Acórdão nº 08B1567 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Maio de 2008
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 21 de Maio de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Companhia de S... F...-M..., SA instaurou no Tribunal Marítimo de Lisboa contra APS - Administração do P... de S..., SA e L... - Companhia de S..., SA uma acção, na qual pediu a sua condenação ("sendo a Seguradora dentro das forças e limites do contrato de seguro") no pagamento de € 301.282,00 com juros de mora, contados à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado com KWH - P... (Portugal) T... Lda. um contrato de seguro do Ramo Mercadorias Transportadas, com início em 9 de Outubro de 2001, relativos à expedição de uma carga no valor total de 386.500.000$00, (€ 1.927.853,87), da qual faziam parte seis tubos em polietileno de alta densidade que seriam levados a reboque pelo navio N..., desde o porto de Setúbal até ao do Rio de Janeiro; que a 11 de Outubro, ao largo de Sines, se soltaram cinco tubos, dois em primeiro lugar e três algumas horas depois; que intervieram nas operações de recolha e salvamento dos tubos L... - P.... de S... à N..., Lda e a ré APS, com o rebocador "M..."; que o piloto deste rebocador não cumpriu as instruções dadas para essa operação e danificou um dos tubos, que acabou por ser empurrado para a costa e encalhar nas rochas, ficando inutilizado; que, por transacção homologada numa acção contra ela proposta por KWH - P... (Portugal) T... Lda., na qual foi subsidiariamente demandada a ré APS (na qualidade de proprietária do navio "M..."), que fez intervir nos autos a segunda ré (sua seguradora), ficou obrigada a pagar a KWH a quantia de € 400.000,00, que pagou, ficando sub-rogada nos direitos de KWH contra os responsáveis pelos danos sofridos pelo tubo; que pretende, nesta acção, ser reembolsada pelo montante correspondente ao custo do tubo destruído, € 301.282,00; e que a destruição do tubo foi causada por "actuação grosseira e negligente por parte da tripulação do rebocador "M...", que não respeitou as instruções que lhe haviam sido dadas.
A ré APS estaria portanto obrigada a reparar os prejuízos causados, pelos quais responderia também a ré Lusitânia, por contrato de seguro celebrado com a APS Ambas as rés contestaram.
A ré APS alegou que a intervenção do "M..." não foi causa do dano sofrido, que antes resultou de o tubo se ter soltado; que o mestre que o tripulava não incorreu em qualquer negligência, não lhe tendo sido dadas quaisquer instruções pelos responsáveis, já que integrava uma segunda tripulação de participantes nas operações de salvamento, a quem as mesmas não foram comunicadas.
A ré L... defendeu-se por impugnação e por excepção. Sustentou, nomeadamente, serem ambas as rés partes ilegítimas, porque o dano é da responsabilidade do armador do navio rebocador "N..."; e que a autora sempre rejeitara a responsabilidade pelos danos, quer por estarem excluídos pelo contrato de seguro, quer por este estar já terminado no momento da sua ocorrência.
A autora replicou, salientando que a acção tem os limites da sub-rogação em relação à sua segurada, KWH - P....
Por sentença de fls. 515, a acção foi julgada parcialmente procedente. As rés foram condenadas solidariamente a pagar à autora a quantia de € 232.711,50, acrescida de juros.
Em síntese, a sentença considerou que a autora "poderia efectivamente ter excepcionado a exclusão da cobertura relativamente ao sinistro dos autos"; mas que está "vedado ao responsável colocar em causa a forma como o contrato foi interpretado e executado pelas partes"; que a ré "L... não pode deixar de contar com a (...) sub-rogação voluntária levada a cabo em sede de transacção judicial"; que a "danificação do tubo foi efectivamente causada por uma manobra de abordagem inadequada que foi executada pelo mestre do rebocador "M...""; que este agiu com negligência; que a ré APS é objectivamente responsável, nos termos do disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 202/98, de 10 de Julho; mas que a lesada (KWH) "concorreu para a produção dos danos" pelo menos em 25%, porque "não amarrou os tubos ao rebocador "N..." em condições adequadas de segurança e um desse tubos ficou à deriva no mar".
Assim, concluiu a sentença, sempre considerando tratar-se de um caso de responsabilidade extra-contratual, "a R. APS é responsável pela perda total do tubo tendo por referência o respectivo preço de € 310.282,00, com a pertinente dedução da percentagem de 25% correspondente à culpa da própria A. (artigos 564.º e 566.º do Código Civil).
A demandada em questão está obrigada a pagar à A. a indemnização no montante global de € 232.711,50 ( € 310.282,00 x 0,75).
De acordo com os factos provados, a R. L.... vinculou-se contratualmente a cobrir a responsabilidade civil da co-demandada e é solidariamente responsável pelo pagamento da referida indemnização à A..
