Acórdão nº 07S2882 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução09 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O autor AA intentou no Tribunal do Trabalho de Almada a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra a ré BB - Automóveis, Ldª, impugnando o respectivo despedimento e pedindo a condenação desta a pagar-lhe a retribuição do mês de Junho de 2005, no montante de € 5.429,10, e as retribuições vincendas até decisão final, bem como a indemnização por antiguidade que for devida na data da sentença, sem prejuízo, quanto a esta última, da opção pela reintegração a exercer no momento processual próprio, sendo as quantias a pagar acrescidas de juros contados à taxa legal de 4% ao ano e calculados desde a data de citação da R. e da data de vencimento das prestações pecuniárias que se vencerem na pendência da acção.

No caso de o A. não optar pela reintegração na R. no momento processual próprio, deverá ainda a R. ser condenada a pagar-lhe as férias, subsídio de férias e de Natal que então se vencerem em consequência da cessação do contrato de trabalho e devidos nos termos dos art. 221º e 255º do Código do Trabalho.

Fundamenta o pedido alegando, em síntese, que desempenhou funções de chefe de divisão para a R., tendo sido despedido sem justa causa, já que os motivos invocados não correspondem à verdade.

Acresce que prescreveram as pretensas infracções relativas aos veículos ..-..-.. e ..-..-.., e caducou o prazo para a instauração do procedimento disciplinar.

A Ré contestou alegando, em síntese, que o A. fez uso indevido de veículos em termos tais que se tornou impossível a subsistência da relação laboral. Não há prescrição em face do carácter continuado das infracções e nem caducidade, atenta a instauração de um inquérito prévio, que interrompe o prazo (art.º 412, 411/4 e 372/1, Código do Trabalho).

Concluiu pedindo a improcedência da acção.

Após julgamento, foi proferida sentença que julgou: a) procedente a excepção de prescrição da infracção quanto aos veículos..-..-..e ..-..-..; b) improcedente a alegada excepção de caducidade do exercício do procedimento disciplinar; c) e improcedente a acção, absolvendo a R. do pedido.

Dela apelou o A., que arguiu nulidades da sentença.

Por seu douto acórdão, a Relação de Lisboa desatendeu a arguição das nulidades e julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença.

II - Novamente inconformado, o A. interpôs a presente revista em que formulou as seguintes conclusões: 1ª. O A. intentou acção contra a R. impugnando o despedimento proferido pela R. na sequência de processo disciplinar que contra si fora instaurado com fundamento em indevida utilização de viaturas que por esta lhe haviam sido atribuídas; 2ª. Em causa está nos autos o seguinte: a) Na R. vigorava, ao tempo dos factos em apreciação na acção, um regulamento interno denominado "BB", no âmbito do qual a R., a pedido dos seus trabalhadores, adquiria viaturas que punha à disposição dos mesmos, em três modalidades distintas: - CC - Os veículos destinam-se a uso total pelo trabalhador suportando a R. todos os custos de utilização do veículo e da sua manutenção, incluindo o combustível, sem que o trabalhador tenha que suportar quaisquer encargos (nºs 12 e 47 a 50 dos factos provados na sentença recorrida e documento de fls. 521 a 614); - DD - Os veículos destinam-se a uso total pelo trabalhador suportando a R. os custos de utilização do veículo e da sua manutenção, mas o trabalhador pagava o combustível e ainda um valor mensal que lhe era debitado pela R (nºs 12 e 47 a 50 dos factos dados por provados na sentença recorrida e documento de fls. 521 a 614); - EE - Veículos que a R. disponibiliza para utilização ocasional e em serviço pelo trabalhador e que fazem parte do parque automóvel da R. (documento de fls. 521 a 614); b) De acordo com a BB , o propósito de atribuição dos CC e dos DD era o de facultar aos trabalhadores veículos automóveis para suprir as necessidades, próprias e do agregado familiar, de uso de automóvel, podendo os veículos serem utilizados pelo trabalhador e pelo seu agregado familiar, entendendo-se este como sendo composto pelo cônjuge ou pessoa em união de facto, filhos, mãe e pai, desde que vivam na mesma casa com o trabalhador - nºs 51 e 53 dos factos dados por provados; c) Os CC e os DD podiam ser utilizados ainda por terceiros, que não fizessem parte do agregado familiar do trabalhador, desde que os Serviços de Recursos Humanos da R. fossem, previamente informados desse facto e consentissem em tal utilização - nº 52 dos factos dados por provados; d) Nos termos do ponto 3.1 da BB "Se um indivíduo utilizar um veículo de forma imprópria, poderá ser impedido de guiar outro veículo da empresa ou poderá estar sujeito a outras acções disciplinares, incluindo, em circunstâncias extremas, a retirada do benefício" - Ver Doc. de fls. 521 a 614; e) No caso dos CC e DD o trabalhador que usufruia do veículo podia restituí-lo à R. e eventualmente proceder à sua aquisição desde que já tivesse decorrido um período de 24 meses desde a sua atribuição pela R. (36 meses no período anterior a 2000) e o veículo tivesse atingido pelo menos 50.000 Kms (nº 56 dos factos provados); f) No caso de o trabalhador manifestar interesse na aquisição do veículo devolvido a R. procedia à avaliação do mesmo segundo regras por ela definidas (atendendo aos anos que o veículo tinha e ao número de quilómetros que apresentava), atribuindo-lhe um valor e decidindo sobre a sua venda ao trabalhador que o utilizava (nºs 12, a), 57, 58, 59, 61 e 62 da matéria de facto); g) Até Dezembro de 2003 as regras em vigor na R. não impunham qualquer limitação de quilometragem pelos utilizadores, mas, a partir de Janeiro de 2004 e para efeitos de cálculo da avaliação do veículo pela R. para decidir da venda ou não ao trabalhador/utilizador as regras em vigor na R. só passaram a considerar uma antiguidade de 24 meses do veículo e uma quilometragem máxima de 55.000 Kms (nºs 12, a) e 60 dos factos provados); h) Se a R. decidisse proceder à venda do veículo ao trabalhador/utilizador e este aceitasse o valor calculado pela R., nos termos das regras estabelecidas pela R, o trabalhador adquirente comprometia-se a manter o registo dessa aquisição durante seis meses (nº 63 da matéria de facto dada por provada); 3ª. E é neste quadro que ao A. foi instaurado um processo disciplinar relacionado com a atribuição pela R. de veículos acusando-o em suma dos seguintes factos: a) Veículo Audi A4 Avant 19TDI Sport, de matrícula .. - .. - ..

