Acórdão nº 1210/10.8TTVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Novembro de 2012
Magistrado Responsável | ANTÓNIO JOSÉ RAMOS |
Data da Resolução | 12 de Novembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação: nº 1210/10.8TTVNG.P1 REG. Nº 234 Relator: António José Ascensão Ramos 1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva 2º Adjunto: Des. João Diogo Rodrigues Recorrente: B…, S.A.
Recorridos: C…, D… e E….
Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:***I – RELATÓRIO 1. C…, casado, residente na Rua …, nº …, .º Esq. ….-… …, Vila Nova de Gaia, D…, casado, residente na Rua …, nº …, .º Dtº, ….-… Espinho e E…, casado, residente na Rua ., nº …, r/c Esq., ….-… Espinho, intentaram, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum contra, B…, S.A., com sede na Rua .., nº .., ….-… Espinho, pedindo que a acção seja julgada procedente, por provada e, em consequência ser:
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A reconhecer que, nos termos expostos, os Autores, como ficheiros fixos, não são obrigados a exercer as funções de contínuo nem cometem qualquer acto ilícito se recusarem as tarefas de contínuo.
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A respeitar as funções próprias da categoria profissional de Ficheiro fixo ou caixa; c) A não ordenar aos AA que procedam à abertura e fecho das mesas de jogo, ao transporte de tampas e urnas das mesas de jogo, das latas de gratificações, à arrumação das cadeiras e ao transporte das fichas da caixa para as mesas de jogo.
Para o efeito alegaram, em síntese, que foram admitidos pela R. para trabalhar no F… com ficheiros fixos; que, apesar dessa categoria profissional, a R., em Setembro de 2010, passou a exigir-lhes que executassem também funções de contínuo, tendo inclusive sancionado disciplinarmente o 3º A. por se ter recusado; que as funções de ficheiros fixos implicam grande responsabilidade pelos elevados valores que os AA. têm diariamente à sua guarda nas caixas onde trabalham, exigindo um esforço intelectual e stress incompatíveis com as funções ora pretendidas pela R., designadamente as de abertura das mesas de jogo e de transporte de fichas das caixas para estas, as quais implicam que abandonem as caixas e tenham de ser substituídos por colegas; que assim e quando há falhas, fica sem se saber quem é o verdadeiro responsável por elas, ainda que tenha de ser o ficheiro afecto à respectiva caixa a pagar o dinheiro em falta; e que os contínuos é que desempenhavam aquelas funções, de cariz físico, implicando a alteração uma desvalorização profissional dos AA..
***2.
Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
***3.
A Ré contestou, invocando em síntese, que o Contrato Colectivo de Trabalho do Jogo, que definia as categorias em causa, cessou a sua vigência em 23/10/2009, o que só por si obsta ao reconhecimento da categoria reclamada pelos AA.; que a receita dos casinos deixou de provir, na sua maior parte, das salas de jogo, passando a provir das máquinas; que por causa disso se formaram salas mistas e houve que alterar as funções do quadro de pessoal; que a categoria de continuo ficou residual e em desuso, pois que a limpeza passou a ser assegurada por piquetes, o serviço de bar é volante e quase não são necessários aqueles funcionários; que é função habitual dos ficheiros também transportar fichas e abastecer as bancas; que as operações de abertura e fecho das mesas são simples e não demoram mais de 10 minutos; que o reforço das bancas com fichas é excepcional; que o caixa é de acesso reservado, filmado por circuito interno de televisão e que os ficheiros recebem um abono para falhas; e que, neste contexto, a ordem dada pela R. se reporta a funções afins ou funcionalmente ligadas às que os AA. tinham, sendo legitima.
Concluiu, pugnando pela improcedência da acção.
***4.
Proferiu-se despacho saneador, tendo-se dispensado a fixação da matéria de facto assente e da base instrutória.
***5.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
***6.
O Tribunal respondeu à matéria de facto controvertida, sem ter havido qualquer reclamação.
***7.
Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo: «Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção procedente por provada, condenando-se a Ré B…, S.A., a: - reconhecer os Autores C…, E… e D… como ficheiros fixos; - a respeitar as funções próprias dessa categoria profissional; - a não lhes atribuir funções de contínuos, sob pena de os mesmos se poderem recusar a cumpri-las; - e as não lhes ordenar, designadamente, que procedam à abertura e fecho das mesas de jogo, ao transporte de tampas e urnas das mesas de jogo e ao transporte das fichas da caixa para as mesas de jogo.
Custas pela R..
Registe e notifique.»***8.
Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré, tendo formulado as seguintes conclusões: 1ª O cerne da questão prende-se com as ordens dadas aos AA., ficheiros fixos, de i) abertura e de fecho das mesas de jogo, de ii) transporte de tampas e de urnas das mesas de jogo e de iii) transporte das fichas da caixa para as mesas de jogo (porque o reconhecimento da categoria de ficheiro fixo e das respectivas funções nunca esteve em causa, o que tem efeitos quanto a custas, que devem ser suportadas pelos AA., nessa parte); 2ª Os factos 9, 10, 11, 13, 29, 30 e 33 devem ser dados como não escritos (artº 646º, nº 4, do CPC), por conterem juízos normativos conclusivos e contenderem com o thema decidendum; 3ª O CCT do Jogo, do BTE 30/1991, aplicável às partes, definia a pgs. 1537 a categoria profissional de ficheiro fixo, da seguinte forma: «é o responsável pelo ficheiro da sala de jogos tradicionais; abastece as bancas e recolhe as fichas destinadas à caixa; compra e vende fichas aos jogadores; abastece os caixas volantes; escritura todas as operações realizadas»; 4ª O CCT referido cessou a vigência em 23.10.2009, por força do aviso publicado no BTE 6/2010, p. 560, mantendo-se em sobrevigência (apenas) a categoria e respectiva definição, por força do nº 6 do artº 501º do CT, e não também os níveis de qualificação, os grupos, as carreiras profissionais e os quadros de densidades, que caíram com a caducidade do CCT; 5ª As tarefas referidas na conclusão 1ª, constantes dos factos 20 a 23 e 52 a 55 da sentença, fazem parte do conteúdo funcional dos ficheiros fixos, vulgo caixas; 6ª Os ficheiros fixos são responsáveis pelo ficheiro, fazem o abastecimento de bancas e a recolha de fichas destinadas à caixa, não sendo essa uma mera obrigação de disponibilização de fichas a outrem (no caso aos contínuos), como decidiu a sentença recorrida, mas uma obrigação própria e autónoma de apoio directo à banca e às mesas de jogo, envolvendo portanto o transporte de fichas e de recipientes de fichas (urnas) do caixa para as mesas de jogo e vice-versa; 7ª A abertura das mesas de jogo, envolvendo a abertura do cofre (nas roletas americanas e nas bancas francesas, em que o capital é residente: facto 53) ou levar o capital para a banca (nos carteados, em que o capital não é residente na banca: facto 54) e o inverso, no fecho, ambas com o F… fechado, dizem directamente respeito à função de caixa e à sua responsabilidade pelo ficheiro/valores/capital; 8ª Com a abertura da mesa pode ser exigido ao ficheiro fixo retirar o tempo em acrílico da própria mesa (e no fecho colocá-lo), não fazendo sentido que o ficheiro fixo tenha de fazer-se acompanhar de um contínuo só para este efeito; 9ª Não se diga que saindo do caixa durante a partida para ir às mesas fazer o abastecimento ou a recolha de fichas ou de urnas de fichas os ficheiros fixos ficam stressados porque lidam com valores elevados e pode haver erros ou dúvidas (factos 15 a 18 e 24 a 28): Também se ausentam para ir ao quarto de banho, ou fumar, ou comer, ou beber, ou falar ao telemóvel; 10ª O caixa não é público (facto 58) e têm o abono para falhas (facto 60) e o CCTV, que permite detectar irregularidades, se as houver (facto 61); 11ª Os representantes dos trabalhadores que negociaram o CCT consignaram expressamente nas funções do caixa o abastecimento das bancas e a recolha das fichas e não deixaram de estipular a obrigatoriedade autónoma dessas tarefas de apoio directo às mesas de jogo, independentemente da existência ou não de contínuos e sabendo como sabiam que os ficheiros fixos tinham de sair do seu posto de trabalho para o efeito; 12ª A decisão recorrida não teve em consideração a alteração da indústria de jogo, a natureza obsoleta e residual da categoria de contínuo (indiferenciado) – factos 41 a 51, própria de um CCT com mais de 20 anos e de outros tempos, tendente a cair em desuso e a caducar, com redução gradual do número de efectivos (facto 51); 13ª De nada interessa se antes as tarefas ora exigidas aos ficheiros fixos eram desempenhadas por contínuos, pois nada impede que determinadas tarefas sejam desempenhadas por profissionais de categorias diversas; 14ª A evolução ditou que a profissão improdutiva e de mero servente de contínuo tende a desaparecer, não constituindo violação da categoria de ficheiro fixo a exigência das tarefas referidas, ligadas à sua profissão e à responsabilidade pelo ficheiro e ao capital/cofre com que lhes compete lidar e à função de abastecimento e recolha das fichas das bancas e de apoio às mesas de jogo; 15ª A sentença recorrida fez incorrecta fixação dos factos e má aplicação do CCT aplicável e do artº 118º do CT.
***9.
Os Autores responderam ao recurso interposto pela Ré, peticionando a sua improcedência, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1 - Há expressões que têm duplo sentido, o técnico-jurídico e o vulgar ou comum, e podem ser utilizadas sempre neste último sentido. Na verdade há termos e conceitos que, de tão divulgados, são recebidos e utilizados pelo cidadão comum em linguagem corrente com um sentido assimilado e reconhecido pela generalidade das pessoas.
2 – Todos os Autores, já com muitos anos de trabalho no F…, foram anteriormente "contínuos" e foram promovidos a "ficheiros fixos" — pelo que sabem muito bem (com um saber de experiência feito) quais as funções de cada uma das categorias profissionais.
3 – A...
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