Acórdão nº 07S3898 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução28 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1 - Relatório 1.1 AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "Fundação BB - Cultura, Ensino e Investigação Científica", pedindo que a Ré seja condenada a atribuir-lhe funções docentes compatíveis com as suas habilitações profissionais e a pagar-lhe, quer a título de omissão, quer a título de diminuição retributivas, as quantias referenciadas na P.I., acrescidas dos correspondentes juros moratórios.

Alega, em síntese, que: - foi admitida ao serviço da Ré em 1/10/984, no âmbito de um contrato de trabalho, para desempenhar as funções de professora, o que a Autora vem fazendo desde então; - durante o ano de 1994 e, mais recentemente, a partir do ano de 2000, a Ré diminuiu-lhe a retribuição; - além disso, não lhe atribuiu qualquer serviço docente no ano lectivo de 2004/2005, tendo deixado de lhe pagar qualquer retribuição desde o final de Setembro de 2004, à excepção do pagamento - parcial - do subsídio de Natal daquele ano; - as quantias em dívida ascendem ao montante global de € 96.917,12, sem prejuízo do que se vencer até decisão final.

Em sede contestatória, a Ré pugna pela improcedência total da acção, aduzindo, nesse sentido e em resumo, que: - a Autora é docente do Departamento de História da Universidade CC desde Outubro de 1987, ao abrigo de um contrato de docência - que não de trabalho - reduzido a escrito em Outubro de 1986; - anualmente, têm vindo a ser celebrados novos contratos em virtude da variabilidade da carga horária, pois todos os docentes da Ré sabem que o número de alunos em cada disciplina varia conforme os anos e os semestres; - assim, se do aumento da carga horária resulta um aumento da remuneração, também da sua redução ou exclusão decorre necessariamente uma diminuição ou exclusão retributivas; - jamais existiu subordinação jurídica entre a Ré e o seu corpo docente, onde se inclui a Autora; - a Ré não teve candidatos para o curso de História relativamente ao ano lectivo de 2004-2005, pelo que teve de o suspender, verificando-se, desse modo, uma impossibilidade definitiva, absoluta e não imputável à Ré de atribuir qualquer carga horária à Autora, com a consequente omissão retributiva; - verifica-se, assim, a caducidade do contrato - que não qualquer despedimento ilícito - pois a Ré viu-se objectivamente impossibilitada de receber a prestação da Autora; - a presente acção foi proposta em Agosto de 2005, pelo que não poderá a Ré ser condenada a pagar as remunerações vencidas desde Setembro de 2004 até Julho de 2005.

A Autora respondeu à matéria exceptiva: - reconhecendo que nunca houve qualquer declaração de despedimento, motivo por que - aliado à inexistência do exclusividade - jamais poderiam ser deduzidas, no cômputo debitório, eventuais remuneração percebidas pela Autora em outros empregos; - dizendo que nunca a Ré lhe deu a conhecer a cessação do contrato com fundamento em caducidade pelo que, inobservada que foi a tramitação prevista nos arts. 423º a 425º do Código do Trabalho, sempre seria ilícita essa pretensa cessação.

1.2.

Instruída e discutida a causa, lavrou a 1ª instância sentença, cujo segmento decisório se transcreve: "Pelo exposto, decide-se: A) absolver a Ré do pedido de condenação a atribuir funções docentes à Autora, compatíveis com as suas habilitações profissionais; B) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia que vier a ser liquidada em conformidade com o disposto nos arts. 661º n.º 2 e 378º n.º 2 do C.P.C., a título de retribuições mensais, de subsídios de férias e de subsídios de Natal, devidos desde Outubro de 2004 inclusive até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a data em que for proferida a sentença de liquidação; C) condenar a Autora e a Ré nas custas, na proporção de ½ para cada (...)".

Para alcançar a solução firmada, entendeu-se, em suma, que: - as partes celebraram entre si um contrato de trabalho, que se mantém em vigor; - a diminuição da carga horária era legítima e tinha inerente repercussão no montante remuneratório, cujo princípio da irredutibilidade não foi, por isso e no caso, ofendido; - que a Ré não violou o dever de ocupação efectiva e, consequentemente, não está obrigada a atribuir as funções docentes reclamadas pela Autora; - que o montante retributivo em débito, a que não cabe fazer qualquer dedução, há-de ser necessariamente relegado para liquidação ulterior.

A Autora e a Ré apelaram da decisão: porém, debalde o fizeram, visto que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou remissivamente - art. 713º n.º 5 do C.P.C. - a sentença da 1ª instância.

1.3.

