Acórdão nº 07P4080 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução09 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra veio interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal, alegando, em síntese, que: I. - Nos presentes autos, decidindo recurso respeitante a condenação em Primeira Instância por crime de abuso de confiança fiscal, relativo a factualidade anterior à nova redacção introduzida no texto do art.º 105.°, nº 4 do RGIT, pelo art. 95 da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, vulgo Lei Orçamental para 2007, interpretando a norma referida, entendeu o Acórdão da Relação de Coimbra, proferido em 27/06/2007 nestes autos, a fls. 685 e seguintes, sumário se encontra publicado no sítio da DGSI: http://www.dgsi.pt/jtrc cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em sede interpretativa do preceito, que: "Porque a condição agora inserta pelo legislador é uma verdadeira condição de punibilidade que deve estar verificada com a entrada do feito em juízo, não há dúvida que não podem ser punidas todas as situações que preencham os requisitos contemplados pela nova norma, sem que a condição se tenha verificado.

Fazer cumprir agora a condição é dogmaticamente desadequado e ainda assim redundaria sempre num prejuízo de absolvição, mesmo quando o devedor não regularizasse de novo as suas dívidas perante a administração fiscal A condição objectiva de punibilidade não pode deixar de constar da acusação, sob pena de improcedência da mesma".

Pelo que, em consonância com esse entendimento, e, na procedência do recurso, declarar-se despenalizada a conduta dos arguidos M... Madeiras, Lda, e AA, com consequente absolvição do crime ... ", ou seja, decidiu absolver os arguidos, do crime por que haviam sido condenados na Primeira Instância; II- Decisão que não era susceptível de recurso ordinário e se mostra já transitada em julgado; III - Porém, debruçando-se sobre a mesma questão jurídica, ou seja a interpretação que deve ser dada à nova redacção introduzida no texto do art. 105.°, nº 4, do RGIT, pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, e também por decisão já transitada em julgado em 24/04/2007, e emitida em sede de recurso, ao invés da posição assumida no Acórdão supra identificado, decidiu também a Relação de Coimbra no igualmente douto Acórdão de 2007.03.21, prolatado no Proc. n.º 232/04.2IDGRD.C1, publicado no sítio da DGSI, http://www.dgsi.pt/jtrc com o seguinte sumário, que traduz fielmente o nele decidido: "1. A punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal previsto na nova redacção do artigo 105° do RGIT, no caso de ter sido comunicada à administração tributária a correspondente declaração, depende da falta de pagamento da quantia correspondente e juros e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

  1. Por isso, mesmo na fase do recurso após condenação, há que oficiar à administração fiscal para que proceda àquela notificação, para se verificar se ocorre ou não aquela condição de punibilidade, regime mais favorável ao arguido. "; IV - Constata-se, assim, a prolação em sede de recurso, pela Relação de Coimbra, no domínio da mesma legislação, de dois Acórdãos contraditórios sobre a mesma questão de direito e sobre a interpretação da mesma norma jurídica - art 105.°, nº4, do REGIT na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29-12. Interpretações divergentes que conduziram a diferentes soluções jurídicas: No caso dos presentes autos, foi decretada a absolvição dos arguidos por se considerar despenalizada a conduta criminal imputada, prosseguindo o andamento dos autos no caso do Procº nº 232/04.2IDGRD.Cl; V - Impõe-se, por isso, que: através do presente recurso extraordinário, seja fixada jurisprudência sobre a questão de saber se a nova redacção do n.º4, do art. 105.° do RGIT introduzida pela Lei 53-A/2006, veio despenalizar as condutas criminais anteriores prevenidas no seu nº l, ou se, ainda em relação aos processos já pendentes pelo crime previsto e punido no nºl desse normativo à data da respectiva entrada em vigor, veio, apenas, com a notificação referenciada naquele nº4, conceder aos arguidos a possibilidade de, pelo pagamento das quantias ali referenciadas, fazerem cessar o procedimento criminal instaurado.

    No exame preliminar considerou-se admissível o recurso e existente a invocada divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão para fixação de jurisprudência.

    Oportunamente realizou-se a conferência a que alude o artigo 441.º do Código de Processo Penal na qual se decidiu ser o recurso admissível atenta a oposição de julgados e se determinou o prosseguimento dos autos nos termos dos artigos 442º e seguintes do Código de Processo Penal, considerando a necessidade de fixar jurisprudência.

    O Ministério Público apresentou alegações, subscritas pela ExªMª Procuradora-Geral-Adjunta, propondo que seja fixada jurisprudência no seguinte sentido: 1. A conduta prevista no artigo 105.°, n.º 1 do RGIT esgota-se no não cumprimento, pelo substituto tributário, de um dever previsto na lei não entrega à administração fiscal da prestação tributária a que estava obrigado, no prazo fixado por lei para cada tipo e espécie de prestação deduzida.