- Fora entregue ao A. em Novembro de 1998 e até 16/10/2001 fizera uma média mensal de 1.500 Kms, mas desde 16/10/2001 a 31/1/2002 fizera uma média mensal de 10.800Kms, tendo sido devolvido à R. com 101.181Km, quilometragem que foi considerada no valor estabelecido pela R. para venda ao A.; - Para atingir aquela quilometragem o A. cedera a utilização do veículo a familiares que não faziam parte do seu agregado familiar; - Tendo o A. adquirido aquele veículo à R. pelo preço por esta estabelecido em 18 de Março de 2002, vendera-o no dia 11 de Setembro seguinte, antes pois de decorridos seis meses desde a data da aquisição; b) Veículo Ford Puma 1.4 16V Coupé, de matrícula .. - .. - ..

- Fora entregue ao A. em Novembro de 1998 e até 8/5/2001 fizera uma média mensal de 1.500 Kms, mas desde 8/5/2001 a 25/9/2001 fizera uma média mensal de 7.700Kms, tendo sido devolvido à R. com 83.390Km, quilometragem que foi considerada no valor estabelecido pela R. para venda ao A.; - Para atingir aquela quilometragem o A. procedera à alteração do conta-quilómetros e cedera a utilização do veículo a familiares que não faziam parte do seu agregado familiar; - Tendo o A. adquirido aquele veículo à R. pelo preço por esta estabelecido em 28/9/2001, vendera-o no dia 12/3/2002, antes pois de decorridos seis meses desde a data da aquisição; c) Veículo Volkswagen Golf 1.4, de matrícula .. -.. - ..

- Fora entregue ao A. em Setembro 2001 e até 12/11/2002 fizera uma média mensal de 1.100 Kms, mas desde 12/11/2002 a 25/11/2003 fizera uma média mensal de 3.500Kms, tendo sido devolvido à R. com 60.168Km, quilometragem que foi considerada no valor estabelecido pela R. para venda ao A.; - Para atingir aquela quilometragem o A. cedera a utilização do veículo a familiares que não faziam parte do seu agregado familiar; - Tendo o A. adquirido aquele veículo à R. pelo preço por esta estabelecido em 25/11/2003, vendera-o no dia 5/12/2003, antes pois de decorridos seis meses desde a data da aquisição; d) Veículo Audi Avant, de matricula .. - .. -..

- Fora entregue ao A. em Janeiro de 2002 e até 16/6/2003 fizera uma média mensal de 1.900 Kms, mas desde 16/6/2003 a 7/1/2004 fizera uma média mensal de 5.700Kms, tendo sido devolvido à R. com 70.851Km, quilometragem que foi considerada no valor estabelecido pela R. para venda ao A.; - Para atingir aquela quilometragem o A. alterara o conta-quilómetros, aumentando a quilometragem e cedera a utilização do veículo a familiares que não faziam parte do seu agregado familiar; - A R. não chegou a vender aquele veículo ao A. por ter suspeitado de irregularidades; 4ª. Tendo dado por provados aqueles factos a R. procedera ao despedimento do A., despedimento que foi impugnado nestes autos; 5ª. Consideraremos a situação dos veículos .. - .. - .. e .. - .. -.. , uma vez que quanto à utilização pelo A. destes veículos foi considerado procedente a excepção de prescrição da hipotética infracção, e nem se diga, como o faz o Acórdão recorrido, que os factos relacionados com a utilização daquelas viaturas relevam como antecedentes que contribuem para valorar o comportamento global do A., pois, não se provou em relação a qualquer delas que fosse imputável ao A. qualquer alteração do conta-quilómetros, como vinha indiciado na acusação deduzida no processo disciplinar, e, como adiante se verá, a maior quilometragem ocorrida nos últimos tempos de utilização das viaturas em nada releva; 6ª. Ao contrário do entendimento do Acórdão recorrido, nada existe de reprovável...

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