Acórdão nº 07P1491 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2008
Magistrado Responsável | ARMÉNIO SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 09 de Abril de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
AA foi acusado pelo Ministério Público no âmbito do proc. nº 196/03.0GBTCS, tendo sido julgado por tribunal colectivo e condenado pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 131.º, n.º 1, 22.º, 23.º e 73.ºdo Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
Foi ainda condenado a pagar ao assistente e demandante civil BB as quantias de € 10.000,00 pelas dores sofridas, € 3.500,00 pelo dano estético, e € 1.350,00, a título de danos patrimoniais, no montante global de € 14.850,00.
Foi ainda condenado a indemnizar os Hospitais da Universidade de Coimbra e o Centro Hospitalar de Lisboa, nos montantes de € 367,75 e de € 1461,79, acrescidos de juros de mora, a partir da data da notificação desses pedidos.
Inconformado o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, limitando o seu recurso a duas questões: violação do art. 410º nº 2 als. a) e b) do Código de Processo Penal (insuficiência da matéria de facto dada como provada para justificar a decisão; contradição entre a fundamentação e decisão) e violação dos arts. 40º, 70º, 71º, 72º e 73º, por não aceitar que outra pena pudesse ter sido aplicada ao arguido.
O Tribunal da Relação de Coimbra julgou o recurso improcedente.
Mantendo-se irresignado, o arguido recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado as seguintes conclusões: 1° O Douto Acórdão da Relação violou alínea a) do artigo 410 nº2 do Código de Processo Penal, ao não determinar a repetição do Julgamento, para que o CC e a inspecção ao local fossem realizados 2° O Douto Acórdão da Relação violou a alínea b) do artigo 410 nº2 do Código de Processo Penal ,ao fundamentar a sua decisão, com base em contradições da matéria dada como provada e não provada; 3° O Douto Acórdão da Relação violou o artigo 40; 71; 72; 73 do Código Penal, ao não aceitar que ao arguido podia ter sido aplicada outra pena; Sustenta que o acórdão deve sr substituído por outro que absolva o arguido por falta de prova; se assim se não entender, ser substituído por outro que determine a repetição do Julgamento para que seja ouvido o CC e feita a inspecção ao local; ou ainda, ser substituindo por outro que classifique os factos como de ofensas corporais simples e condene o arguido no mínimo de pena e esta suspensa pelo período de 2 anos; na pior das hipóteses ser substituído por outro que, mantendo a classificação dos factos como de homicídio simples na forma tentada, condene o arguido na pena de 1 ano e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra, em curta resposta, considerou que "as questões em que se analisa o presente recurso mais não são que a reedição daquelas que já antes havia suscitado e plasmado nas conclusões do curso para esta Relação", concluindo no sentido do improvimento do recurso.
O Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça considerou não haver obstáculo ao conhecimento do recurso e promoveu a realização da audiência.
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Os factos considerados provados são os seguintes: 1. O arguido AA é irmão de CC e é tio da filha deste, DD, com quem o queixoso BB vivia à data dos factos, que infra se referem, apesar de já estarem divorciados judicialmente um do outro.
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Entre o agregado familiar do arguido e o agregado familiar de DD existem muitos desentendimentos, que já culminaram em processos judiciais, tendo o arguido AA sido condenado, nos autos de processo comum singular 113/00.9GBTCS, por factos praticados em Novembro de 2000, na pessoa de CC, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de Esc. 1500$00, por decisão de 12 de Junho de 2001, transitada em 27 de Junho de 2001.
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No dia 25 de Dezembro de 2003, BB encontrava-se em casa dos pais de DD, sita no lugar do Reboleiro, quando, pelas 10 horas da manhã, a família desta foi alertada para a presença de ovelhas do arguido nos seus terrenos.
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Em virtude do referido em 3., BB, DD e a mãe desta, deslocaram-se para o exterior da casa e caminharam na direcção do rebanho do arguido, tendo parado perto de uns carvalhos existentes e aguardado algum tempo a fim de verificarem se o arguido andava por perto.
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Consciente da conflitualidade relatada supra em 2., BB, previamente ao referido supra em 4., muniu-se, à cautela, de um machado, que guardou no interior do casaco que vestia, enfiando a parte da lâmina, em ferro, na manga, junto à axila, assim o ocultando, mas deixando-o com um acrescido sentimento de segurança na trajectória que efectuou ao encontro do rebanho do arguido.
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Do local onde DD, a sua mãe e BB pararam e referido em 4., este último foi o único que avançou em direcção ao rebanho do arguido, a fim de afastar as ovelhas do terreno que ocupavam.
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A dado momento, por motivos não concretamente apurados, o BB e o arguido encontraram-se frente a frente e este, segurando nas mãos um instrumento denominado sacho - com um cabo em madeira e na ponta com uma parte de lâmina de ferro, com dimensões não concretamente apuradas -, desferiu um violento golpe no alto da cabeça de BB, fazendo-o cair ao chão.
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Quando BB estava no chão, na sequência do referido em 7., o arguido desferiu-lhe, com o mesmo instrumento, pelo menos, mais cinco golpes na cabeça, na parte frontal, occipital e lateral esquerda.
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Enquanto o arguido desferia os golpes descritos, BB tentava levantar-se e amparar-se com as mãos e braços, de modo a proteger-se, não conseguindo evitar os diversos golpes que lhe foram infligidos pelo arguido, mas, já a cambalear e em fraqueza, devido ao sangue que ia perdendo, conseguiu caminhar na direcção de DD e da sogra, assim fugindo ao arguido.
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O arguido ainda perseguiu BB, dizendo que o havia de matar, só não tendo prosseguido com tal intento, porque se apercebeu da presença da DD e da mãe desta, que gritavam e corriam para socorrer BB.
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BB foi amparado por DD e pela sogra, que o levaram para casa.
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Por motivos não concretamente apurados, o machado que BB transportava ficou no chão.
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Entretanto, o arguido desfez-se do aludido sacho, dando-lhe destino não apurado.
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Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, BB sofreu fractura fronto parietal esquerda, com pequena esquírola óssea que não comprimia o parênquima cerebral, sem perda de conhecimento, com sinais de hemorragia subaracnoideia difusa, com equimose supra palpebral direita e edema das partes moles na região parietal esquerda, com ferida, e equimoses na região torácica e braço à esquerda 15. BB recebeu os primeiros tratamentos médicos no Hospital Sousa Martins, na Guarda, tendo sido transferido, em virtude da gravidade das lesões, para os HUC de Coimbra e Hospital de São José e dos Capuchos, em Lisboa, onde sofreu internamentos sucessivos, por um período de 12 dias.
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Tais lesões determinaram para BB, além do período de internamento referido, 132 dias de doença, com igual tempo de incapacidade para o trabalho, tendo sido seguido em consultas da especialidade até Março de 2004.
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Em consequência da conduta do arguido e das lesões por si provocadas, BB apresenta várias cicatrizes na cabeça: na região frontal esquerda, na região parietal direita, na região parietal esquerda, duas na região occipital (uma em cima e outra na zona lateral).
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Ao ter agido da forma descrita, desferindo com mencionado sacho, pelo menos seis golpes na cabeça de BB, o arguido quis tirar a vida deste, estando ciente das características do instrumento que transportava, o qual bem sabia que, usado da forma descrita, e atingindo BB nas zonas corporais referidas...
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Acórdão nº 09P0236 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2009
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