

    Decidindo como decidiu, o Acórdão Recorrido violou o disposto no n.° 1 da cláusula 22.ª do CCT de Seguros e a lei do trabalho e deu uma errada interpretação à Lei do Trabalho, no que se refere às garantias do trabalhador - actual artigo 122.° do Código do Trabalho.

  14. A procuração conferida à A. foi revogada pela R., em 1998, acto que foi claramente comunicado à A., tendo esta compreendido plenamente os seus efeitos e não mais tendo praticado qualquer acto em representação da A.

    Deixou, pois, de ter direito ao suplemento salarial que lhe conferia aquela procuração, passando aquele a ser absorvido pelos aumentos salariais posteriores, consequência que começou a verificar-se em Maio de 1999. Não lhe são também devidos quaisquer juros de mora. Decidindo em contrário, o Acórdão Recorrido violou o disposto no n.° 10 da cláusula 46.ª do CCT de Seguros, não deu aplicação ao artigo 234.°, n.° 1, primeira parte do Código Civil, deu uma errada interpretação aos artigos 265.°, n.° 2, e 1170.°, n.° l, do mesmo Código.

  15. A R., ao transferir a A. da Direcção Jurídica para o SFE, não praticou qualquer acto que consubstanciasse incumprimento do contrato de trabalho que celebrou com a A., ou seja, a R. não violou, ilicitamente, qualquer direito da A.. Não se deu por provado que a Recorrente retirou de todo à trabalhadora Recorrida funções...

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