Mantendo-se irresignadas, as duas partes podem revista do correspondente Acórdão a este Supremo Tribunal, alinhando, em síntese útil, as seguintes conclusões: AUTORA1- dúvidas não existindo que entre as partes existia um contrato de trabalho subordinado, como considerou a sentença recorrida, era vedado ao empregador diminuir a retribuição da A.; 2- e nos arts. 82º do RJCIT e 249º do C.T. estabelece-se a presunção de constituir retribuição tudo o que é pago pelo empregador do trabalhador; 3- o n.º 23 da matéria de facto considerou provadas as retribuições auferidas pela A. desde 1993 até Setembro de 2004 - de onde se extrai a existência das diminuições de retribuição nos termos invocados pela R. - mas, baseando-se nos factos provados sob os n.ºs 32 a 36, o tribunal recorrido considerou que se provara que a A. auferia de acordo com as horas lectivas que leccionava e que sabia que a retribuição podia aumentar ou diminuir de acordo com os alunos e aulas que tinha atribuídos; 4- daqui retirando a conclusão de que a A. não tinha direito aos diferenciais de retribuição que peticionava; 5- ora, tratando-se de retribuição variável, como concluiu a matéria de facto, para se calcular o valor da retribuição mensal, verificam-se as retribuições auferidas nos últimos 12 meses - arts. 84º do RJCIT e 252º do C.T.; 6- aquele primeiro normativo considerava retribuição todas as prestações cuja regularidade ou periodicidade conferiam ao trabalhador a expectativa legítima de continuar a recebê-las, sendo que o art. 249º n.º 4 do C.T. estabelece, uma vez definida a retribuição através do seu pagamento regular e periódico, que o trabalhador goza da garantia da sua não diminuição; 7- deste modo, o facto de a R. proceder à diminuição da retribuição da A., tem que ser aferido de acordo com as estipulações normativas citadas e não com o facto de a A. conhecer a prática ilegal da Ré de diminuir a retribuição em razão do número de inscrições dos alunos; 8- muito embora o RJCIT não fosse muito claro sobre essa questão, o seu art. 82º n.º 2 falava na distribuição da retribuição por retribuição de base e outras prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador, dando assim a entender que a retribuição tem necessariamente que ter um valor fixo, a que pode acrescer o valor variável; 9- no domínio do C.T. (e este já era aplicável no caso dos autos), veio já estabelecer-se - art. 253º - uma imposição de a retribuição variável ser sempre acompanhada da consagração de uma parte fixa e uma parte variável, só esta última sendo dependente da rentabilidade/produtividade do trabalho prestado; 10- e compreende-se que assim seja pois, caso contrário, dificilmente se poderia configurar o conceito de trabalho suplementar, pois o empregador teria sempre a disponibilidade de exigir mais horas de prestação de trabalho, pagando essas horas pelo valor das horas normais, como horas normais que sempre eram quando se estabelecia a retribuição em razão das horas de trabalho atribuídas; 11- e, por isso, nos casos em que no contrato de trabalho subordinado se assiste ao pagamento de comissões, para que exista uma relação de subordinação, é estabelecida uma retribuição base, a que acrescem as comissões auferidas em razão da actividade do trabalhador; 12- não sendo assim, o regime legal remuneratório seria o do contrato de agência e não o do contrato de trabalho subordinado, subvertendo-se um dos princípios básicos do contrato de trabalho subordinado e que é o da assunção do risco da actividade pelo empregador; 13- é este princípio que a R. pretende ver eliminado, ao consagrar uma retribuição variável directamente dependente das inscrições dos alunos e das propinas pagas por estes, nenhum risco sendo assumido pelo empregador, que paga aos docentes, em cada semestre ou ano lectivo, uma mera percentagem dessas propinas; 14- a interpretação dada pelas instâncias legitimava, no limite, que a R. deixasse de pagar a um determinado docente a retribuição se, num semestre qualquer, não tivesse inscrição de qualquer aluno na disciplina, interpretação abusiva quando se sabe que a existência da retribuição é uma das características essenciais do contrato de trabalho subordinado; 15- ao absolverem a R. do pedido de diferenciais de retribuição, as instâncias violaram os arts. 21º n.º 1 al. c), 82º e 84º do RJCIT e os arts.122º al. D), 249º, 252º e 253º do C.T.; 16- as instâncias consideraram que entre as partes existia um contrato de trabalho subordinado, que se mantinha em vigor por não ter cessado por nenhuma das formas legalmente admissíveis; 17- a ser assim, se o contrato não cessou, a única consequência inevitável era o da manutenção de todos os direitos e deveres decorrentes dessa relação jurídica, incluindo a observância do direito/dever de ocupação efectiva, que decorre do art. 53º da Constituição; 18- no caso da presente acção, nunca a R. invocou a cessação do contrato de trabalho por não ter trabalho para dar à A. ou por qualquer outra razão, pois a R. pura e simplesmente deixou de atribuir funções docentes à A. e de lhe pagar a retribuição (o que só veio invocar quando foi aqui demandada em juízo); 19- se a R. tivesse invocado a caducidade do contrato de trabalho e a tivesse comunicado à A., na presente acção tinha a...

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