Acórdão nº 07P3993 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução13 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O Tribunal Colectivo da 6ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção (proc. nº 1097/03.7PEAMD), por acórdão de 31.3.2006, decidiu: - Absolver o arguido AA do crime de tráfico de estupefacientes do art.21º, nº1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabela I-A e I-B anexas, mas condená-lo pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade do art. 25º, al. a), do mesmo diploma, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; - Condenar o arguido BB (i) pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes do art.21º, nº 1, do DL n.º 15/93, na pena de 5 anos de prisão; (ii) pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples do art.143º, nº 1, do C. Penal, na pena de 10 meses de prisão e (iii), em cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

    - Condenar aqueles arguidos na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos.

    Inconformado recorreu o arguido BB para a Relação de Lisboa suscitando as questões da qualificação jurídica, tratar-se-ia de um crime de tráfico de menor gravidade, devendo ser infligida uma pena suspensa na sua execução e da pena acessória de expulsão que deveria ser revogada.

    Aquele Tribunal Superior concedeu parcial provimento ao recurso e revogou a aplicação da pena acessória de expulsão, no mais confirmando a decisão recorrida.

    Dessa decisão, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça o arguido AA, cujo recurso não foi, no entanto, admitido.

    Recorreu novamente o arguido BB, suscitando as questões da qualificação jurídica (tráfico de menor gravidade?), da não leitura e consideração do relatório social em 1.ª Instância, aplicação de uma pena de 30 meses suspensa na sua execução, com regime de prova.

    Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, que se pronunciou pelo improvimento do recurso, por se tratar de um crime de tráfico simples, a pena ser justa, a leitura em audiência de relatório social apenas ser permitida a requerimento e para os efeitos do art. 371.°, do CPP e as penas parcelares e única não merecem censura.

    Distribuídos os autos neste Tribunal, teve vista o Ministério Público.

    Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência. Nela o Ministério Público pronunciou-se pelo improvimento do recurso, pois que pela diversidade, natureza e quantidade, meios e modo de procedimento se trata de crime de tráfico simples, como vem decidido; quanto à medida da pena, não merece censura a mesma, dado o grau de ilicitude, de culpa e as grandes necessidades de prevenção geral e especial, tanto mais que já foi condenado em pena suspensa e foi no período de suspensão que cometeu estes factos. A defesa discordou da posição do Ministério Público e reafirmou a sua motivação de recurso.

    Cumpre, pois, conhecer e decidir.

    E conhecendo.

    2.1.

    Não leitura e consideração do relatório social em 1.ª Instância Refere o recorrente que foi violado, no acórdão recorrido, o disposto no art. 370.º n.° 3 do CPP (conclusão 9), que impunha a leitura do relatório social em audiência "nos termos e para os efeitos" do disposto no art. 37l.° do mesmo diploma (conclusão 10), o que não aconteceu no decorrer da audiência de discussão e julgamento na 1.ª instância (conclusão 11), do que resulta não se impor à defesa requerer a leitura do relatório social para que o mesmo fosse relevado pelo tribunal da primeira instância na decisão final (conclusão 12).

    Semelhante entendimento, de obrigatoriedade da leitura desse documento que consta dos autos - diz - acarretaria maior morosidade na realização das audiências de julgamento e não se justifica seja sob que aspecto for (conclusão 13) e muito menos quando a audiência decorre na ausência do arguido, como foi o caso destes autos (conclusão 14).

    A interpretação feita dessa norma legal é violadora desse preceito (pois o tribunal da 1.ª instância deveria ter valorado as condições pessoais favoráveis e caracterizadoras do modo de vida do recorrente, constantes do dito relatório do IRS), sendo tal preceito aplicável apenas para os casos do art. 371.º do CPP (conclusão 15), violação que se repercute directamente na idêntica violação do disposto no a art. 71.° n.° 1 e 2 al. d)do C. Penal (conclusão 16) que manda atender, considerar, as condições pessoais do arguido (entre outras) que não fazem parte do tipo legal de crime, aquando da aplicação concreta da medida da pena (conclusão 17).

    Escreve-se na decisão recorrida: Impugna, ainda o arguido, ora recorrente o facto de o Tribunal "a quo" não ter tido em conta o teor do relatório social elaborado pelo IRS, não tendo dado por provados factos pessoais do arguido, que funcionariam a seu favor.

    No entanto, constata-se, que o recorrente não ofereceu contestação, não arrolou testemunhas, nem esteve presente no julgamento, nem em circunstância alguma requereu (através do seu mandatário constituído, presente em julgamento) a leitura em audiência do relatório social, nos termos do disposto no n° 3 do artigo 370° do C.P.P..

    Neste segmento, há que lembrar, quanto ao relatório do IRS e face ao estabelecido no n° 4 do citado artigo, que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito da formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência - artigo 355º n°1 do Código de Processo Penal.

    Face ao exposto e às mencionadas disposições legais, estava vedado ao Tribunal "a quo" deitar mão ao constante do relatório elaborado pelo IRS, tendo cabido única e exclusivamente ao arguido fazer uso da faculdade legal de se proceder à leitura do teor daquele em audiência, como forma do mesmo ser utilizado como meio de prova necessária para formar a convicção do Tribunal, quanto à sua situação pessoal o que não foi feito.» No entanto, como observa o Ministério Público na Relação, não se pode considerar que a 1.ª Instância não tenha atendido ao relatório social.

    Com efeito, escreve-se na respectiva decisão: «Fundamentação.

    O Tribunal alicerçou a sua convicção na apreciação crítica e global de toda a prova produzida, segundo as regras de experiência comum e o princípio da livre apreciação da prova, nomeadamente as declarações dos arguidos e toda a documentação junta aos autos.

    Assim, alicerçou a sua convicção: (...) - no relatório social de fls.391 a 394 (...).» Sendo assim, ou seja tendo a decisão da 1.ª Instância considerado o relatório social na formação da sua convicção sobre a matéria de facto, fica em crise a verificação do interesse em agir do arguido, que se impõe para a impugnação da decisão em causa.

    O CPP, ao lado da legitimidade do recorrente, alinha como condição para o conhecimento do recurso, o seu interesse em agir (art. 401.º, n.º 2: "Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir").

    Não nos diz aquele diploma legal o que se deve entender por "interesse em agir", mas de tal já se ocuparam a Jurisprudência e a Doutrina.

    Dentro desse entendimento, que se acompanha, para que o recorrente tenha interesse em agir é necessário que vise qualquer efeito útil que não possa alcançar sem lançar mão do recurso.

    (2) O interesse processual ou interesse em agir é definido, em termos de processo civil, como a necessidade do processo para o demandante em virtude de o seu direito estar carecido de tutela judicial. Há um interesse do demandante não já no...

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