  2. Constitui assim um crime de omissão pura, que se consuma com a não entrega dolosa das prestações deduzidas nos termos e no prazo de entrega fixado para cada prestação.

  3. Os factos descritos nos n.º 1 e 3 do artigo 105.°, do RGIT só são puníveis se verificadas as circunstâncias previstas nas alíneas a) e b) do n.º4 do mesmo artigo.

  4. Estas circunstâncias, pela natureza com que se apresentam na estrutura da norma e pela função e finalidades a que nela estão determinadas, não integram o ilícito típico e a culpa, constituindo condições objectivas de punibilidade.

  5. A nova exigência prevista na alínea b) do n.º4 do artigo 105.° do RGIT, introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, não constituindo um elemento integrante do tipo de ilícito do crime de abuso de confiança fiscal, não implica descriminalização.

  6. A nova condição objectiva de punibilidade, que essa exigência constitui, pode implicar, em concreto, um regime mais favorável ao agente do que aquele que vigorava no momento da prática do facto.

  7. Tendo presente a norma do artigo 2.°, n.º 4, do Código Penal, deve permitir-se ao agente da infracção que regularize a situação, com entrega da prestação no prazo de trinta dias, após a sua notificação para esse efeito, só se verificando a nova condição de punibilidade se a regularização não ocorrer no referido prazo.

    Igualmente o arguido AA se pronunciou nos termos do artigo 442 do Código de Processo Penal afirmando que: 1. A alteração legislativa vertida na al. b) do art. 105.°/4 do RGIT interfere directamente com a punição em sede de abuso de confiança fiscal no plano substantivo, aditando um novo completo fáctico ao tipo que se terá de haver verificado para que se possa suscitar responsabilidade do seu autor.

  8. A alteração legislativa vertida na al. b) do art. 105.°/4 do RGIT não constitui apenas uma condição do início do processo penal, mas um evento empírico constitutivo da responsabilidade criminal, pelo que não é passível de ser qualificada como condição de procedibilidade.

  9. Sem que se verifique o evento factício disposto na al. b) do n. ° 4 do art. 105. ° do RGIT o comportamento do agente que se subsuma aos restantes elementos constantes do n. ° I ou 2 e al. b) do nº 4 apresenta-se como ilícito de mera ordenação social nos termos do art. 114.°/1 do RGIT, pelo que se trata de um complexo factua1 sem um desvalor de cariz ético.

  10. O disposto na al. b) do nº 4 do art. 105.° não constitui condição de exclusão da punibilidade, uma vez que se trata, não de um facto que precluda a responsabilidade criminal do agente, mas de um facto que tem de se verificar para que o agente se veja incurso em responsabilidade criminal.

  11. Não é concebível qualificar a al. b) do nº 4 do art. 105.° do RGIT como elemento alheio ao ilícito e à culpa (o que sucederia se fosse qualificada como condição de punibilidade), uma vez que se trata do momento factual em que a conduta do agente assume um salto valorativo, passando de ilícito desprovido de eticidade para ilícito penal.

  12. Atenta a construção actual do abuso de confiança fiscal, é a al. b) do n. ° 4 do art. 105.° do RGIT que sustenta a violação de um paradigma ético, pelo que se trata de um elemento integrado no ilícito típico do crime.

  13. Não pode entender-se que um comportamento ou conduta se transmute de ilícito administrativo para ilícito criminal sem que se verifique um comportamento imputável ao agente a título de culpa, atento o Princípio da Culpa que enforma o nosso Direito Penal, também com sedimento constitucional.

  14. O disposto na al. b) do nº4 do art. 105.° constitui um elemento do ilícito-típico do abuso de confiança fiscal.

  15. Quer se entenda qualificar a nova al. b) do nº 4 do art. 105.° do RGIT como elemento do ilícito típico ou como condição objectiva de punibilidade, sempre e em qualquer caso se conclui que o legislador interferiu no recorte típico do crime, espartilhando as condutas puníveis, devendo concluir-se que a intervenção legislativa foi descriminalizadora/despenalizadora relativamente aos comportamentos punidos antes da sua entrada em vigor.

  16. No pressuposto indicado na Conclusão anterior, só é possível concluir pela necessidade de arquivamento dos processos pendentes e pela extinção das penas ainda em execução ao abrigo do disposto no art. 2.°/2 do Código Penal.

  17. O Tribunal, quando entenda em qualquer momento do Julgamento que os factos relatados na Acusação não constituem crime, deve prover de imediato pela rejeição do labelo acusatório (quando esteja ainda em posição para o fazer) ou pela absolvição do arguido.

  18. Nos processos pendentes à data da entrada em vigor da LOE2007, não estando nos instrumentos acusatórios vertida a imputação da prática dos factos descritos na al. b) do n.º 4 do art. 105.° do RGIT ao...

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