As RR. constituíram-se em mora desde a citação e deverão ser condenadas igualmente no pagamento dos juros de mora à taxa legal a contar do dia da constituição em mora - art. 805.º/3/2.ª parte e 806.º/1 do Código Civil." 2. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 698, foi negado provimento à apelação das rés mas concedido provimento parcial à apelação da autora, sendo as rés condenadas solidariamente no pagamento de € 310.282,00, acrescido de juros de mora.
A Relação entendeu tratar-se de um caso de responsabilidade contratual, porque os factos demonstravam ter sido celebrado entre KWH e a ré APS um contrato de reboque, sendo portanto aplicáveis as regras do Decreto-Lei nº 431/86, de 30 de Dezembro.
Existiria assim presunção de culpa da ré (artigos 8º, nºs 1 e 2 e 10º do Decreto-Lei nº 431/86), todavia desnecessária por estar provada a culpa do mestre do "M...", imputável à ré nos termos do nº 1 do artigo 800º do Código Civil, tendo a danificação do tubo resultado da sua actuação negligente.
A Relação considerou ainda não estar demonstrado que a lesada tenha contribuído para o dano.
Ambas as rés recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. Os recursos foram admitidos como revista, com subida imediata.
Nas alegações que apresentou, a ré APS arguiu a nulidade do acórdão recorrido, por não se ter pronunciado sobre questão "expressamente suscitada pela ora recorrente e constante das conclusões a) e b) que apresentou na apelação, omissão de pronúncia que constitui a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 668º" do Código de Processo Civil. Nas palavras da recorrente, apesar de a autora ter alegado que efectuou o pagamento à KWH "no cumprimento de obrigação contratual: a assunção dos riscos de viagem que assumiu pelo contrato de seguro", sucede que "o seguro não cobria (...) os danos resultantes da inadequação da canga (...)", como seria o caso; e, para além disso, a própria autora alegou que "a vigência do seguro terminou com a entrada do rebocador "N..." no Porto de Sines". Ou seja: "os danos nunca estiveram cobertos (...), ou já não estavam à data da intervenção do ‘M...'".
A autora teria assim pago os prejuízos "no cumprimento de uma mera obrigação natural".
Para além disso, a recorrente formulou as seguintes conclusões: "A) Nos termos do disposto no nº 3 do art. 14 do DL 431/86, de 30 de Dezembro, só há contrato de reboque em execução com a passagem de cabos entre o rebocador e o rebocado; B) No caso em apreço, não foi feita alegação ou prova da passagem de cabos, estando provado, a contrario, que não chegaram a ser passados; C) O douto acórdão recorrido, ao decidir à luz do regime da responsabilidade por culpa presumida previsto no DL 431/86, violou frontalmente a disposição citada na al. A) supra, pelo que deve ser revogado.
D) E, se não é aplicável o regime de culpa presumida da referida disposição, o caso há-de ser decidido à luz do regime da responsabilidade extracontratual, tendo em conta: E) Que a APS agiu sem culpa, tentando recuperar um tubo que se soltara por incúria do rebocador "N..." que o manteve deficientemente amarrado e que, F) Sem a intervenção da APS (rebocador "M..."), de acordo com as regras da experiência comum, o resultado danoso se teria produzido de igual modo, pelo arrastamento do tudo, pela ondulação, contra as rochas; G) Pelo que, a causa directa e necessária do dano foi a libertação do tubo pela deficiente amarração e não a intervenção do "M...", que apenas não logrou evitar esse dano ou, H) A não ser assim entendido, deve ter-se em conta que a R. APS pôs em risco o seu rebocador "M..." visando salvar o tubo e limitar-se a sua responsabilidade de acordo com as regras da equidade a que se refere o art. 494º do Código Civil, I) Absolvendo-se as RR. do pedido ou, supletivamente, reduzindo-se o montante da indemnização de acordo com a equidade.» Quanto à recorrente L..., Companhia de S..., SA, concluiu desta forma a sua alegação: "1. Os factos dados como provados quanto à actuação do Mestre do rebocador "M...", que só interveio nas operações a partir de 16 de Outubro, não incluem instruções quanto à forma de efectuar o reboque; 2. Por outro lado, as instruções dadas aos Rebocadores Resistente e S. Vicente, em 12 e 13 de Outubro, não são aplicáveis ao Rebocador "M...", posto que inexiste qualquer prova de que ele e o Mestre Rebocador estivessem presentes quando as mesmas foram dadas; 3. Daí que, os factos dados como provados não sejam suficientes para integrar o conceito de culpa ou negligência na execução do reboque por parte do Mestre do rebocador "M..."; 4. Acontece ainda que a A apenas pretende indemnização se houver culpa do mestre do N...
["M...."].
Na verdade o seu pedido vem formulado, em termos de direito, apenas com base no artº 483º do C. Civil, em parte alguma invocando responsabilidade objectiva ou pelo risco do Mestre do "M...".
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Portanto, os Tribunais Recorridos não podiam ter julgado a acção procedente com fundamento em presunção de culpa do mestre do "M..." e daí a inadequação da decisão aos factos ocorridos (...), 6. Portanto, logo deviam as RR ter sido absolvidas com este fundamento por...
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